As comissões "revisoras" dos atos do regime militar – de 1964 a 1985 – que funcionam no âmbito do Executivo estão com os seus dias contados. É o que acreditam os dois lados dessa história: militares ligados ao presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e familiares de perseguidos, mortos e desaparecidos políticos.
A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia, ambas criadas nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), devem ser abandonadas na nova gestão. Bolsonaro não considera ter ocorrido ditadura – mas um movimento contra o risco comunista – e já fez discurso com o argumento que aquele regime deveria ter eliminado número maior de opositores. Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, foram 191 mortos e 210 desaparecidos. Apenas 33 corpos foram localizados.
O que fazem as duas comissões em atuação
As duas comissões atuais têm funções distintas. A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos foi criada em 1995 e trouxe uma relação de 150 pessoas que foram alvos do regime. As famílias foram indenizadas, cada uma, num valor único de R$ 100 mil. É vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos.
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Ela tem outra missão que executa até hoje, que é de tentar localizar restos mortais de militantes de esquerda cujos corpos nunca apareceram. Esses grupos de trabalho contam com a participação efetiva do Ministério da Defesa, o que pode diminuir sob o novo governo. O general Augusto Heleno, que será chefe do Gabinete de Segurança Institucional, afirmou que esse assunto não está mais na ordem do dia. "Tudo isso já está superado", disse ele à Gazeta do Povo.
A Comissão de Anistia, criada em 2001 e transformada em lei no fim de 2002, é atrelada ao Ministério da Justiça. Os conselheiros julgam o quanto a perseguição política afetou a vida do anistiando. Se ele teve a carreira profissional prejudicada por perseguição dos militares – se foi demitido do cargo ou teve que abandonar o emprego, por exemplo – ele é indenizado. É calculada uma prestação mensal a ser paga a essa pessoa e, em vários casos, se paga um retroativo pelo que ele teria deixado de receber. Até hoje foram protocolados cerca de 77 mil pedidos. Desse total, 65 mil já foram julgados.
O futuro ministro da Justiça, o juiz Sergio Moro, não comentou ainda sobre o destino das comissões, mas, em entrevista coletiva na semana passada, declarou que discussões que envolvam a ditadura militar não cabem nos dias de hoje. “Meus olhos estão voltados para 2019. Essas discussões sobre eventos que ocorreram no passado têm gerado polarização. Não vejo essa discussão como salutar nesse momento.”
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Ex-presidente da Comissão de Mortos e Desparecidos, o advogado e militante dos direitos humanos Augustino Veit diz não ter dúvida de que essas comissões serão "esquecidas" no governo de Bolsonaro. "Imagina, nada disso vai continuar. Já deram demonstrações disso. Tudo vai ser engavetado. Quem deseja alguma reparação terá que entrar na Justiça."
Para encerrar as comissões, é preciso enviar projeto para o Congresso
Como foram criadas por lei aprovadas por deputados e senadores, essas comissões não podem ser extintas numa "canetada", numa decisão e vontade do presidente. Bolsonaro, se quiser tomar essa decisão, terá que enviar projeto para o Congresso com essa intuito e seus líderes debaterem o tema nas duas casas legislativas.
Presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), o general Paulo Chagas diz que é "hora de uma revisão" nessas comissões e que o volume de casos julgados foi além do que de fato ocorreu no Brasil naquele período.
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"Essas comissões já sugaram muito dinheiro do Estado. Muita gente ali se locupletou. A quantidade de gente que foi reivindicar reparações é muito maior do que de fato aconteceu no Brasil. É tudo feito de uma forma sectária. Só contam um lado da história. Já se passaram 50 anos do evento inicial (o 31 de março de 1964) e mais de 30 anos do fim dele (a redemocratização, em 1985). Chega! Já deu!", disse Paulo Chagas.
Ex-conselheira da Comissão de Anistia entre 2003 a 2015, a advogada Sueli Bellato lembra que esse colegiado foi criado por lei, mas atendendo a uma determinação da Constituição. "Se trata do cumprimento de um artigo das disposições transitórias da Constituição, que previa a necessidade do reconhecimento dos prejuízos causados às pessoas pelo estado de exceção,de 1946 até 1985", explica Sueli, que já foi vice-presidente da comissão entre 2007 a 2015.
Bolsonaro é contra as comissões
Bolsonaro sempre se incomodou com essas comissões. No seu gabinete, um cartaz tratava com ironia o trabalho da busca de ossadas de pessoas que morreram por agentes do estado no regime militar. Na imagem, aparecia o desenho de um cachorro com um pedaço de osso na boca, com os dizeres: "quem gosta de osso é cachorro".
A instalação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) durante o governo Dilma também incomodou Bolsonaro. O relatório final apontou a responsabilização de 377 pessoas por mortes e desaparecimentos nos anos de chumbo. Entre os responsabilizados, está o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi de São Paulo e foi considerado pela Justiça como um torturador. A CNV já foi encerrada, após concluir seus trabalhos.
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