| Foto: LUIS MACEDO/Câmara dos Deputados

O discurso de que a reforma da Previdência trata todos os trabalhadores de igual para igual foi colocado em xeque, segundo economistas, principalmente depois das últimas flexibilizações acordadas entre o governo e o relator, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA). Uma série de categorias continuará a ser privilegiada com regras mais brandas, como políticos e servidores públicos.

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Veja quem os privilégios que sobrevivem à reforma

Em diferentes ocasiões, o relator e representantes do governo têm destacado pontos que serão comuns à maioria dos brasileiros caso a proposta seja aprovada pelo Congresso, como a limitação do valor da aposentadoria ao teto do INSS (R$ 5.531,31). Mas outros aspectos da reforma não se aplicam de fato a todos.

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Um deles é a regra de transição. Embora a reforma preveja que os políticos seguirão as mesmas exigências de idade mínima de 65 anos e tempo mínimo de contribuição de 25 anos, isso só valerá para os novos eleitos. Para conduzir os que hoje exercem mandato ao novo modelo, o texto diz que os próprios políticos deverão propor e aprovar sua regra de transição, só que não há prazo para isso. Até lá, eles continuam com as regras atuais: 35 anos de contribuição e 60 anos de idade.

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“O governo deixou muito solto. Ficou muito no simbólico, talvez mais para discurso do que uma coisa realmente estruturada”, diz um economista na condição de anonimato. “O texto também é muito silente em relação a acúmulo de benefícios por políticos. Não vejo o texto sendo autoaplicável a eles, teria de ter alguma interpretação judicial.”

Nos últimos dias, o relator também lançou a ideia de permitir que os políticos tenham um plano de previdência complementar, assim como os servidores. A iniciativa exigiria que a União pagasse contribuição igual à do beneficiário, de até 8,5% sobre a parcela do salário que está acima do teto do INSS. Hoje, nenhum funcionário que exerça cargo de confiança ou político pode aderir a fundo de previdência complementar patrocinado pelo governo.

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Servidores

Após um lobby intenso de professores e policiais civis e federais, que hoje têm regras especiais de aposentadoria, o governo e o relator desistiram de igualá-los aos demais trabalhadores. Com isso, eles terão de cumprir idade mínima menor, de 60 anos. O argumento oficial é que outros países mantêm a diferenciação para essas profissões, mas a decisão implica retirar do texto a proibição de qualquer caracterização de exigências por categoria.

“Isso, do meu ponto de vista, não é um demérito do governo, mas sim da sociedade”, diz o economista Paulo Tafner, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). “Em todas as áreas, tudo o que se ouve é queremos reduzir desigualdade. A hora que tem uma proposta com enorme igualdade de tratamento, o que acontece? Grupos organizados dizem queremos igualdade sim, mas para os outros. Trata-se, do meu ponto de vista, de uma esquizofrenia social.”

A economista Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás e filha da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), também acredita que o regime previdenciário brasileiro precisa ser mais justo do ponto de vista social. Ela, que é contra a diferenciação de idade mínima entre homens e mulheres, defende a unificação das regras. “Há privilégios que tornam a Previdência regressiva, ou seja, ela beneficia os mais ricos em detrimento dos mais pobres. Isso tem de mudar.”

A retirada dos servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência também foi vista como manutenção de privilégios, além de privar os Estados de uma solução para suas finanças. A medida, anunciada como sinal de respeito à autonomia federativa, é considerada uma “excrescência” por técnicos estaduais e economistas. Ninguém garante que os Legislativos aprovarão as regras de aposentadoria nos Estados - a solução seria o relator fixar um prazo para isso, que certamente expiraria e resultaria na extensão das regras da União a todos.

O temor é que eles acabem cristalizando seus privilégios e desidratem ainda mais a reforma da Previdência.

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Os privilegiados

Políticos (1)

Idade mínima de 65 anos valerá apenas para novos eleitos. Os próprios políticos terão de propor e aprovar uma regra de transição para os que têm mandato, mas não há prazo definido para isso. Sem a transição, eles mantêm as regras atuais.

Políticos (2)

Relator quer permitir que os políticos façam adesão à previdência complementar, que viabiliza aposentadoria acima do teto do INSS. O acesso ao Funpresp hoje é vedado aos que exercem cargo de confiança. União paga contribuição igual à do beneficiário.

Servidores estaduais e municipais
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Foram excluídos da reforma após pressão de parlamentares, embora os Estados enfrentem situação fiscal bastante delicada.

Policiais (não militares) e professores

Terão direito à idade mínima menor, de 60 anos, embora o governo tenha enviado o texto original proibindo caracterização por categorias na hora de formular regras especiais.

Militares

Forças Armadas, policiais militares e bombeiros ficaram de fora da proposta. Governo ainda estuda as mudanças.

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Governo poderia ter adotado medidas para combater regalias

O governo poderia ter adotado outras medidas para promover uma reforma da Previdência que de fato combata privilégios, afirma o economista Pedro Nery, consultor legislativo do Senado. Ele defende, por exemplo, o fim da paridade – princípio pelo qual os servidores públicos aposentados têm direito a reajuste no benefício em grau idêntico ao concedido a funcionários da atividade, inclusive quando há ganho real.

“Temos uma série de servidores que se beneficiou e se beneficia de integralidade, de paridade. O governo tem uma interpretação jurídica mais conservadora de que a paridade é um direito adquirido. É uma discussão realmente controversa”, diz.

Para Nery, a União também deveria ter aumentado a contribuição dos servidores públicos federais que ganham acima do teto do INSS, que é hoje é de 11%. Em alguns Estados, esse porcentual já é de 14%.

O governo também excluiu da proposta os militares, tanto das Forças Armadas quanto policiais e bombeiros. As novas regras para essas categorias sequer estão fechadas e ainda estão em negociação com o Ministério da Defesa.

O governo estuda basicamente quatro mudanças nas aposentadorias e pensões dos militares das Forças Armadas. Deve instituir uma alíquota de 11% por parte das pensionistas, o que geraria caixa de R$ 1,3 bilhão por ano.

Outros R$ 300 milhões devem ser acrescentados com a introdução do desconto de igual porcentagem de 11% de cobrança de cabos, soldados e alunos de escolas de formação militar, que teriam de passar a recolher para pagamento do fundo de saúde e para a pensão.

Também estão em estudo o aumento do tempo de serviço de 30 para 35 anos e a elevação da idade de aposentadoria obrigatória do militar.

Os economistas acreditam ter sido melhor não colocar na Constituição esse tema, que hoje é tratado em lei complementar, mas destacam a importância de o governo manter o compromisso de fixar idade mínima e contribuição maiores para que os militares possam requerer o benefício. Caso contrário, isso pode fragilizar ainda mais o discurso de igualdade nas mudanças.

Votos

Além do lobby pela manutenção dos privilégios dos servidores, há a campanha dos deputados pela liberação de verbas relativas a emendas em troca do voto favorável à reforma. O governo chegou a antecipar R$ 1,8 bilhão em emendas para atender aos pedidos dos parlamentares e tentar reverter as reclamações, que têm sido constantes.

Os deputados insistem na tese de comunicação falha por parte do governo, o que os “impede” de votar a favor da reforma. Parlamentares que integram a base aliada alegam em muitos casos que algumas propostas induziram a população ao erro, como no caso da crença de que seriam necessários 49 anos para solicitar a aposentadoria.

“O governo errou na comunicação da Previdência”, reclamou o deputado Milton Monti (PR-SP) em reunião da bancada com o relator, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), à qual o jornal “O Estado de S. Paulo” teve acesso.

O temor maior dos deputados é com as urnas em 2018, por isso o discurso contrário. O deputado Remídio Monai (PR-RR) disse que a reforma tem criado grandes dificuldades na base. “Temer não é candidato em 2018”, afirmou.