A privatização da Eletrobras não deve mais acontecer este ano, e essa percepção já está consolidada até dentro do governo federal. Mas isso não é motivo de comemoração nem mesmo para quem é contra a privatização. Sem a venda da estatal, o governo e o Congresso negociam uma solução para os problemas financeiros da Eletrobras que pode custar R$ 16 bilhões aos consumidores de energia elétrica de imediato e ainda deixar uma conta bilionária para as próximas décadas.
Parlamentares e integrantes do governo federal articulam para que a tramitação da Medida Provisória (MP) 814, de relatoria do deputado Julio Lopes (PP-RJ), equacione alguns dos problemas da Eletrobras e das distribuidoras de energia da empresa. Essas medidas ajudariam a manter a sobrevida das estatais por mais algum tempo, mas sem conter as causas dos prejuízos.
Deputados não querem assumir ônus de projeto impopular
Defensores da privatização ligados à Eletrobras afirmam que a estratégia do governo é empurrar a tramitação até as vésperas da eleição, para então tentar votá-la. Esse discurso se assemelha ao adotado pelo governo sobre a Reforma da Previdência. Sem fazer esforços para cobrar a aprovação do Congresso, a reforma foi sendo empurrada. Mas, no fim, acabou enterrada.
“Estamos trabalhando pela privatização”, afirmou um deputado da base do presidente Michel Temer, sem muita convicção e sem dar mais detalhes da estratégia.
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Uma das explicações para a lentidão e falta de empenho na aprovação da privatização é o desinteresse do Congresso em dar aval a uma proposta impopular em um ano eleitoral. “O governo quer jogar para os deputados o ônus de decidir sobre um tema tão antieleitoral como a privatização”, afirmou outro deputado.
O mercado financeiro já teria inclusive incorporado a baixíssima expectativa de privatização na cotação das ações da Eletrobras e outros papéis e negociações. Segundo pesquisa feita pela XP Investimentos, 85% dos entrevistados do mercado financeiro veem probabilidade inferior a 50% para a aprovação da privatização no Congresso antes das eleições, sendo que 16% entendem que essa probabilidade é nula; 41% creem em chance nula para privatização da empresa em 2018.
Relator da MP na Câmara confirma que vai incluir repasses bilionários para a Eletrobras
É aguardada para semana que vem a apresentação do relatório do deputado Julio Lopes para a MP 814. Na quarta-feira (18), ele esteve no Ministério de Minas e Energia em reunião com as autoridades da pasta, acompanhado pelos senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Eduardo Braga (PMDB-AM), que é do estado de uma das distribuidoras da Eletrobras com maiores problemas, o Amazonas.
A MP 814 tratava inicialmente de resolver pontos necessários para a privatização das distribuidoras do Acre e de Rondônia, mas foi sendo esticada e outros assuntos foram incluídos. Um deles é a criação de um fundo com recursos públicos para compensar os funcionários da Amazonas Distribuidora caso a empresa seja privatizada, a pedido do senador Eduardo Braga.
A solução para a retomada da usina nuclear de Angra 3 é outro tema estranho ao texto original que foi incorporado. O relator já confirmou que sua proposta para a MP inclui uma solução importante para livrar a Eletrobras e seus acionistas de pagarem a conta para a retomada da construção da usina, interrompida pela Operação Lava Jato.
A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) calcula que isso vai custar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões para os consumidores de energia. Porém, a despesa vai se repetir anualmente enquanto durar o contrato de concessão da usina, ao custo de R$ 2 bilhões ao ano, conforme estimativa de técnicos do governo.
Para evitar prejuízo à Petrobras, preço do gás para termelétricas será aumentado
Outra conta que será repassada ao consumidor e que Lopes já informou que incluirá em seu relatório é o aumento do preço do gás vendido pela Petrobras para quatro usinas termelétricas. A medida, que beneficia a Petrobras (ao evitar que o prejuízo por uma negociação mal feita no passado fique com a empresa e com seus acionistas), custará R$ 2,1 bilhões no bolso dos consumidores de energia do Brasil. Lopes afirma que o impacto é menor, de R$ 800 milhões ao ano.
“Os contratos de fornecimento de gás ao PPT são atos jurídicos perfeitos. Não faz sentido onerar o consumidor com reajuste de preços não previstos contratualmente, com aumento de subsídios e encargos setoriais com repercussão nas tarifas de todo o segmento de consumo”, informa a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em parecer sobre as emendas da MP 814.
Outras contas que o consumidor var pagar: furto de combustível e ineficiência de distribuidoras do Norte e Nordeste
O deputado Julio Lopes não adiantou quais serão os outros pontos que seu relatório vai abarcar. Foram apresentadas 158 emendas e entre os temas propostos estão ao menos dois outros problemas que podem ser repassado ao consumidor de energia e que também ajudariam a equacionar pendências que, sem a MP, ficariam para a Eletrobras e seus acionistas.
Um desses repasses pode custar R$ 6 bilhões, para compensar o furto de combustível e a ineficiência na gestão das distribuidoras no Norte do país dentro da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e que serão pagos por todos os brasileiros, com maior peso para os consumidores das regiões Sul e Sudeste, que recolhem uma fatia maior do que as outras regiões na hora do rateio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Apenas esse repasse pode aumentar a tarifa conta de luz em 4%, estima a Abrace.
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Outro repasse para a conta de luz que pode vir com a MP 814 é de R$ 3,75 bilhões de uma dívida contraída pela Eletrobras por meio da Reserva Global de Reversão (RGR) para manter funcionando as distribuidoras de eletricidade do Norte e Nordeste que estão na fila da privatização desde 2016.
Mas essa conta pode ser muito maior: se o total de dívida já acumulada por esses seis empresas distribuidoras for repassado ao consumidor, a conta pode chegar a R$ 25 bilhões. Segundo a Aneel, somente esse repasse aumentaria as tarifas de eletricidade em média em 30%.
A MP também pode trazer um dispositivo para tentar prorrogar esse empréstimo via RGR e que mantém as seis distribuidoras operando ainda como estatais, evitando que sejam liquidadas. Essa seria uma “pedalada” para evitar a privatização das empresas, nas palavras de um técnico a par das discussões.
Além dos altos custos que podem ter de ser repassados ao consumidor para que não se venda a Eletrobras, as alterações feitas pelo Congresso teriam ao menos um efeito nocivo para o futuro, na visão da Aneel. Com suas ineficiências sendo pagas pelos consumidores de eletricidade, nem a Eletrobras nem as seis distribuidoras teriam incentivos para melhorarem seus gastos, reduzirem perdas e combaterem o furto de combustível.
“A conclusão do processo de licitação traz perspectiva de redução de perdas, custos operacionais, melhora do serviço prestado, adimplência setorial, retomada dos investimentos e sustentabilidade da concessão que, no médio e longo prazo, são benefícios para o consumidor local e nacional”, aponta a Aneel.
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