Antes da crise desencadeada pelas delações da JBS, o texto da reforma da Previdência estava no ponto para ser discutido no plenário da Câmara dos Deputados. Em 15 dias, o quadro político mudou tanto que é impossível fazer qualquer afirmação sobre o andamento da proposta: voltará para a pauta do Congresso ou será “esquecida” e sobrará para o próximo governo retomar o assunto? O ponto é que quanto mais tempo demorar uma mudança no sistema previdenciário, mais radical ela será.
“Do ponto de vista mais geral, o diagnóstico é de que quanto mais se espera, pior fica a situação”, resume Luis Eduardo Afonso, professor da FEA/USP e especialista em Previdência. Na avaliação dele, mesmo que a proposta da reforma volte a tramitar, já é um outro texto acompanhado de um novo discurso do governo. “A gente saiu de uma proposta e chegou em outra – e nem essa a gente vai conseguir votar. Quanto mais tempo demorar, mais radical vai ser a reforma que precisará ser feita e mais pessoas e grupos serão afetados”, pondera.
ESPECIAL: O que muda com a reforma da Previdência
O texto da reforma da Previdência segue mudando e até se cogita fazer uma mudança ainda mais pontual, alterando “apenas” a idade mínima para aposentadoria, e reforçando a ideia de “reforma possível”. Para Afonso, o “é o que dá para fazer” tem sido a desculpa das últimas décadas para empurrar o problema da Previdência com a barriga. “A gente perdeu de fazer essa reforma há 10, 15, 20 anos, em situações políticas, econômicas e demográficas mais favoráveis”, avalia.
Sem Previdência, sem teto de gastos
A instabilidade enfrentada pelo governo Temer acaba fazendo com que o fator político se sobreponha ao econômico. Se não é possível vislumbrar uma calmaria na política nos próximos meses – enquanto ainda há a repercussão das delações da JBS e também o julgamento do processo de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE –, como supor que o governo terá a maioria necessária no Congresso para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), como a reforma em tramitação?
Fazer uma reforma da Previdência com ainda menos impacto vai influenciar diretamente no teto dos gastos públicos. A limitação das despesas depende, também, do freio dos gastos previdenciários – se eles continuarem crescendo no ritmo atual, será preciso escolher de que área cortar recursos para pagar aposentadorias e pensões: saúde, educação e infraestrutura estão entre as prováveis vítimas.
Para André Gamerman, economista da Opus Gestão, o teto dos gastos públicos é uma parte do problema que ficará sem solução, mas o Brasil ainda tem riscos fiscais relevantes. “Se não fizer a reforma da Previdência agora e outra em 2019, o país vai caminhar para um cenário de hiperinflação e caos econômico”, avalia.
Para ele, se nada for feito num horizonte de cinco anos, a tímida recuperação econômica que o país está esboçando vai morrer – e com isso, a tendência é de aumento no nível de desemprego e mais instabilidade no câmbio, com o dólar podendo ultrapassar a barreira dos R$ 4.
“Se a gente tivesse uma perspectiva de que a crise é momentânea e daqui a pouco o país voltaria a crescer, seria uma situação. Mas a gente não tem e é muito preocupante esse quadro. A gente cobrou muito o governo para enviar uma proposta, mas o Congresso tem que ter um mínimo de senso de responsabilidade e votar isso”, analisa Afonso.
Situação do Brasil pode ser comparada à da Grécia – e isso é preocupante
Altos gastos com Previdência e graves problemas sociais. A descrição, que se aplica ao Brasil, era o cenário da Grécia antes de afundar em uma grave crise econômica. Os gregos enfrentam um problema fiscal relevante há alguns anos e ainda lutam para sair do fundo do buraco. O cenário grego guarda algumas semelhanças com o brasileiro – e isso é preocupante.
O economista André Gamerman, da Opus Gestão, lembra que o Bando Mundial já apontou que o Brasil gasta 4,95% do PIB com a previdência de funcionários públicos. Antes de a Grécia ir à bancarrota, eles gastavam 3,27% do PIB com isso, mesmo tendo 2,5 vezes mais idosos e o dobro de funcionários públicos que o Brasil.
A Grécia chegou a fazer uma reforma da Previdência, mas quando a água já batia no pescoço, como lembra o professor Luis Eduardo Afonso, da FEA/USP.
“Fizemos escolhas erradas ao longo do tempo, mas é preciso corrigir. Como é que vai justificar que não serão incluídos os funcionários públicos na reforma?”, argumenta Afonso, lembrando das concessões que o governo tem feito a categorias organizadas. “Quem gritou mais alto, eventualmente vai ficar de fora da reforma”, resume.
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