Um governo pode ser cobrado pela extensão da pobreza – uma fotografia que pode ser usada para avaliar o fracasso (ou sucesso) das políticas públicas e, de quebra, da sociedade. Um país constantemente em desenvolvimento, como o Brasil, tem como meta permanente erradicar a pobreza. Mas a nossa dificuldade já começa em estimar quantos pobres existem no país: não há uma linha oficial de medida da pobreza e ela pode ser mensurada ao gosto do freguês.
O fato é que pobre também vota, e os programas sociais são os mais suscetíveis a mudanças de governo ou à discussão sobre a manutenção dessas políticas. Mas a discussão sobre assistência social e transferência de renda é fundamental para o debate eleitoral.
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Ao menos um quarto dos brasileiros vive com menos de R$ 387 por mês: são pobres, de acordo com o critério adotado pelo Banco Mundial, que inclui quem ganha menos do que US$ 5,50 por dia. Essa informação faz parte da Síntese de Indicadores Sociais (SIS 2017), do IBGE, que analisa os dados da PNAD Contínua.
Mas essa não é a linha usada como referência para os principais programas de assistência social e transferência de renda, como o Bolsa Família, que atende famílias extremamente pobres (renda per capita mensal de até R$ 85) e pobres (renda per capita mensal entre R$ 85,01 e R$ 170). Atualmente, estão cadastradas no programa 13.772.904 famílias, cujo benefício mensal médio é de R$ 177,71.
Pobreza eleitoral
A ligação de pobreza com as eleições é complexa. Políticos se dividem no debate sobre ampliar ou acabar com programas sociais. Por um lado, há uma unanimidade no discurso da erradicação da pobreza, mas uma divergência em relação aos meios para se chegar a esse objetivo. Por outro, há um certo desdém em relação a temas sociais, que ficam relegados a um segundo plano enquanto outros assuntos são mais debatidos, como a segurança pública e educação. Em outra ponta, há um desconhecimento sobre o comportamento do eleitor mais pobre.
O Bolsa Família é geralmente o programa mais questionado. Mas o programa traz resultados, a um baixo custo. Quem afirma isso é o Banco Mundial. Em relatório publicado no final de 2017, a instituição considerou o sistema de proteção social brasileiro falho e mal articulado. Apenas o Bolsa Família foi considerado bem direcionado e eficaz em termos de custo.
“O Bolsa Família constitui a única rede de proteção significativa para os pobres não idosos, principalmente as famílias com crianças”, afirma o documento. Em 2017, o governo investiu R$ 29.046.112.934,00 no programa, que beneficiou 13.828.609 famílias – isso significa que cada família recebeu um benefício médio mensal de R$ 175.
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Esse gasto de R$ 29 bilhões significa 0,44% do PIB do ano passado. Para o Banco Mundial, esse custo é relativamente baixo, considerando a quantidade de pessoas atingidas – quase 40 milhões. Outra comparação do custo do programa pode ser feita com uma parcela mais rica da população: um mês de salário dos servidores da União banca um ano de Bolsa Família.
“Existe muita desinformação sobre o Bolsa Família. Ele custa pouco e acabar com ele não resolveria nada do ponto de vista fiscal”, argumenta Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social). Ele lembra que, sem o programa de transferência de renda, a pobreza subiria 36%, de acordo com estimativas. “O Bolsa Família deveria ser visto como um aliado de quem quer resolver a questão fiscal”, afirma.
Pobreza oportunista
Ano eleitoral é bom para os pobres, observa Neri. O economista, uma das maiores autoridades no assunto no Brasil, explica que os indicadores apontam que não é só a pobreza que cai em ano de eleições. “O calendário eleitoral influencia a pobreza via políticas públicas”, argumenta.
O Bolsa Família foi reajustado em 5,67% esse ano, valor acima da inflação. Não é uma coincidência: é um reflexo de uma atitude que se repete constantemente no Brasil. “Eleição gera mudança na renda dos brasileiros, principalmente da renda de políticas sociais e pessoas em idade de voto. Além disso, eleição é quando o pobre se manifesta, porque fica em pé de igualdade com pessoas de renda mais alta. Tem um lado positivo nisso e existe um oportunismo político. Mas quando o pobre ganha, muita gente fala ‘não, não pode’”, pontua.
O comportamento do eleitor pobre é pouco conhecido. Neri lembra que antes do voto eletrônico, a quantidade de votos anulados por algum tipo de rasura era muito alto. Com a urna eletrônica, o número de votos inválidos caiu, principalmente na população de baixa educação.
“Tinha época que precisava ser alfabetizado para votar. Mas a introdução de urnas eletrônicas incorporou mais o voto dos pobres. Esse ano, estamos introduzindo em vários municípios o voto biométrico. Será que isso vai afetar a participação? As pessoas têm de se cadastrar, se não, não pode votar. E isso pode impactar a participação efetiva dos pobres”, aponta.
O pesquisador do IBGE Leonardo Athias, um dos responsáveis pelo SIS 2017, aponta um outro componente para esse ano: o fato de o Brasil estar em processo de recuperação econômica. “A crise leva a que tipo de comportamento eleitoral?”, indaga.
Pobreza multidimensional
A pobreza é multidimensional, e não apenas o reflexo da falta de renda. Esse é o argumento do pesquisador do IBGE Leonardo Athias, um dos responsáveis pelo SIS 2017. “A pobreza é multidimensional e as soluções não são tão evidentes, porque há muitas questões que influenciam – mobilidade, acesso, formação, segregação espacial e o próprio preconceito”, pontua.
Nesses casos, causa e consequência da pobreza se confundem. A falta de acesso a serviços de prevenção pode ser a causa de uma situação de pobreza, assim como a consequência da pobreza porque, em alguns casos, a falta de estrutura social básica pode até mesmo impedir que a pessoa trabalhe. E é aí que sevem ser inseridos no debate outros pontos de discussão: inclusão produtiva, formação e acesso.