Em meio à intenção do governo eleito de mudar as regras de aposentadoria, ressurgem propostas de elevar a contribuição à Previdência dos servidores públicos. Um dos projetos entregues à equipe de Jair Bolsonaro (PSL) prevê que as alíquotas atuais, de 11% na maioria dos casos, subam para até 22% para equilibrar as contas dos chamados regimes próprios de estados, municípios e da União.
Caso seja aceita pelo futuro presidente, a ideia provavelmente enfrentará dificuldades no Congresso, onde a pressão de categorias organizadas costuma impedir o avanço de pautas que prejudiquem o funcionalismo. Se for aprovada pelos parlamentares, pode ainda vir a ser barrada pela Justiça.
Na União, a alíquota é de 11%. No fim de 2017, o presidente Michel Temer editou uma medida provisória que elevava o desconto – no caso de valores que superassem o teto do INSS – para 14%. A medida logo foi suspensa por liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), e meses depois perdeu validade porque não chegou a ser votada pelo Congresso.
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Se tivesse entrado em vigor, a lei federal poderia afetar também os funcionários estaduais e municipais, porque o artigo 149 da Constituição estabelece que a alíquota da União serve de piso para os demais entes.
Dezesseis estados e o Distrito Federal descontam 11% de seus funcionários. Os outros cobram mais, com alíquotas que em geral variam de 12% a 14%. Em Goiás, maior alíquota do país, a contribuição é de 14,25% desde o início do ano passado.
O aumento da contribuição foi a forma encontrada por diferentes governos para dar conta das despesas com aposentadorias e pensões, que consomem fatia crescente dos orçamentos. Mas, acionada por associações de servidores, que alegam a prática de “confisco”, a Justiça muitas vezes impede o reajuste da alíquota.
“Quando a gente olha os dados dos fundos de previdência do setor público, uma alíquota de 11%, como a atual, é mesmo insuficiente para cobrir as despesas. E a sociedade precisa ser informada dessa dificuldade. Mas é possível aprovar o aumento das alíquotas? Acho muito difícil”, diz Luis Eduardo Afonso, professor da USP e especialista em Previdência. “E o que o novo governo realmente colocará sobre a mesa é, neste momento, uma grande incógnita, porque ele manda sinais contraditórios sobre o que pretende fazer com a Previdência.”
Uma tentativa de aumentar as alíquotas enfrentará a resistência do funcionalismo. “Não posso concordar com confisco. Uma alíquota de 22% significa dobrar a contribuição na maioria dos casos”, diz Antonio Tuccilio, presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP). “O Brasil inteiro precisa colaborar, os servidores também. Estamos vivendo um pouco mais, precisamos contribuir um pouco mais. Mas as propostas têm de ser discutidas profundamente.”
A proposta de Paulo Tafner e Armínio Fraga
A reforma da Previdência elaborada pelos economistas Paulo Tafner e Armínio Fraga – que foi concluída pouco antes das eleições e depois sugerida à equipe do presidente eleito – propõe que a alíquota previdenciária “básica” dos servidores públicos possa ser elevada ou mesmo reduzida “de acordo com a necessidade para garantir equilíbrio atuarial”.
O texto também autoriza a criação de uma alíquota “suplementar”. E estabelece que, na soma das duas alíquotas, a básica e a suplementar, a contribuição pode chegar a 22% dos vencimentos de servidores ativos e inativos e de pensionistas.
Além disso, os regimes próprios de Previdência – da União, de estados e municípios – ficam obrigados a definir planos de equacionamento do déficit atuarial. Se necessário, os entes podem repassar ativos para capitalizar esses regimes.
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O tal equilíbrio atuarial, mencionado na proposta, é a garantia de que o fluxo de receitas projetado para o regime previdenciário no futuro seja suficiente para pagar as despesas esperadas. É uma exigência da própria Constituição: o artigo 40 determina que os regimes próprios precisam adotar critérios que garantam o equilíbrio presente e futuro de suas contas.
É algo que, no entanto, parece impossível nas condições atuais. Os regimes próprios fecham no vermelho todo ano – em 2016, por exemplo, o rombo das previdências da União, estados e municípios foi de R$ 171 bilhões –, e as perspectivas para as próximas décadas são sombrias.
Relatório publicado no fim de 2017 pelo Tesouro Nacional estimou em R$ 1,36 trilhão o déficit atuarial do regime próprio dos servidores da União. No caso dos estados e municípios, o descompasso entre receitas e despesas futuras chega a R$ 5,4 trilhões.
Somando todos os entes, o passivo estimado para a Previdência de todo o setor público é de R$ 6,76 bilhões. É mais que toda a riqueza produzida pelo país ao longo de um ano – em 2017, o PIB brasileiro foi de R$ 6,56 trilhões. Uma vez que as contribuições não são suficientes para bancar os benefícios, quem cobre essa diferença são os cofres públicos, isto é, dinheiro do contribuinte.
A situação de estados e municípios é mais delicada porque, ao contrário da União, eles não podem emitir títulos de dívida para se financiar. Por isso, o atraso de salários e benefícios tornou-se tão comum Brasil afora. Em estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o pagamento de aposentadorias e pensões já consome mais da metade da folha de pagamento.
Nem alíquota de 22% equilibra Previdência do setor público, diz economista
Elevar a alíquota cobrada dos servidores para 22% parece um exagero, mas nem ela seria suficiente para equilibrar as finanças das previdências públicas. Segundo estimativas do economista Pedro Fernando Nery, consultor legislativo do Senado, para zerar o déficit com aumentos proporcionais das contribuições tanto do empregado (o servidor) quanto do empregador (o setor público, que hoje contribui com 22%), a alíquota cobrada do funcionalismo teria de subir para cerca de 25% nos estados e 26% na União.
“Em 2016, a contribuição do servidor bancava apenas 15% da despesa previdenciária dos estados e 17% dos gastos da União com seu regime próprio. Nos dois casos, mais de 80% das despesas são pagas pelos contribuintes”, diz Nery, que neste mês lança o livro “Reforma da Previdência: Por que o Brasil não pode esperar”, em parceria com Paulo Tafner.
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Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, uma contribuição maior tende a ser necessária para equacionar o déficit atuarial. Mas ele defende que, antes, o setor público adote outras medidas.
“Tem de esgotar tudo o que puder fazer em matéria de aporte de ativos, para capitalizar os regimes próprios. E em matéria de reformas nas regras para reduzir as despesas com benefícios. E depois, quando não houver mais nenhuma outra possibilidade, elevar a alíquota”, diz Velloso. “Não adianta aumentar de imediato a contribuição para 22% e depois ver o que mais se deve fazer para fechar as contas.”
Idade mínima, transição, regra de cálculo: outras mudanças propostas para servidores
Além de propor o aumento da contribuição para equilibrar os regimes próprios de previdência, o projeto de Tafner e Fraga propõe que a idade mínima de aposentadoria dos funcionários públicos, hoje de 55 anos para mulheres e 60 para homens, chegue a 65 anos para ambos os sexos, após um período de transição de dez anos.
Sugere que a transição seja mais dura para os que desejarem garantir integralidade (benefício igual ao último salário) e paridade (reajustes iguais ao do pessoal da ativa), vantagens hoje garantidas para quem ingressou no serviço público até 2003.
Ainda de acordo com a proposta, a regra de cálculo dos benefícios dos servidores passa a ser igual à do INSS. E todos os funcionários públicos ficarão submetidos às novas normas: o texto dos economistas destaca que juízes, procuradores, promotores e diplomatas também terão de obedecê-las.
Pelo projeto, agentes públicos – prefeitos, governadores, presidente da República e parlamentares – serão vinculados ao INSS, e não a regimes próprios.
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