O termo "Operação Lava Jato" em um pedido de investigação de delações tem motivado acusações contra o PT de fraude no processo legislativo. A opinião é compartilhada por deputados contrários à instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), e pela área técnica da Casa. A liderança petista nega qualquer irregularidade e alega que houve apenas um equívoco. Parlamentares ameaçam levar o caso à Justiça.
A polêmica gira em torno do conteúdo e da interpretação da ementa (trecho que sintetiza o teor da proposição) do pedido de criação da CPI. O documento, que recebeu apoio de 190 deputados, pede "a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito, com a finalidade de investigar as denúncias de irregularidades feitas contra [o advogado] Antônio Figueiredo Basto e outros, inclusive envolvendo escritórios de advocacia, ocorridas no âmbito de alguns processos de delação".
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No site da Câmara, no qual é possível acompanhar qualquer proposta em tramitação na Casa, porém, há uma divergência nesse trecho. A página do RPC48/2018 traz outra versão da ementa, finalizada com "ocorridas no âmbito da Operação Lava Jato".
Isso significa que a CPI seria voltada para investigação de acordos de delação premiada ocorridos no âmbito da Lava Jato. Boa parte das investigações da operação são apoiadas em versões de delatores sobre os esquemas de corrupção. Figueiredo Basto, pivô do pedido da CPI, embora tenha fechado vários acordos de delação na Lava Jato, foi citado por delatores da Operação Câmbio, Desligo. Doleiros que fecharam delação nessa investigação relataram que Basto conseguiria “proteção” contra investigados no Ministério Público Federal e na Polícia Federal. O advogado nega a acusação.
PT nega intenção de investigar a Lava Jato
Procurado, o PT negou haver qualquer intenção de atingir a Lava Jato, que vem investigando e prendendo empresários e políticos. Segundo explicou a assessoria da liderança petista na Câmara, o documento que vale é aquele que recebeu assinaturas. Portanto, aquele em que não constam menções à Lava Jato.
O partido alega que a divergência na ementa deve-se a uma substituição. "Havia uma versão que mencionava a Lava Jato. Percebido o erro, o documento foi substituído", disse a comunicação do partido na Casa.
Funcionários da Câmara acreditam que houve má-fé do PT
Embora o documento acessado no site da Câmara, de fato, não faça referência à Lava Jato, a permanência da alusão à operação na página do requerimento de instituição de CPI é um fator complicador.
Funcionários da Secretaria Geral da Mesa (SGM) foram procurados pela Gazeta do Povo na terça e quarta-feira (26 e 27). Na condição de terem suas identidades preservadas, explicaram o procedimento e os motivos que fazem crer o "uso de má-fé" pelo PT ao recolher as assinaturas e registrar o requerimento de instalação de CPI no site da Câmara.
"É clara a tentativa de ludibriar, ampliando o escopo da CPI às escuras. Temos considerado um ato fraudulento. Mas, a princípio, não deve haver nenhum parecer oficial ou manifestação da Câmara nesse sentido, nem sanções aos autores do requerimento", afirmou um técnico com mais de 10 anos de atuação legislativa.
A inclusão do documento no site da Casa, conforme explicou a Mesa da Câmara, cabe ao parlamentar que liderou a coleta das assinaturas, ou ao partido dele. Nesse caso, Paulo Pimenta (PT-RS). Procurado, Pimenta se irritou com as perguntas e afirmou apenas que "houve um engano".
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Deputados que assinaram a CPI também acreditam em manobra do PT
A opinião da área técnica é compartilhada com deputados que tentaram retirar seus nomes da lista de apoiadores da criação da CPI – o que não foi possível porque o pedido já havia sido protocolado – e até paralisar sua tramitação.
Em uma questão de ordem à Mesa da Câmara, eles alegam que "a manobra demonstra claramente a intenção de confundir os parlamentares que precisaram subscrever o documento, conforme determina o Regimento Interno, e que sempre o fazem em um gesto de boa fé às propostas apresentadas".
O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) conta que, após esse requerimento, líderes petistas têm “fechado a cara” para ele e outros parlamentares que deixaram de apoiar a investigação. "Eu assinei um documento e há outro publicado, a intenção não é essa." Segundo o parlamentar, caso a CPI se torne uma realidade, "o que é improvável", ele vai reunir um grupo e acionar a Justiça para impedir o prosseguimento da comissão.
Operação abafa tenta enterrar a CPI
A situação gerou um clima de tensão na Câmara dos Deputados e motivou reuniões do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com líderes de partidos e equipes técnicas. A ordem de Maia é deixar a polêmica morrer e não falar sobre o caso. Por isso o receio e a reticência dos técnicos em se expor.
Na linha de frente da instalação da CPI, cuja responsabilidade é sua, Maia pediu ao corregedor-geral da Casa, deputado Evandro Gussi (PV-SP), um parecer sobre a viabilidade de instalação do pedido de investigação.
Gussi foi procurado, mas preferiu não falar. A Gazeta, porém, conversou com deputados que estiveram reunidos com o corregedor nos últimos dias. Segundo os parlamentares, Gussi não está disposto a fazer um parecer oficial, por escrito, mas já se reuniu com Rodrigo Maia e disse que não há objeto no requerimento de CPI apresentado pelo PT. Técnicos da assessoria jurídica da Casa acham o mesmo. Porém, receberam ordens da Presidência de não publicar nada a respeito.
Além disso, mais que avaliações políticas, nas quais cabe uma variedade de interpretações, há impedimentos regimentais para que a CPI saia do papel. O requerimento de criação do que ficou conhecido como CPI da Lava Jato é o 12.º na fila de pedidos a serem analisados pelo Rodrigo Maia. Há manobras das quais o presidente da Casa pode se valer para enterrar a CPI.
O desgaste político de apoiar uma investigação que pode colocar em xeque a principal operação do país faz crer que Maia não vai dar seguimento à polêmica. É o que dizem aliados do deputado, que deve tentar neste ano se reeleger e, no ano que vem, continuar no comando da Casa.
Maia também foi procurado e preferiu não se manifestar.
Colaborou Evandro Éboli
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