Depois de um polêmico indulto assinado por Michel Temer (MDB) no fim do ano passado parar no Supremo Tribunal Federal (STF), a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba ainda teme que o presidente conceda um novo perdão judicial em 2018 a condenados por corrupção.
Ao contrário do esperado pelo Ministério Público Federal (MPF) em anos anteriores, o procurador Roberson Pozzobon destaca que a preocupação neste ano não é que o Congresso aprove medidas que dificultem o combate à corrupção. Para ele, o perigo mora do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Palácio do Planalto.
“Eu acredito que algo mais dramático não encontraria maioria no Congresso nesse fim de ano. Eu não acredito em uma mudança drástica, mas existe o poder de uma canetada”, diz Pozzobon, que é membro da força-tarefa em Curitiba. O procurador classifica como “um banho de água fria” a edição, pelo presidente, de um indulto para perdoar condenados por corrupção.
“Se antes se perdoava as penas de réus não reincidentes e em um terço, depois passou para um quarto e depois para um quinto da pena cumprida. Isso inclusive em relação a réus que praticaram crimes de corrupção. Isso em um país que está se dedicando de corpo e alma, a cada dia com suor e lágrimas de pessoas que estão desenvolvendo atividades para reprimir esse tipo de delito”, critica.
O indulto é um perdão de pena concedido todos os anos pelo presidente, que estabelece quem terá o direito ao benefício. Em 2017, Temer causou polêmica ao alterar as regras e permitir o indulto a quem cometeu crimes como peculato, corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e os praticados contra o sistema financeiro nacional.
O STF suspendeu alguns pontos do indulto ainda em dezembro de 2017, no plantão judiciário. Em março, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, confirmou a suspensão e suspendeu a aplicação do indulto para crimes do colarinho branco. O Supremo julgou o caso em plenário no final de novembro, mas o julgamento foi suspenso. A maioria dos ministros, porém, havia votado para que o indulto de Temer valesse integralmente. Como o julgamento não terminou, a suspensão do STF continua em vigor.
“No mínimo, em um país que leva a corrupção a sério, a gente deveria retirar dos decretos de indulto anuais o delito de corrupção, o delito de lavagem de dinheiro, esses delitos que estão a duras penas sendo perseguidos, investigados e punidos”, diz Pozzobon.
Edição do indulto de 2018 ainda é dúvida
Temer cogita não editar um indulto em 2018, já que o STF não encerrou o julgamento do perdão de 2017. A última sessão do Supremo no ano ocorreu na quarta-feira (19). O presidente havia manifestado anteriormente a intenção de aguardar o término do julgamento para tomar uma decisão.
A minuta apresentada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) para o indulto de 2018 endurece as regras para um condenado obter o perdão da pena e incorpora restrições impostas em decisão liminar do ministro do STF Luís Roberto Barroso, como o veto do indulto a condenados por corrupção. Temer, porém, não precisa seguir a orientação do órgão.
Nomeação de Moro
No tocante ao combate à corrupção, o procurador do MPF comemorou a indicação do ex-juiz federal Sergio Moro para o Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).
“Isso não passava nem na mente mais visionária de quaisquer dos integrantes da operação. Sergio Moro sempre foi um juiz muito reservado, com uma atuação técnica, mas nos pareceu após esse convite e após a aceitação dele uma excelente oportunidade para o aprimoramento do sistema judiciário como um todo, das lacunas, das falhas do nosso sistema”, disse.
“Sergio Moro já mostrou que está aberto ao diálogo com as instituições, que fará proposições muito importantes para que se promova o debate. O próprio presidente eleito tem se dedicado a esse diálogo junto ao Congresso e hoje um Congresso renovado nos traz um cenário bastante positivo”, comemora o procurador.
Após aceitar o convite de Bolsonaro, Moro afirmou que pretende apresentar já no início do ano ao Congresso um novo pacote de medidas contra a corrupção para discussão. O futuro ministro, porém, admitiu que vai ter cautela em um primeiro momento e que não vai enviar sugestões polêmicas ou que envolvam grandes debates.
A estratégia de Moro busca evitar que o novo pacote termine como as 10 Medidas Contra a Corrupção, que foram desfiguradas no Congresso em 2016. Para Pozzobon, o que aconteceu com as 10 Medidas em 2016 é um “capítulo que a gente deixa no nosso passado”. O procurador aposta na renovação do Congresso para a aprovação de um novo conjunto de projetos de lei para aprimorar o combate aos crimes de colarinho branco.
“A corrupção não é algo compatível com o exercício de um mandato político. Essa foi a mensagem que a população brasileira passou em larga medida [nas eleições]”, acredita Pozzobon. “Uma conjunção de fatores se alinha hoje para que essa pauta seja priorizada e valorizada. Ao contrário do que acontecia em legislaturas anteriores”, completa.
Logo após ser anunciado por Bolsonaro para o cargo, Moro foi questionado sobre denúncias envolvendo o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que admitiu ter feito caixa dois em campanhas. O ex-juiz defendeu o futuro colega duas vezes. Ele também evitou comentar o escândalo envolvendo o ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), revelado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
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Pozzobon evitou comentar o assunto diretamente. “A expectativa de todos nós, brasileiros, e da força-tarefa como um todo, é que havendo ilícitos eles sejam investigados, havendo a comprovação de crimes eles sejam processados, julgados, condenados e que a Justiça seja republicana e democrática para todos. Essa é nossa posição, uma Justiça em que não haja privilégios, ou uma Justiça em que não haja castas, as castas dos que respondem por seus crimes e os que não respondem”, disse.
Mordaças ao MPF
Pozzobon também comentou o processo administrativo disciplinar aberto no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra o colega, o coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol. Ele é acusado de manifestação pública indevida ao comentar em suas redes sociais a conduta de ministros em um julgamento no STF.
“É muito perigoso movimentos que visam a colocar mordaças nos membros do Ministério Público, ou a membros do Judiciário, ou a imprensa, ou a qualquer cidadão que seja”, classificou Pozzobon. Para o procurador, “isentar o Supremo de críticas é isentá-lo de prestar contas das decisões que toma”.
“Nós, no Ministério Público, fazemos um papel na acusação e esse papel é antagônico muitas vezes ao papel que é feito pelos advogados. E esse contrabalanceamento do papel do Ministério Público, membros da polícia e membros dos advogados, é um debate muito construtivo, importante e essencial”, diz.
Cooperação internacional em xeque
Além das possíveis “canetadas”, a inadequação do Brasil as exigências do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF) também é vista com preocupação pelo procurador. O Gafi elabora políticas que regem mais de 180 países no combate à lavagem de dinheiro e o financiamento de organizações consideradas terroristas pela ONU.
O Brasil já foi alertado sobre o risco de sanções, entre elas uma possível expulsão do grupo e a consequente perda de acordos de cooperação, que muitas vezes ajudam a viabilizar grandes investigações. Pozzobon ressalta que a cooperação internacional é “um dos pilares da Lava Jato”. Atualmente, segundo ele, 55 nações colaboram com a operação, seja fornecendo ou solicitando provas. “A eventual expulsão do Brasil desse grupo passa uma mensagem ao mercado terrível e as instituições que cooperam hoje para prevenir e reprimir atos de lavagem [de dinheiro] e terrorismo, uma mensagem mais terrível ainda”, afirma.
O futuro ministro, Sergio Moro, chegou a recomendar que Projeto de Lei n.º 10.4361/2018, que prevê as adequações exigidas, tivesse prioridade no Câmara, mas por enquanto não foi atendido. Com a aproximação do recesso e encerramento da atual legislatura o projeto, ao que tudo indica, deve ser retomado no próximo ano. Pozzobon acredita que “certamente” o tema será uma das pautas prioritárias para os primeiros meses do próximo governo e do Congresso.
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