Além de propor mudanças para a aposentadoria da iniciativa privada e do serviço público, a reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro traz mudanças significativas na parte de assistência social. Ela muda as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a pessoas com deficiência e idosos em situação de miserabilidade. A ideia do governo é antecipar a idade para acesso ao benefício, mas, ao mesmo tempo, reduzir o valor para menos da metade do salário mínimo atual.
O próprio presidente Jair Bolsonaro afirmou, na quinta-feira (28/2), que pode fazer concessões em relação ao BPC. “Eu acho que dá para cortar um pouco de gordura e chegar a um bom termo”, disse ele, segundo relatos de encontro que teve com jornalistas.
Antes do discurso conciliatório do presidente, a mudança no benefício assistencial já era uma das mais criticadas por parlamentares que vão avaliar a reforma da Previdência. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), já deram declarações públicas avisando que deputados e senadores não receberam bem a nova regra. Por isso, o BPC é um dos primeiros candidatos a mudança durante a tramitação da reforma no Congresso.
O governo Temer também tentou mudar as regras do benefício, mas desistiu da alteração antes mesmo de abandonar a reforma da Previdência. O objetivo era elevar de 65 para 70 anos a idade de acesso ao benefício.
Como é hoje e que muda
Pelas regras atuais, o benefício é concedido a pessoas com deficiência (de qualquer idade) e idosos com 65 anos ou mais de famílias com renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo. Cerca de 4,6 milhões de pessoas recebem o BPC hoje – 2 milhões de idosos e 2,6 milhões de pessoas com deficiência.
O valor do benefício é sempre de um salário mínimo por mês. O objetivo é dar uma assistência a essas pessoas, mesmo que elas nunca tenham contribuído para a Previdência, ou tenham contribuído menos que o necessário para se aposentar.
O que governo muda é a regra do BPC para os idosos. Ele propõe que pessoas a partir dos 60 anos de idade que provem condição de miserabilidade possam receber o benefício. O valor, porém, é desvinculado do mínimo e passa a ser fixo: R$ 400 por mês, com reajustes anuais a partir da inflação. Quando a pessoa atingir 70 anos, ela passará a receber o valor de um salário mínimo.
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Para ter direito ao benefício, o idoso terá de continuar comprovando ter renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo. A novidade é que o idoso também precisará comprovar ter patrimônio inferior a R$ 98 mil.
Se aprovadas pelo Congresso, as novas regras valerão apenas para novos beneficiários. Não haverá mudanças no valor do benefício para quem já recebe. Quem ainda for dar entrada no pedido, antes da promulgação da PEC, também vai se encaixar nas regras atuais.
As regras para pessoas com deficiência também não mudam. O benefício para elas continua sendo de um salário mínimo por mês. Não há limite de idade.
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Polêmicas
A grande polêmica em torno do BPC foi o valor proposto pelo governo: R$ 400 para quem tem de 60 a 69 anos. Quem é contra a medida argumenta que o governo está reduzindo o valor de um benefício para uma classe em condição de vulnerabilidade e que não há sequer regra de transição.
“A gente considera o salário mínimo como o mínimo existencial. A ideia aqui é garantir a dignidade da pessoa humana, que é uma das previsões do artigo primeiro, inciso terceiro da Constituição. A pergunta que fica é: quanta dignidade a gente vai conseguir conferir para essa pessoa que vai sobreviver com 400 reais por mês?”, questiona Ivandick Cruzelles Rodrigues, especialista em direito previdenciário e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O governo rebate a tese de que está prejudicando os mais pobres. O secretário adjunto da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, afirmou que o objetivo é justamente “proteger os mais vulneráveis”.
Ele explicou, em coletiva de imprensa para apresentar a reforma, que a opção do governo foi antecipar a concessão do benefício dos 65 anos para a partir de 60. Ou seja, pelas regras atuais, somente quem tem a partir de 65 anos pode ter o benefício. Pelas novas, já será possível ter acesso a partir dos 60.
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Por outro lado, ao fixar o valor de R$ 400 para quem tem entre 60 e 69 anos, o governo acaba prejudicando aquelas pessoas entre 65 a 69 anos. Isso porque, se as regras atuais fossem mantidas, elas teriam direito a receber um salário mínimo. Já pela proposta do governo, se aprovada, elas vão receber somente R$ 400.
Sobre não ter regra de transição, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho explica que o BPC é um benefício assistencial e não previdenciário, por isso não foi pensada um transição.
Possível judicialização
Caso as alterações propostas pelo governo sejam aprovadas e promulgadas, há o risco de judicialização. Cruzelles Rodrigues afirma que são grandes as chances de o Ministério Público e organizações ligadas à assistência social entrarem com ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs) contra as regras.
O principal ponto que deve ser questionado é a desvinculação do benefício do salário mínimo para quem tem entre 60 a 69 anos.
Sem entrar no mérito do valor definido pelo governo, a especialista em Direito Previdenciário e Tributário Melissa Folmann diz que o mais correto é não vincular um valor específico na Constituição. O ideal seria o governo ter proposto um porcentual em cima do salário mínimo e não um valor fixo, que pode ficar defasado ao longo do tempo.
Outro ponto que pode ser questionado, segundo Rodrigues, seria incluir na Constituição as condições para acesso ao benefício (renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo e patrimônio inferior a R$ 98 mil). Rodrigues diz que o ideal é que essas condições estejam em lei, até para serem mais fáceis de serem mudadas.
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