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 | José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas
| Foto: José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas

O que os historiadores chamam de Antigo Regime deveria ter ficado para trás depois da independência do Brasil, em 1822. Mas a prática da política moderna liberal no país nunca foi exemplar. A todo momento é possível identificar debates políticos contaminados pelo jeito de se fazer política de um tempo em que não existiam as instituições modernas – parlamento, justiça independente e igualitária, eleições, prestação de contas. Temos quatro bons exemplos neste exato momento:

Cabides de emprego

É natural que haja uma reação ideológica contra as privatizações anunciadas pelo governo Temer. Afinal, muita gente ainda acredita que o Estado precisa dominar os setores de infraestrutura, seguindo a cartilha socialista. No Brasil, a peculiaridade é que o coro socialista é reforçado pelas velhas oligarquias. As bancadas de Minas Gerais, Pernambuco e outros estados onde há subsidiárias da Eletrobras se posicionaram contra a venda da empresa porque perderiam cargos nessas companhias. Furnas e Chesf estão entre as mais cobiçadas para indicações políticas.

Se você ainda tem dúvidas sobre a existência do famigerado cabide de empregos: a atual administração da Eletrobras queria reduzir sua força de trabalho de 23 mil para 12 mil funcionários, independente de haver privatização. Outra notícia deste fim de agosto confirma que cargos são dados e tirados de acordo com a vontade dos políticos: o presidente Michel Temer está redistribuindo 140 cargos para punir deputados que votaram contra ele na denúncia feita pela PGR.

Governo = banco

A discussão sobre a taxa de longo prazo (TLP), que fará com que os juros cobrados em empréstimos do BNDES convirjam com os juros de mercado quase naufragou. A oposição feita por entidades que representam o setor empresarial, apoiada pelo próprio presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, fez com que o projeto enviado pela equipe econômica fosse ameaçado. Ele só voltou a andar depois de uma longa negociação e de dezenas de artigos escritos por economistas que apoiam a ideia. A TLP, em poucas palavras, tira um subsídio implícito em uma grande parcela dos empréstimos feitos com recursos públicos para empresas privadas.

O setor financeiro foi um dos mais controlados pelo Estado e a regulação só foi relaxada a partir dos anos 70. No Brasil, um dos episódios mais famosos da história financeira foi a tomada do Banco do Brasil, fundado pelo Barão de Mauá, pelo imperador Dom Pedro II. No fim do império, o país tinha apenas uma dúzia de instituições bancárias, contra mais de 10 mil nos Estados Unidos. Essa concentração de recursos em bancos estatais foi a tônica dos últimos dez anos no Brasil.

Direitos adquiridos

Dois debates quentes neste momento trazem de volta o argumento dos direitos adquiridos. Um deles é sobre a validade do teto do STF para os salários dos servidores públicos. O teto tem tantos furos que um juiz do Mato Grosso recebeu um salário de R$ 500 mil em julho – cifra que chamou a atenção da presidente do STF, Cármem Lúcia, que decidiu interromper esse pagamento e ordenou que os tribunais de justiça encaminhem suas folhas de pagamento do CNJ. Em outra frente, o retorno da discussão da reforma da Previdência sofre uma grande pressão do funcionalismo público, que não quer a imposição de regras mais duras, como uma idade mínima mais alta, para a aposentadoria.

Por trás dos argumentos contra o teto do STF e as mudanças nas aposentadorias está o argumento do direito adquirido. Ele acompanha o Brasil desde a época em que eram os juízes de províncias que distribuíam benefícios e garantiam seu cumprimento. Em um tempo em que não havia Constituição, o sistema podia fazer sentido, mas em uma democracia moderna os direitos precisam ser socialmente aceitos. Penduricalhos salariais e aposentadorias integrais insustentáveis são direitos enquanto a Constituição não mudar.

Impostos sem retorno

A concepção de que a sociedade precisa receber algo em troca dos impostos pagos é uma revolução moderna – até o século 18, a visão dominante era a de que os monarcas tinham um poder divino, impostos inclusos. Já no século 18 as revoltas contra os tributos se tornaram explosivas, com o caso extremo da independência dos Estados Unidos. Esse foi um dos fatores mais importantes na constituição da nova relação entre cidadãos e o Estado moderno: não haveria pagamento de impostos sem representação.

No Brasil atual, o governo não encontra legitimidade para subir impostos e reverter mais rapidamente sua trajetória de déficit fiscal. Em grande medida, há um sentimento de que os impostos pagos não estão retornando ao cidadão na forma de serviços melhores e de que há muita ineficiência com o pagamento de salários e com a corrupção.

Ironicamente, essa oposição aos impostos ocorre em um momento em que a carga tributária está em queda. Ao mesmo tempo, parte da elevação de tributos proposta pela equipe econômica não é nada mais do que a normalização da cobrança, com a reoneração da folha de pagamentos – desfazendo um benefício fiscal que ajuda alguns setores, mas deixa descoberto o rombo da Previdência. Em outra frente, o governo tentou argumentar que é possível deixar o Imposto de Renda mais justo, já que a tributação real é mais baixa sobre os mais ricos. A discussão foi enterrada em 24 horas.

O lado positivo desse debate é que o governo, e quem vier depois, está sendo lembrado de que a sociedade não aceita impostos sem a prestação de serviços públicos. Parece básico, mas é algo que no Brasil sempre foi ignorado pelos governantes de plantão. O problema é que, enquanto o governo não se ajusta, o quadro fiscal continuará problemático.

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