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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Se a recuperação da economia já não era grande coisa, sinais que surgiram nas últimas semanas indicam que ela pode ser ainda mais morna. Crescer 3% ou mais neste ano, como imaginam o governo e parte do mercado, ficou mais difícil.

Os primeiros indicadores de atividade econômica de 2018 decepcionaram. O IBC-Br, índice do Banco Central que aglutina dados de vários setores e costuma dar pistas sobre o resultado do Produto Interno Bruto (PIB), encolheu 0,56% em janeiro, após quatro meses de expansão. Foi o recuo mais forte em pouco mais de um ano. Os resultados de indústria, comércio e serviços, divulgados pelo IBGE e outras entidades, também não animaram.

Persiste, assim, o cenário pouco inspirador dos últimos meses de 2017, conhecido em detalhes apenas no início de março, quando o IBGE divulgou o PIB. Foi então que se soube que, após crescer mais de 1% no segundo e terceiro trimestres, o consumo das famílias – motor da discreta reação da economia – ficou praticamente estável nos últimos três meses do ano passado. Sinal de que o dinheiro das contas inativas do FGTS liberado pelo governo, cerca de R$ 44 bilhões, chegou ao fim. Indício, também, de que a queda da taxa básica de juros (Selic) e a melhora do mercado de trabalho não foram suficientes para entusiasmar o consumidor.

Diante dessa leva de pequenos revezes, alguns economistas que estavam na ponta mais otimista passaram a revisar projeções. Departamentos econômicos que confiavam num avanço de 1% no PIB do primeiro trimestre agora veem como mais provável algo próximo de 0,5%, o que também afeta as previsões para o ano todo.

É um movimento ainda muito sutil, mas que já aparece nas estimativas reunidas pelo Banco Central e divulgadas no relatório Focus. A expectativa mediana de consultorias, bancos e corretoras para o crescimento econômico de 2018, que vinha subindo sem parar desde setembro do ano passado, atingiu o pico de 2,92% em fevereiro. Depois, passou a oscilar pouco abaixo disso. No último boletim, referente a 6 de abril, a projeção mediana era de 2,8%.

O avanço um pouco mais lento não chega a ser uma tragédia. Para alguns economistas, o que ocorre agora é a mera correção de um “excesso de otimismo” anterior. Ainda assim, fica mais evidente que o país vai demorar a voltar aos níveis pré-crise. O tombo, como se sabe, foi violento. Depois de encolher 6,9% no acumulado de 2015 e 2016, a economia cresceu apenas 1% em 2017. Ainda pior foi o comportamento do PIB per capita, isto é, a divisão da riqueza nacional pelo número de habitantes: o indicador mal se moveu no ano passado, com alta de 0,2%, após retroceder 8,3% nos dois anos anteriores.

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, admite que o ano começou mal, mas por enquanto mantém seu prognóstico para a alta do PIB em 3%. “Teve decepção, mas acho cedo para mudar a projeção. É a natureza desta recuperação. É lenta e vem em ondas, com uma decepção aqui e ali, porque a situação das empresas ainda é frágil e os consumidores ainda têm dívidas em atraso. E essas oscilações podem enganar”, diz. Ela observa que, em meados de 2017, o mercado esperava que o ano terminasse com alta de 0,5%, mas, no fim, o crescimento econômico foi de 1%.

Empregos precários

As explicações para o ritmo mais fraco se concentram em dois fatores fundamentais para o consumo: emprego e crédito. À primeira vista, eles parecem ir bem, e por isso podem ter alimentado sonhos de um crescimento mais forte do PIB. Mas, observados em detalhe, revelam fragilidades e ainda desencorajam grandes esperanças.

No mercado de trabalho, o que preocupa é a “qualidade” da recuperação. A pesquisa Pnad Contínua, do IBGE, revela que o número de ocupados aumentou em 1,8 milhão em 2017, revertendo parte da queda de 2,6 milhões dos dois anos anteriores. O problema é que esse movimento foi sustentado basicamente por vagas sem carteira assinada e trabalhos por conta própria.

“São empregos de certa forma precários, que não estimulam tanto o consumo, o crédito”, diz Rafael Leão, economista-chefe da consultoria Parallaxis, que desde o início do ano projeta alta de 2,5% para o PIB e não descarta rebaixar esse número, a depender dos próximos indicadores.

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Se não se sente seguro de que continuará ocupado, o trabalhador tende a segurar os gastos. Pegar empréstimo também é difícil. E a renda é muito menor. No trimestre encerrado em fevereiro, os empregados sem carteira recebiam, em média, R$ 1.207 por mês. Os trabalhadores por conta própria, R$ 1.594. Enquanto isso, no mercado formal o salário médio era de R$ 2.097, segundo o IBGE.

Pela medição da Pnad Contínua, o emprego com carteira assinada teve um 2017 ainda muito ruim, com o fechamento de 684 mil vagas no país. O retrato feito por essa pesquisa, no entanto, não é o mais preciso, porque os números refletem uma “média móvel trimestral” calculada com base em entrevistas feitas numa amostra de domicílios em 3,5 mil municípios.

Os dados do Ministério do Trabalho, elaborados a partir dos relatórios enviados pelos empregadores ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), revelam um quadro menos catastrófico, mas ainda assim ruim, com a eliminação de 21 mil postos de trabalho formais no ano passado.

Segundo a Pnad Contínua, as empresas continuam demitindo empregados formais neste ano. A comparação entre os trimestres encerrados em dezembro de 2017 e fevereiro de 2018 aponta para 195 mil dispensas. O Caged, por outro lado, informa que houve 143 mil contratações no acumulado do primeiro bimestre, já descontadas as demissões. É pouco, de todo modo.

Outro fator que inibe o consumo, principalmente dos mais pobres, é o pequeno reajuste do salário mínimo. Ele subiu 1,81% em janeiro, abaixo da inflação anual medida pelo INPC, de 1,95%. E, como os preços neste ano tendem a avançar mais que em 2017, o poder de compra do mínimo vai derreter mais rápido que o de costume.

Crédito caro

Pelo lado do crédito, a queda do juro básico para o menor patamar da história deveria ser um grande estímulo para a atividade econômica. Mas não tem sido, porque os bancos se apropriaram da maior parte do benefício.

“Há uma demora para que a redução da Selic se transforme em redução do custo final do crédito. Os bancos estão muito cautelosos e os financiamentos para empresas, muito travados. Para pessoas físicas o dinheiro flui um pouco mais, mas a um custo ainda muito alto”, diz Fernando Sampaio, diretor de macroeconomia da LCA Consultores, cuja previsão para o PIB é de alta de 2,8% no ano.

Desde que o Banco Central começou a reduzir a Selic, em outubro de 2016, a taxa caiu a menos da metade do nível original, passando de 14,25% para 6,5% ao ano. No mesmo período, o custo de captação dos bancos – o rendimento que pagam a quem lhes empresta dinheiro – encolheu 34%. Mas os juros que eles cobram de pessoas físicas e empresas recuaram apenas 21%. Segundo o dado mais recente, de fevereiro, a taxa média era de 42,2% ao ano, mais do que se cobrava antes da recessão.

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Os bancos costumam apontar a inadimplência entre os motivos para o alto custo do crédito, mas essa desculpa já não cola tão bem. O nível de calote diminuiu desde fins de 2016 e hoje está em torno de 5% da carteira de empréstimos.

“A inadimplência das empresas ainda está excepcionalmente alta, acima da média histórica. No caso das pessoas físicas, não. O fato de o custo do crédito não cair tanto para elas pode ter a ver com problemas de concorrência no setor, que é cada vez mais concentrado”, avalia Sampaio, da LCA. Uma década atrás, os quatro maiores bancos concentravam pouco mais da metade das operações de crédito, segundo o Banco Central. Hoje, detêm quase 80%.

Questão de confiança

Curioso é que, em meio a tantos fatores desfavoráveis, a confiança de empresários e consumidores continue subindo. Os índices da Fundação Getulio Vargas (FGV) que monitoram o humor dos ditos agentes econômicos ainda estão bem longe de seus melhores momentos, mas alcançaram em março os maiores níveis desde 2014.

A consultoria Tendências, que desde o início do ano passado prevê uma alta de 2,8% para o PIB de 2018, ancora parte de suas expectativas justamente no aumento da confiança. “É fator crucial para as decisões de investimentos e consumo”, diz o economista Thiago Xavier. “Os investimentos já dão sinais de melhora, principalmente na produção de bens de capital [máquinas e equipamentos] para a indústria.”

Segundo o IBGE, o investimento produtivo recuou 27% nos últimos quatro anos. Mas começou a mostrar alguma reação no fim de 2017, ao crescer 3,8% no último trimestre. Para Fernando Sampaio, da LCA, o ambiente ainda é instável. “A incerteza política pode estar pesando mais do que se imaginava. O programa de concessões e privatizações não engrena e o quadro de fim de governo, com presidente novamente às voltas com a Justiça, também atrapalha. E o investidor gosta de saber onde está pisando. Se o terreno está movediço, ele prefere esperar.”

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