A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) que uma possível revogação do entendimento de que réu condenado em segunda instância deve começar a cumprir sua pena imediatamente será um “triplo retrocesso”.
A primeira manifestação de Dodge sobre o assunto surge em meio à possibilidade de os ministros do STF reverem a própria decisão proferida em outubro do ano passado, que permitiu a execução da pena após a confirmação da condenação por colegiado de segunda instância.
No documento, a procuradora critica decisões recentes que têm ignorado esse entendimento. “Tem-se observado a sua progressiva inobservância em decisões monocráticas proferidas por ministros do STF. A revogação deste importante precedente, menos de um ano após a sua formação, vai de encontro à necessidade de se garantir um sistema jurídico estável e previsível”, pontuou.
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A tendência de que o assunto volte ao STF tem ganhado fôlego. Em agosto deste ano, o ministro Gilmar Mendes decidiu conceder um habeas corpus para soltar um homem condenado em segunda instância. Para assessores mais próximos, é uma clara sinalização de que o assunto deve voltar a ser debatido e o ministro quer deixar clara qual sua posição.
Gilmar, que em outubro de 2016 votou a favor da possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância, defendeu em maio deste ano a rediscussão do tema pelo Supremo.
A defesa de Dodge em relação à decisão do STF tem um motivo especial: procuradores acreditam que rever essa decisão pode atrapalhar investigações e fazer com que delatores não se sintam mais estimulados a colaborar com a Justiça.
Outro argumento é o de que a execução da pena antes do trânsito em julgado não fere a presunção da inocência do réu, uma vez que a medida valida a “condenação pelas instâncias judiciais que analisam fatos, provas e demais aspectos legais”. Para a PGR, o entendimento atual da Corte respeita o duplo grau de jurisdição e a segurança jurídica, ainda que seja possível a apresentação de novos recursos.
“ Mesmo na pendência de tais recursos que não têm efeito suspensivo, dificilmente se estará levando à prisão alguém que será absolvido pelos tribunais superiores “, afirmou, completando que eventuais prisões indevidas poderão ser revistas por meio de instrumentos como habeas corpus.
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“Revogá-lo, mesmo diante de todos os argumentos jurídicos e pragmáticos que o sustentam, representaria triplo retrocesso: para o sistema de precedentes incorporado ao direito brasileiro que, ao se ver diante de julgado vinculante revogado menos de um ano após a sua edição, perderia estabilidade e teria sua seriedade posta a descrédito; para a persecução penal no país, que voltaria ao cenário do passado e teria sua efetividade ameaçada por processos penais infindáveis, recursos protelatórios e penas prescritas; e para a própria credibilidade da sociedade na Justiça, com restauração da percepção de impunidade que vigorava em momento anterior ao julgamento do ARE n. 964246/SP”, afirmou.
Nos bastidores, além de Gilmar Mendes, aprovam a possibilidade de se rediscutir o assunto os ministros Marco Aurélio Melo, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. No julgamento de outubro de 2016, o placar favorável à prisão imediata foi de 6 votos a 5.
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