A informação de bastidor de que o governo vai anunciar a privatização da Caixa Econômica Federal parece ser mais uma daquelas especulações que saem da queda de braço entre a equipe econômica e os ministros palacianos – a ala política do governo, como costumam ser chamados esses assessores do presidente Michel Temer. Viável do ponto de vista de negócio e bem-vinda do ponto de vista de mercado, a venda da CEF é pouco provável por suas nuances políticas.
O banco estatal é parte da velha política que usa bancos públicos para proteger interesses políticos. Não existe banco público, é bom frisar, que escape dessa sina. Mas a Caixa é um caso especial. Ela controla preciosidades como a maior parcela do financiamento habitacional (e o Minha Casa Minha Vida), faz a gestão do FGTS e é parceira de primeira hora de grandes planos de governo, como o PAC. Ela é diferente do BNDES por estar mais perto do eleitor. E do Banco do Brasil por não ter capital aberto – o que traz a vigilância do mercado.
Esse modelo de funcionamento da Caixa serve de argumento tanto para ela ser privatizada, quanto para ela ser mantida sob controle público. Se quisesse vender o banco, o governo fecharia duas dúzias dos cargos mais cobiçados pelos partidos políticos e uma frente comprovada de corrupção, como mostram as investigações envolvendo o ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima.
Para o mercado, seria uma fonte de distorção a menos. Hoje, a Caixa baliza os juros do financiamento habitacional e canaliza subsídios que são bastante discutíveis. A política habitacional, do jeito que é conduzida pelo banco, é uma mistura de populismo e política, com agrados a prefeitos que podem inaugurar conjuntos habitacionais e a criação da sensação de que o governo ajuda na construção da casa própria. Certamente há saídas mais baratas, inteligentes e menos suscetíveis a desvios.
E haveria interessados. A Caixa tem capilaridade e é líder em algumas áreas, com uma marca forte. Ao mesmo tempo, é menos eficiente do que a média do setor – seu índice de eficiência operacional,que computa custos administrativos e de pessoal em relação ao resultado bruto, é de pouco mais de 50%, enquanto em bancos privados o índice oscila entre 40% e 45%. Quem comprasse o banco teria uma grande carteira que poderia levar a um resultado melhor do que com a gestão pública.
A Caixa passou por um momento de estresse em 2016, quando muita gente do mercado avaliava que ela precisaria de uma injeção de capital para dar conta do crescente comprometimento de caixa com as provisões para arcar com a inadimplência. O cenário da economia melhorou e o banco se tornou mais seletivo na concessão de crédito, com melhora operacional neste ano. Sem uma urgência para salvar o banco, haveria duas possibilidades de privatização: uma para capitalizar a Caixa e outra para levantar dinheiro para o governo.
A venda total do banco, que levantaria dinheiro de verdade para o governo e viraria do avesso a gestão da Caixa, tiraria completamente do ar uma das peças preferidas do jogo político em Brasília. Por isso, não andaria em um momento em que o governo já encontra dificuldade para convencer algumas bancadas de que vale a pena vender uma fatia da Eletrobras.
Capitalizar a Caixa por meio da abertura de capital seria uma possibilidade para tornar o banco mais saudável no longo prazo, com dinheiro novo para ele voltar a crescer. Antes disso, ele teria de passar por uma faxina profunda, com reconhecimento de todos os problemas ainda em investigação. É algo menos impossível. Já aconteceu com o Banco do Brasil, que não deixou de ser cobiçado pelos políticos.
Mas o governo compraria mais um processo complexo de venda de participação quando tem outros mais simples para fazer? Pouco provável, ainda mais quando a própria Caixa tem um ativo pronto para ir a mercado, seu braço de seguros. O balão de ensaio da privatização serve apenas para lembrar que há dois lados opostos dentro do governo, com desejos muito diferentes sobre o que o Brasil deve se tornar.
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