Um registro sindical junto ao Ministério do Trabalho chegava a custar até R$ 4 milhões por causa de um esquema de fraudes instalado na pasta. Foram as investigações desse esquema que levaram, nesta quinta-feira, ao afastamento do ministro do trabalho, Helton Yomura (PTB). As fraudes vêm sendo investigadas desde maio de 2018 pela Operação Registro Espúrio, da Polícia Federal (PF).
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Yomura não chegou a completar três meses no cargo antes de sair pela porta dos fundos, suspenso de suas funções pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Seu afastamento é o mais novo capítulo da novela envolvendo o Ministério que se estende desde o início do governo do presidente Michel Temer (MDB). Além da suspensão do ministro, o STF ainda autorizou a prisão do chefe de gabinete de Yomura, Júlio de Souza Bernardes e do superintendente regional do trabalho no Rio de Janeiro, Adriano José de Lima Bernardo. Vale lembrar que, até outubro de 2017, esse cargo era ocupado por Yomura, que saiu de lá para assumir o cargo de secretário-executivo do ministério.
O caminho da investigação
Em março de 2018, a revista Veja publicou uma reportagem denunciando cobrança de propina dentro do ministério. Dois meses mais tarde, no fim de maio, a primeira fase da Registro Espúrio foi deflagrada pela PF. Os nomes envolvidos no escândalo são velhos conhecidos da política nacional, como os deputados federais Roberto Jefferson e sua filha Cristiane Brasil, ambos do PTB-RJ, Jovair Arantes (PTB-GO), Wilson Filho (PTB-GO), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Paulinho da Força (Solidariedade-SP) e Ademir Camilo (MDB-MG). Jonas Antunes Lima, assessor de Marquezelli, também teve a prisão autorizada.
Até junho, os processos de pelo menos 150 sindicatos e federações apresentavam indício de fraude. De acordo com a Polícia Federal, o avanço das investigações aponta que “importantes cargos da estrutura do Ministério do Trabalho foram preenchidos com indivíduos comprometidos com os interesses do grupo criminoso, permitindo a manutenção das ações ilícitas praticadas na pasta”.
A maldição do ministério
Desde que Michel Temer (MDB) assumiu a Presidência da República de forma interina, em maio de 2016, o Ministério do Trabalho tem sido protagonista de uma série de problemas. O primeiro nomeado pelo presidente para assumir a pasta foi o deputado Ronaldo Nogueira (PTB-RS). O nome dele foi indicado pelo líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes. A prestação de contas referente à campanha de Nogueira à Câmara, em 2014, foram reprovadas. Além disso, segundo a Agência Lupa, para a mesma campanha o deputado recebeu um total de R$ 167 mil em doações de duas empresas que haviam sido multadas pelo ministério.
Ele foi um dos responsáveis pela reforma trabalhista feita por Temer. Em setembro de 2016, o então ministro precisou se retratar por uma declaração feita durante uma reunião com sindicalistas. Na ocasião ele disse que, com a reforma, a jornada de trabalho poderia chegar a até 12 horas diárias. Repreendido pelo presidente, voltou atrás e afirmou que a jornada de oito horas seria mantida.
Lista suja do trabalho escravo
No dia 19 de dezembro de 2016, a 11ª Vara do Trabalho de Brasília publicou uma liminar em que dava 30 dias para que o ministério divulgasse o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, conhecido como “lista suja do trabalho escravo”. Até a decisão, tomada por causa de uma ação do Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF), o ministério comandado por Ronaldo Nogueira passou sete meses sem divulgar a lista.
Mesmo com a determinação judicial, Nogueira não publicou o cadastro. Por isso, em janeiro de 2017, o juiz Rubens Curado Silveira, também da 11ª Vara do Trabalho de Brasília, manteve a liminar. Ainda assim, a lista não foi divulgada. No dia 7 de março, o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Filho suspendeu a liminar. A questão só se resolveu no dia 7 de março, quando outro ministro do TST derrubou a decisão de Ives Gandra e a lista foi finalmente divulgada pelo ministério.
Pagamentos superfaturados
Já era agosto de 2017 e os problemas no ministério continuavam se acumulando. Naquele mês a Controladoria-Geral da União (CGU) teve uma reunião com Nogueira para apresentar os resultados de uma auditoria que identificara irregularidades em uma licitação de R$ 76 milhões feita pelo ministério em outubro do ano anterior. Os valores firmados em contrato estavam acima dos praticados no mercado. A recomendação da CGU era de que os pagamentos fossem suspensos para que os contratos pudessem ser revisados de acordo com os valores de mercado.
Os contratos em questão eram com a Business to Technology (B2T), que deveria detectar fraudes no seguro-desemprego. O responsável por esses contratos era ninguém menos que Leonardo Arantes (PTB), sobrinho de Jovair Arantes e então chefe da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego. E-mails trocados entre Leonardo e Nogueira na época mostraram que o ministro ignorou o conselho da CGU e liberou os pagamentos para a B2T.
Novamente o trabalho escravo
Apenas dois meses depois de desobedecer a CGU, Nogueira fez uma nova investida envolvendo a lista suja do trabalho escravo. No dia 16 de outubro, o ministério publicou a portaria MTB nº1129/2017. Uma das medidas determinadas pelo documento retirava da área técnica do ministério a autonomia para incluir empresas na lista suja do trabalho escravo. Outra, dificultava a comprovação das condições análogas à escravidão.
Por causa dessa portaria, Nogueira passou a ser alvo de uma Comissão de Apuração de Condutas e Situações Contrárias aos Direitos Humanos. A comissão foi aberta pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, órgão da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal.
Jovem prodígo
Ainda em outubro, o então ministro assinou a contratação de Mikael Tavares Medeiros, de 19 anos, para o cargo de coordenador de documentação e informação. O salário era de R$ 5,1 mil. A experiência de Medeiros era como vendedor em uma loja de óculos. À época, Jovair Arantes afirmou que o nome do rapaz tinha sido indicado pelo PTB. O jovem é filho de Cristiomário Medeiros, aliado de Jovair.
Dois meses mais tarde, em dezembro, Mikael se tornou gestor financeiro do ministério. Quem o nomeou foi Helton Yomura, à época secretário executivo do ministério. O salário era de quase R$ 5,5 mil e as responsabilidades, enormes. Um dos primeiros atos do jovem foi autorizar pagamentos milionários para a B2T.
Depois que, no dia 9 de março de 2018, o jornal O Globo revelou a contratação do rapaz para o cargo, Roberto Jefferson escreveu em sua conta no Twitter que “errou quem resolveu colocar um jovem inexperiente em um cargo importante no ministério; pedi ao ministro Helton Yomura que exonere esse rapaz. Esse ministério é “uma cabeça de burro enterrada” no partido”. Mikael foi oficialmente demitido no dia 12 de março.
A quase ministra
Ronaldo Nogueira pediu demissão do cargo de ministro no dia 27 de dezembro de 2017. Para substituí-lo, o PTB indicou o nome da deputada Cristiane Brasil. Temer aceitou a indicação no dia 3 de janeiro de 2018. Menos de uma semana depois, um juíz de primeira instância atendeu a uma ação popular e suspendeu a posse de Cristiane. Condenada em primeira e segunda instância por dívida trabalhista, ela não chegou a assumir o ministério.
Tentando se defender dos fatos, a deputada gravou um vídeo em uma lancha, cercada por quatro homens sem camisa. Foi em meio a esse imbróglio, ainda em janeiro, que Yomura se tornou ministro interino. Em seguida, Temer recuou da decisão de nomeá-la ministra e Yomura passou a ser oficialmente ministro do trabalho.
Os secretários-executivos
Até setembro de 2017, o secretário executivo do ministério era Antônio Correia de Almeida. Segundo a revista Veja, ele pediu demissão por não concordar com algumas irregularidades que vinha percebendo na pasta. Meses depois, ainda de acordo com a publicação, Almeida formalizou suas denúncias junto à Polícia Federal.
Yomura, como mencionado, foi chamado para ser seu substituto. Mas, quando foi definitivamente nomeado ministro, precisou ele mesmo ser substituído. O escolhido para o cargo, então, foi Leonardo Arantes, exonerado no último dia 1º de junho pelo presidente Michel Temer depois de ter sua prisão preventiva decretada pelo ministro Edson Fachin, já no âmbito da Operação Registro Espúrio.
Agora, o próprio Yomura deixa a pasta por determinação do STF. Fachin também proibiu o já ex-ministro de frequentar o Ministério do Trabalho.
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