A Lava Jato em Curitiba está se aproximando do quarto aniversário e a força-tarefa no Paraná, que sempre destaca a importância da atuação conjunta entre Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF) para o sucesso das investigações, ainda não conseguiu chegar a um consenso sobre um ponto crucial: quem pode negociar acordos de colaboração premiada. O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a decidir o impasse e o caso deve ser pautado ainda em dezembro na Suprema Corte.
Nesta quarta-feira (29), o tema gerou uma saia justa entre o MPF e a PF durante uma reunião da Rede de Controle da Gestão Pública – Paraná. O grupo convocou uma coletiva de imprensa para divulgar um manifesto, em que pedia o apoio da população no combate à corrupção, e o assunto das delações acabou vindo à tona. De um lado, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, depois de tentar se esquivar da pergunta, defendeu a posição da Procuradoria Geral da República (PGR), que é contrária à PF negociar acordos. Do outro lado, o delegado da Polícia Federal, Felipe Hayashi, visivelmente incomodado com a visão exposta por Deltan, defendeu a prerrogativa da PF de negociar delações e disse estar confiante quanto ao julgamento no STF.
Dallagnol inicialmente tentou desviar o foco da pergunta, argumentando que é preciso haver o reconhecimento de que não é o Judiciário que negocia apenas. Mas ao ser questionado sobre a possibilidade da PF negociar os acordos de forma autônoma, o procurador preferiu ficar com a visão institucional da PGR e não entrar no debate, lembrando que a PF não está participando dos acordos feitos pela PGR. “Agora, aqueles que são feitos aqui no Paraná nós temos trabalhado de modo coordenado. A Polícia Federal tem participado, ainda que, por uma posição institucional do Ministério Público, ela não esteja assinando no momento”, disse o procurador.
Quando pressionado, Deltan lembrou que a PGR é contrária a possibilidade da PF firmar acordos sozinha. “O MPF tem uma posição institucional contrária à isso. E quando ele tem essa posição institucional ele não olha apenas para a Polícia Federal, que é uma polícia extremamente atuante e qualificada. Ele olha para um cenário geral do país em que nós temos polícias espalhadas por todo o país e olha para os possíveis riscos que existem, para possíveis prejuízos e olha para uma prerrogativa constitucional, na leitura do MPF, sobre o modo como as colaborações devem ser feitas”, completou.
Cooperação faz a diferença na Lava Jato
Para minimizar o mal estar, o procurador buscou ressaltar mais uma vez a atuação conjunta da força tarefa no Paraná. “Eu não quero deixar de ressaltar que a Polícia Federal tem um papel extremamente importante nas investigações e que essa é uma discussão que não travamos em Curitiba. Em Curitiba temos um trabalho integrado e coordenado. Essa é uma discussão que tem sido travada em nível institucional em Brasília e perante o Supremo Tribunal Federal”, disse Deltan.
O delegado da PF, por sua vez, defendeu a prerrogativa da instituição firmar os acordos. “Com relação a isso eu mantenho o entendimento de que a legislação brasileira hoje, na Lei 12.850/2013, que trata do combate às organizações criminosas, prevê expressamente essa possibilidade, assim como as próprias convenções internacionais anticorrupção também preveem isso. Então, por parte da Polícia Federal estamos bem tranquilos em relação ao entendimento a ser firmado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que a Polícia Federal, os delegados de polícia terão legitimidade para firmar os acordos”, disse Hayashi.
Não é a primeira vez que o assunto da colaboração premiada gera polêmica entre as instituições. Em outubro do ano passado o então delegado da força tarefa da Lava Jato Marcio Anselmo lançou um livro defendendo que a corporação tem a prerrogativa de negociar os acordos e acusou o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de estar “em uma cruzada contra a polícia”. Segundo Anselmo, Janot tentava neutralizar e engessar a atuação da PF.
Supremo vai definir a questão da colaboração
O STF levou quase um ano e sete meses para pôr em pauta o tema sobre a competência de fazer delações, que já divide opiniões no meio jurídico. A tendência, segundo interlocutores e assessores de ministros da Suprema Corte é que a Casa libere a Polícia Federal para firmar acordos de delação premiada.
A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, já sinalizou que vai incluir na pauta de julgamentos a ação da PGR pedindo que as delações sejam conduzidas apenas pelo Ministério Público. A ação, à época, foi proposta pelo ex-procurador Rodrigo Janot, que sinalizou como um dos argumentos o de que a PF não teria poderes para fixar penas. A expectativa, segundo informações apuradas pela Gazeta do Povo, é de que o tribunal negue o pedido. Os ministros querem, com isso, ampliar os focos de investigação – em especial, da Lava Jato.
Atualmente o ministro Edson Fachin está com duas delações prontas a serem homologadas e realizadas pela PF: depoimentos do empresário Marcos Valério e do publicitário Duda Mendonça, ambos réus no mensalão que também são suspeitos de envolvimento com o esquema desvendado pela Lava Jato. Mas policiais que atuam nas frentes de investigação relembram que o assunto teve outros momentos de tensão entre a Polícia Federal e o Ministério Público. Exemplo disso foram os avanços na operação Acrônimo, que foi instaurada em para investigar esquemas ilegais que teriam beneficiado a campanha eleitoral de Fernando Pimentel (PT) em 2014, quando ele se elegeu governador de Minas Gerais.
Jorge Pontes, delegado da Polícia Federal aposentado e ex-coordenador-geral da Interpol no Brasil, prega união entre policiais e delegados para a celebração de acordos. Segundo ele, o exemplo feito em Curitiba, em um trabalho conjunto, mostra como é eficiente quando as duas instituições atuam de forma conjunta. “A Polícia Federal tem capilaridade pra isso, tem agentes na rua, tem uma visão mais profunda e de campo dentro de uma investigação. Tirar uma oportunidade dessas da Polícia seria um desserviço à sociedade”, pontua.
“Conhecendo passo a passo, há chances melhores de combate à criminalidade quando as duas instituições atuam de forma conjunta. É um ponto de equilíbrio e procuradores e policiais precisam entender isso. Se um fizer sem o outro, algum ponto pode ficar prejudicado. São duas instituições que devem se unir em propostas de colaboração premiada”, completou.
Já para o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Carlos Fernando Lima, que atua na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, é um “risco excessivo” dar à autoridade policial o poder de negociar acordos de colaboração premiada com investigados. “É um risco excessivo de uma pressão indevida, porque ele [policial] já tem a custódia dos presos e ele é um poder armado, os poderes armados devem se submeter a regras mais rígidas de disciplina. Então é um problema muito grande na mão de uma instituição que é a polícia, que não tem uma uniformidade muito grande para isso”, avalia.
Segundo Lima, a preocupação não é com a Polícia Federal em si, mas com a possibilidade de outras instituições policiais ganharem a prerrogativa de firmar acordos. “Se fosse a PF teríamos um exemplo de atuação bem mais equilibrada. O problema é lá no rincão não sei da onde em que o delegado prende uma pessoa e você tem uma situação de que a pessoa está sob a custódia dele, ele tem poder armado e a capacidade de influenciar muito fortemente. E esses locais têm muito menos supervisão do que a PF no Brasil”, completa Lima.
O ministro Edson Fachin sinalizou que vai aguardar a discussão do assunto pelo plenário para decidir se homologa ou não o acordo de Duda Mendonça, por exemplo. A ação direta de inconstitucionalidade a ser julgada pela Corte, que então definirá a jurisprudência, tem como relator o ministro Marco Aurélio Mello, que já sinalizou ser a favor de a Polícia Federal firmar delações. Outro ministro que também já se manifestou a respeito foi o decano da Corte, o ministro Celso de Mello.
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