A reforma trabalhista aprovada na última quarta-feira (26) na Câmara traz também modificações no que é considerado salário, influenciando tanto no total que o trabalhador recebe no final do mês quanto no que é arrecadado por benefícios como fundo de garantia e pela própria Previdência. Ao alterar o artigo 457 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o Congresso passa a legalizar os pagamentos “por fora”, o que pode aumentar a renda do empregado, mas com alguns prejuízos.
Segundo o texto aprovado, o salário passa a ser apenas o valor definido durante a contratação, além de comissões e gratificações legais, como adicional noturno e de insalubridade. Isso retira, portanto, valores referentes a diárias de viagem, percentagens e principalmente eventuais abonos que o trabalhador possa receber. E, como eles não fazem mais parte da remuneração fixa, deixam de ser tributados.
Leia: Número de processos pode aumentar com reforma trabalhista
Para o juiz do trabalho e membro da comissão de redação da reforma trabalhista, Marcos Melek, a nova lei vai permitir que os patrões paguem mais a seus funcionários, já que ela derruba a restrição da CLT que impedia essa bonificação. “Isso vai estimular o empregador para oferecer mais dinheiro para o empregado”, aponta. “E se ele precisar retirar [esse extra], ele pode, sem problemas”. Para o jurista, exatamente por não haver integração ao salário, o trabalhador vai acabar ganhando mais.
No entanto, essa é uma opinião que não é consenso no meio jurídico. Para a advogada Vivian Dias, assessora jurídica do escritório Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista, o que a reforma faz é legalizar o pagamento “por fora” — uma prática que era proibida pela CLT. Como ela explica, um trabalhador com remuneração de R$ 3.500 pode ter apenas R$ 2.000 classificado como salário e os outros R$ 1.500 sendo tratados como uma bonificação, ou seja, algo adicional. “O que manda na CLT é a habitualidade. Se você tem essa parcela fixa, o juiz entende como salário. Pela nova redação, isso muda e o empregado não pode mais entrar na Justiça por essa razão”, explica.
Além disso, ela questiona a lógica de que os patrões vão realmente aumentar a remuneração ao serem exonerados desses impostos salariais. “Em tempos de crise, não tem como saber se a empresa vai preferir pagar mais ao empregado ou ficar com esse lucro. É algo bem difícil de prever”, pondera Vivian. Já o advogado trabalhista e professor da PUCPR, Fabio Luiz de Queiroz Telles, é mais cético em relação a uma eventual vantagem ao trabalhador. “Pode ser que um ou outro funcionário realmente ganhe mais, mas a grande maioria vai ter perdas”.
FGTS e aposentadoria
A principal crítica de Telles à mudança no artigo 457 da CLT é que a desvinculação desses adicionais do salário afeta também o quanto é arrecadado pelo trabalhador ao fundo de garantia e à Previdência.
Utilizando o mesmo exemplo do trabalhador que recebe R$ 3.500, mas com somente R$ 2.000 como salário, seria sobre este valor apenas que o INSS e o FGTS seriam calculados. Dessa forma, embora o indivíduo realmente receba mais ao fim do mês, pode haver uma perda significativa a médio e longo prazo. “Como o salário é a base de cálculo para a contribuição previdenciária, vai haver uma redução nesse valor e no benefício. A tendência é que, no futuro, a aposentadoria seja menor”, explica o professor.
Outro ponto é o próprio fundo de garantia. Para Vivian, a parcela adicional que será incorporada ao holerite — o “por fora” — é um dinheiro que o próprio governo acaba perdendo. “Em um fundo assim, ele está sendo aplicado em coisas do próprio governo. Mas, sem ele, esse montante não está indo a lugar algum”.