O governo do presidente Jair Bolsonaro foi alvo de fortes críticas nesta terça-feira (8) por estar descumprindo o que foi uma das promessas de sua campanha: o fim da influência política nas indicações para cargos públicos. O pivô das cobranças é Antônio Hamilton Rossell Mourão, filho do vice-presidente Hamilton Mourão. Funcionário de carreira do Banco do Brasil, Rossell Mourão foi promovido para o cargo de assessor especial do novo presidente do BB, Rubem Novaes. Com a ascensão no banco, o filho do vice passará a ganhar R$ 36,3 mil – o triplo de seu salário atual de R$ 12 mil mensais.
O vice-presidente e o Banco do Brasil defenderam a promoção. Disseram que Rossell Mourão é competente. Mas não contiveram o estrago. A reação popular contrária, nas redes sociais, foi intensa. Aliados do governo também reclamaram. E, segundo informações de bastidores, a decisão do BB causou mal-estar entre ministros do governo e no próprio Bolsonaro, que teria sido pego de surpresa. Segundo relatos de auxiliares da cúpula do governo, o presidente se sentiu desconfortável e irritado com a promoção.
Ministros sugeriram que Mourão pedisse ao filho para abrir mão do cargo
Entre integrantes da equipe ministerial houve inclusive a sugestão a Mourão para que pedisse ao filho para abrir mão do cargo, num gesto para “dar o exemplo”. Segundo esses aliados, o principal motivo para a insatisfação é o de que a escolha diverge da postura defendida por Bolsonaro durante a campanha presidencial, de acabar com privilégios de indicações políticas.
A moralização das instituições públicas e o combate a irregularidades foram bandeiras de campanha do presidente na eleição. Desde a vitória na campanha, ele tem destacado que não cedeu a partidos políticos na montagem do governo, prática chamada de “toma lá dá cá”. No discurso de posse, disse que “a irresponsabilidade nos conduziu à maior crise ética, moral e econômica” da história.
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“A Presidência e a Vice-Presidência exigem sacrifícios, inclusive de familiares”, diz aliado
Entre aliados do presidente no Congresso, a promoção do filho de Mourão também pegou mal. O deputado eleito Paulo Martins (PSL-PR), hoje suplente na Câmara, considerou a indicação um “erro político”. “Acredito na qualificação do profissional [o filho do vice], mas a Presidência e a Vice-Presidência exigem sacrifícios, inclusive de familiares. A mensagem transmitida é a da promoção de um filho de um poderoso, por mais que o filho tenha seu brilho”, escreveu Martins nas redes sociais.
A nomeação foi criticada pelo MBL (Movimento Brasil Livre), um dos grupos populares de direita que apoiaram a candidatura de Bolsonaro no segundo turno e que também tem entre seus quadros deputados eleitos, como Kim Kataguiri (DEM-SP). Em vídeo, um dos coordenadores do movimento, Renan Santos, disse que Rossell não deveria ser nomeado até para mostrar que o novo governo faz uma política diferente.
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Internamente, no Banco do Brasil, a nomeação também foi criticada entre os funcionários – inclusive na intranet do BB. A promoção do filho do vice-presidente foi considerada inusual por funcionários. A ascensão, segundo eles, costuma ser progressiva.
Rossel Mourão trabalha no BB há quase 20 anos
Funcionário de carreira do banco há quase duas décadas, Rossell Mourão vinha atuando havia 11 anos como assessor na área de agronegócio da instituição, ganhando cerca de R$ 12 mil mensais. A promoção ocorreu na segunda-feira (7), mesmo dia em que Novaes tomou posse do cargo em cerimônia no Palácio do Planalto na qual o pai Mourão estava presente. O vice-presidente não foi à posse do presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que assumiu o comando da instituição no mesmo dia.
No novo posto, o filho do ex-presidente continuará exercendo a mesma função, mas aconselhando Novaes diretamente. Segundo o estatuto do banco, o presidente tem direito a nomear três assessores especiais. Pela tradição, ele se cerca de especialistas na área jurídica, de comunicação e do agronegócio.
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Vice defende o filho; presidente do BB diz que ele tem sua “absoluta confiança”
Procurado pela reportagem sobre a promoção de seu filho no Banco do Brasil, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que seu filho atua há anos na instituição financeira e que tem uma trajetória sólida para a nova posição.
Segundo Mourão, por não ser filiado ao PT, Rossell foi ameaçado e perseguido em gestões passadas, perdendo inclusive vaga de garagem no banco estatal. “Quando o vento era outro, ele era prejudicado. Agora, que o vento é a favor, ele foi favorecido por suas qualidades”, disse.
O vice-presidente também defendeu o filho falou nas redes sociais. “Meu filho, Antônio, ingressou por concurso no BB há 19 anos. Com excelentes serviços, conduta irrepreensível e por absoluta confiança pessoal do Presidente do Banco foi escolhido por ele para sua assessoria. Em governos anteriores, honestidade e competência não eram valorizados”, escreveu.
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Já o presidente do BB, Rubem Novaes, afirmou que o funcionário possui excelente formação e capacidade técnica. “É de minha absoluta confiança e foi escolhido para minha assessoria, e nela continuará, em função de sua competência. O que é de se estranhar é que não tenha, no passado, alcançado postos mais destacados no banco.”
Apesar de polêmica, promoção não caracteriza nepotismo
Segundo o professor Carlos Ary Sundfeld, que dá aulas de Direito Público na Fundação Getúlio Vargas (FGV), a indicação não se enquadra nos casos em que a Justiça considera nepotismo. Para isso, seria necessário que o funcionário tivesse sido nomeado pelo próprio parente para exercer cargo na mesma instituição pública. O critério é uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2008, sobre o assunto.
“O Banco do Brasil e a União federal não são a mesma pessoa jurídica, então, rigorosamente, pela súmula do Supremo, não há uma proibição”, explica Sundfeld. Ele diz que seria necessário acompanhar o trabalho do filho do vice-presidente para saber se a nomeação foi injustificada. “No caso concreto, o vice-presidente não tem poder formal nenhum, não é ele que nomeia. Seria uma coisa muito indireta. De qualquer modo, não dá para ficar especulando sobre as razões que fazem o presidente do Banco do Brasil escolher um dos funcionários de carreira do banco para ser assessor.”
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