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Gestão de Raquel Dodge na PGR termina em setembro: ela ainda não decidiu se tentará um novo mandato.  | José Cruz/Agência Brasil
Gestão de Raquel Dodge na PGR termina em setembro: ela ainda não decidiu se tentará um novo mandato. | Foto: José Cruz/Agência Brasil

O mandato de Raquel Dodge no comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) termina só em setembro próximo, mas a corrida eleitoral já começou nos bastidores do Ministério Público Federal (MPF). A atual titular ainda não declarou se tentará a recondução, mas é grande o descontentamentos de alguns procuradores em relação à gestão dela. Ao mesmo tempo, um sentimento de mudança anima muitos a buscar nomes novos, fora da cúpula do MPF, para substituir Dodge. 

No dia 1º de março, véspera de carnaval, uma decisão do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) em reunião extraordinária causou polêmica. O colegiado decidiu que não lhe cabia regulamentar o procedimento de elaboração da lista tríplice para escolha do novo titular da PGR, mas o relator da matéria, o conselheiro Luciano Mariz Maia, que é vice-procurador-geral da República, defendeu a tese de que apenas subprocuradores podem ocupar o cargo. O parecer foi entendido por alguns como uma maneira de abafar candidaturas de procuradores em início de carreira.

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A lista tríplice é um procedimento informal que a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) mantém desde 2001, mas que argumenta ter se tornado um “costume constitucional” – vinculante, portanto. Trata-se de uma consulta a todos os procuradores da ativa, que votam em três nomes que comporão uma lista tríplice entregue ao presidente da República, a quem cabe nomear o procurador-geral. A competência presidencial consta no parágrafo 1º do artigo 128 da Constituição Federal.

“O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”, diz o texto constitucional.

A proposta, de autoria do procurador Bruno Calabrich, foi distribuída, em 2016, para relatoria da cadeira de vice-procurador-geral da República, que à época era ocupada pela subprocuradora Ela Wiecko. A então relatora apresentou uma proposta de regulamentação da lista tríplice, mas em agosto de 2016 foi exonerada a pedido pelo então procurador-geral Rodrigo Janot, quando veio à tona que a número 2 da PGR participara de um ato “Fora Temer” na Europa dois meses antes. 

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A relatoria passou para seu substituto, José Bonifácio Borges de Andrada, não foi votada, e caiu no colo de Luciano Mariz Maia, atual vice-procurador-geral. Maia apresentou seu voto naquele dia 1º e foi seguido pela maioria do Conselho, que rejeitou regulamentar a lista tríplice, entendendo que, como a Constituição não previu a lista tríplice para outras escolhas de chefes do Ministério Público, a intenção da lei é garantir a liberdade do presidente da escolha do PGR. 

“Vê-se, pois, não haver na espécie lacuna constitucional a ser colmatada quanto ao processo de escolha do Procurador-Geral da República, tampouco mora do Conselho Superior do Ministério Público Federal, mas apenas escolha eloquente do constituinte, que houve por bem garantir ao Presidente da República liberdade no processo de escolha”, escreveu o vice-procurador-geral. 

A proposta do procurador Bruno Calabrich e da ANPR, defendida durante a sessão, visava apenas institucionalizar e regularmente procedimentalmente a lista tríplice, sem acrescentar requisitos além dos que já existem na Constituição e são repetidos na Lei Complementar 76/1993, que organiza o Ministério Público – a saber, que o PGR a ser escolhido pelo presidente entre procuradores da carreira maiores de 35 anos e referendado pelo Senado. O relator da proposta, no entanto, citando a Lei Complementar 76/1993, resolveu inovar, afirmando que apenas os subprocuradores-gerais poderiam ser PGR.

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“Estando claro ser o Procurador-Geral da República órgão do Ministério Público Federal, a escolha do Procurador-Geral da República deve recair entre os membros que integram o último nível da carreira do Ministério Público Federal, uma vez que o art. 47, §1º da Lei Complementar 75/93 estabelece que apenas os Subprocuradores-Gerais da República poderão exercer funções juntos aos diferentes órgãos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal”, argumentou Maia.

Para procuradores, parte da cúpula quis mandar “recado político”

Presidente da ANPR, o subprocurador José Robalinho Cavalcanti acredita que houve, nas suas palavras, “um indevido recado político por parte de alguns conselheiros”. 

“O Conselho decidiu que ele não teria competência para regular essa consulta, como nós [ANPR] pedimos que ele fizesse. Se o Conselho decidiu que não tem competência para regular, então ele não tem opinião para dar sobre as regras”, explica, contestando a posição de Maia. 

Procurada, a Procuradoria-Geral da República confirmou que esse apenas “foi um entendimento expresso no voto do relator”, sem efeito regulamentar, porque o CSMPF “considerou ser juridicamente impossível o Conselho Superior editar resolução para regulamentar o processo”.

A opinião de Robalinho é compartilhada por outros procuradores do MPF, de diferentes grupos da instituição, ouvidos reservadamente pela reportagem. Todos concordaram que parte da cúpula quis dar um recado político à carreira, já que nomes de procuradores “de primeira instância” têm surgido como opções na próxima lista tríplice, que deve ser votada em junho, depois que a nova diretoria da ANPR tomar posse em maio.

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Os nomes de Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato no Paraná; de Ailton Benedito, procurador em Goiás que ganhou fama por sua defesa de pautas conservadores; e de Guilherme Schelb, nome próximo da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), têm aparecido em conversas. Interlocutores próximos dos três nomes, no entanto, têm dúvidas se eles disputarão a eleição. Todos esses, se resolvessem disputar, poderiam se beneficiar do espírito de renovação que marcou o país nas eleições em 2018 e que muitos procuradores gostariam de ver refletido na escolha do PGR.

Por outro lado, entre aqueles com mais trânsito político na carreira, têm surgido os nomes do subprocurador Mário Bonsaglia, que figurou na lista tríplice de 2017; o subprocurador Nicolau Dino, primeiro colocado na lista de 2017 e irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB); o procurador-regional Vladimir Aras, que foi chefe da cooperação internacional da gestão de Rodrigo Janot; e o próprio subprocurador José Robalinho, que preside a ANPR desde 2015. 

De fato, desde 2003, todos os nomes que constaram das listas tríplices foram de subprocuradores, mas integrantes da carreira relatam “cansaço” com os mesmos nomes que dominam a cúpula do MPF há anos, muitos deles ligados ao PT ou a pautas progressistas. Os procuradores também relatam atritos com a gestão de Raquel Dodge. 

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São questões apontadas pelos procuradores a falta de transparência na condução dos assuntos do MPF; a falta de diálogo com os procuradores sobre questões importantes, como o auxílio-moradia, a regulamentação do teletrabalho, a dificuldade em marcar sessões extraordinárias do CSMPF quando há assuntos que demandam atenção e os choques com a classe.

Nesta terça-feira (12), muitos procuradores viram com preocupação a petição que Dodge enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação da decisão que criou o fundo bilionário da Petrobras a pedido da força-tarefa da Lava Jato. Apesar de a medida proposta pelos procuradores de Curitiba ter dividido opiniões, os procuradores ficaram desconfortáveis com o timing de Dodge. 

“A proposta da Lava Jato teve críticas e elogios, mas a ação da PGR, somente críticas. É uma ação sem pé nem cabeça, sobretudo porque os colegas da Lava Jato já tinham solicitado a suspensão do acordo para criação da fundação. A ação da PGR era desnecessária, ainda que fosse cabível – só vai servir para fortalecer a alegação de ministros do STF contra a Lava Jato”, disse um procurador à reportagem. Outro procurador disse que a recepção da ação de Doge entre os colegas foi “profundamente negativa”.

Dodge já enfrentou rebelião há um mês

Dodge manifestou apoio à posição de Maia sobre a exclusividade das candidaturas de subprocuradores-gerais. O fato de a proposta ter sido mal recebida pela carreira é mais um capítulo do desgaste da atual PGR em menos de um mês. 

No dia 8 de fevereiro, durante uma reunião do CSMPF, Dodge tentou aprovar uma proposta que criaria “procuradores biônicos” ou “procuradores de aluguel”, como foram apelidados pelos críticos. Mais de 600 procuradores assinaram uma petição contra a proposta. A carreira tem 1.141 na ativa e Dodge obteve 587 votos na última lista tríplice.

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Procuradores se dividiram, à época, entre os que se diziam “perplexos” com a proposta e os que viam uma tentativa de manutenção da ascendência ideológica do grupo da atual procuradora-geral em temas sensíveis à opinião pública, como as pautas de costumes e de questões ambientais. Prevendo a derrota no Conselho, Dodge retirou a proposta de pauta.

A proposta dela era criar “Ofícios Especializados de Atuação Concentrada em Polos” em razão de “matéria, função, território ou outro critério relevante”. Pelo texto, os procuradores seriam designados pela cúpula da instituição para atuação nos ofícios especiais, que tratariam de temas urgentes e complexos, como o desastre com a barragem de Brumadinho (MG), por um período de dois anos. Críticos da proposta aventaram a possibilidade de ingerência política e de perda da impessoalidade na condução das investigações.

“Eu não tenho dúvidas de que o objetivo é ter um controle maior, centralizar os casos mais emblemáticos e mais sensíveis, que sejam do interesse da cúpula da instituição no sentido que ela entenda que deve seguir” declarou um procurador ouvido pela Gazeta do Povo à ocasião.

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