As estatais estrangeiras estão invadindo o Brasil, seja comprando concessões e ex-estatais brasileiras ou adquirindo empresas locais privadas. A maior parte delas vem da China e investe no setor elétrico, mas há também companhias de outros países e aquelas que atuam nos demais setores regulados, como portos. Mais tolerantes ao risco do que as empresas nacionais e capitalizadas em moeda estrangeira, essas estatais acabam suprindo, ainda que parcialmente, a necessidade de investimentos em áreas estratégicas para o país – o que levanta o debate sobre o papel do Estado e os riscos envolvidos.
Uma grande estatal estrangeira que está presente no país é a chinesa State Grid. A companhia virou uma das maiores empresas de energia do Brasil, sendo dona de 23 concessionárias de transmissão e operando 12,5 mil quilômetros de linhas de transmissão.
Sua entrada no país aconteceu em 2010, quando comprou por quase US$ 1 bilhão sete companhias nacionais de transmissão de energia que pertenciam a uma subsidiária da Cemig, estatal mineira de energia. Foi o primeiro grande investimento que a State Grid fez fora da Ásia.
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De lá para cá, a estatal chinesa aumentou ainda mais a sua presença de mercado no país. Outra grande aquisição foi a CPFL, uma das maiores distribuidoras de energia do Brasil, com cerca de 10 milhões de clientes em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná. Os chineses compraram a participação acionária que pertencia à construtora Camargo Corrêa e aos fundos de pensão Previ, Fundação Cesp, Sabesprev, Sistel e Petros. Atualmente, fez uma oferta para adquirir a participação dos minoritários e ficar com 100% da empresa.
Assim como as sete concessionárias da Cemig, a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) também já foi uma empresa estatal brasileira. Apesar de ter origem privada, a companhia foi estatizada pelo governo de São Paulo nos anos 1970, sendo privatizada somente no fim do século XX.
Enel, controlada pelo governo italiano
Além da State Grid, outra estatal estrangeira com forte presença no Brasil e no mercado de energia elétrica é a Enel, controlada pelo governo italiano e uma das maiores empresas de energia do mundo. Seu maior acionista é o Ministério de Economia e Finança da Itália.
Sua grande aquisição no país aconteceu neste ano, quando venceu o leilão para comprar a Eletropaulo, dona de uma das áreas de concessão mais atraentes do país – 24 cidades da Grande São Paulo que concentram 1.593 unidades consumidoras por quilômetro quadrado, o que corresponde a 33,1% do total de energia elétrica consumida em todo o estado e 9,3% do total do Brasil.
A Eletroupaulo também foi uma companhia estatal de distribuição de energia elétrica. Ela foi criada no governo paulista de Paulo Maluf e, antes de cair nas mãos da estatal italiana, foi dividida em quatro empresas diferentes. Após ser dividida, cada uma das quatro empresas foi privatizada durante as décadas de 1990 e 2000.
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AES Eletropaulo, resultante da divisão pré-privatização e que continuou sendo chamada somente de Eletropaulo, já que ficou com a maior parte dos ativos e consumidores da extinta estatal, é a que foi comprada recentemente pela Enel. Antes, a AES Eletropaulo era uma corporation (nome dado às empresas sem dono, com capital pulverizado na Bolsa).
Com a aquisição, que custou R$ 5,5 bilhões, a italiana Enel se tornou a maior distribuidora de energia do Brasil, atendendo 17 milhões de unidades consumidoras. Ela atua em toda a cadeia de energia (geração, distribuição, transmissão e comercialização) e tem, atualmente, quatro distribuidoras nos estados do Rio de Janeiro, Ceará, Goias e São Paulo. Também mantém projetos de energia solar e eólica no país, além de uma usina hidrelétrica e outra termoelétrica.
Mais uma chinesa, na área de portos
Fora da área de energia, outro exemplo de estatal que desembarcou recentemente no Brasil é da China Merchants Port (CMPort), que pertence ao conglomerado estatal chinês China Merchant Group (CMG). A empresa comprou em setembro do ano passado 90% de participação no Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP) por R$ 2,9 bilhões.
Foi o primeiro negócio do grupo chinês, um dos maiores operadores de terminais portuários no mundo, no Brasil. Na ocasião da compra, a empresa afirmou que a sua entrada no país era crucial para o crescimento do fluxo de commodities e bens entre o Brasil e a China.
Os motivos da “invasão” estrangeira
A atratividade dos ativos no longo prazo, o tamanho do mercado brasileiro e a política de incentivo a desinvestimentos e concessões do governo estão entre alguns dos fatores que explicam a entrada de estatais estrangeiras no país. Mas a crise econômica e o envolvimento de empresas locais em escândalos de corrupção impulsionaram ainda mais os negócios nos últimos anos.
O professor de economia do Insper, Otto Nogami,explica que o governo e os empresários nacionais não têm uma “poupança doméstica” para fazer investimentos em setores regulados como energia e portos, que demandam muito dinheiro e o retorno só acontece em longo prazo.
Por isso, abriu-se uma janela de oportunidade para a expansão de estatais estrangeiras – mais tolerantes ao risco, capitalizadas em moeda estrangeira e com ampla experiência em setores regulados. O que acaba sendo um alento para a economia que mal saiu de uma das maiores recessões da história.
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“[A ‘invasão’ de estatais estrangeiras] está acontecendo também pela incapacidade que o país tem de se capitalizar. Se não fosse esse capital estrangeiro, investimentos em setores prioritários seriam postergados, o que atrasaria ainda mais a retomada da economia”, diz Nogami.
Por outro lado, ele aponta que “deixar setores estratégicos no domínio de capital estrangeiro deixa o país um tanto quanto vulnerável. Isso poderá ser utilizado como capital de troca no longo prazo”.
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