Julho foi o mês em que bateu o desespero no governo federal. O Planalto percebeu que o buraco nas contas no fim do ano será ainda maior do que os R$ 139 bilhões previstos e chegar aos mesmos R$ 159,5 bilhões do ano passado. E lançou mão de dois remédios com grave efeito colateral: aumento de impostos sobre combustíveis e corte de gastos, sobretudo em investimentos em obras de infraestrutura. Essas medidas vão dificultar ainda mais a retomada do crescimento. Seria possível evitá-las. Há muita gordura em Brasília. Mas, para tirá-la, o setor público brasileiro teria de cortar junto a própria carne. E esse é o grande problema.
O aumento da tributação sobre combustíveis vai proporcionar uma arrecadação extra de R$ 10,4 bilhões até o fim de 2017. O governo ainda vai cortar R$ 5,9 bilhões do orçamento para fechar as contas: sobretudo de obras do PAC, que terão R$ 5,2 bilhões contingenciados. A Lava Jato, que já conseguiu recuperar R$ 11,5 bilhões desviados dos cofres públicos em três anos, também pode pagar o pato: a Polícia Federal (PF) vai ter R$ 230 milhões a menos até o fim do ano e isso ameaça o andamento de operações como a que investiga o petrolão.
Com o corte de gastos e aumento da receita, o Planalto terá um fôlego de R$ 16,3 bilhões. O governo espera ainda economizar R$ 1 bilhão ao ano com o Plano de Demissões Voluntárias (PDV) de servidores federais – em 2017 seria no máximo metade dessa economia, elevando o “respiro” a algo perto de R$ 17 bilhões.
O maior erro de Temer
Esses ajustes potencialmente prejudiciais ao país poderiam ter sido evitados se o governo não tivesse concedido reajustes salariais para algumas categorias de servidores que vão custar R$ 22 bilhões neste ano – incluindo funcionários de outros poderes.
“O maior erro do [presidente Michel] Temer foi, logo que assumiu a Presidência [em maio de 2016], ter feito um festival de aumentos salariais, alegando que já haviam sido negociados por Dilma”, diz o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, especializada na fiscalização do dinheiro público.
“Numa situação de crise, em que o trabalhador está desempregado ou aceitando ganhar menos para ter um salário no fim do mês, dar aumento aos servidores, que têm estabilidade, é promover uma injusta e totalmente inoportuna transferência de renda do setor privado para o público”, afirma ele. “Mas o grande problema é que ninguém no poder público quer abrir mão dos anéis.”
Onde cortar, enfim?
Gil Castello Branco diz que há muito onde cortar. O governo tem cerca de 100 mil funcionários que recebem adicionais e gratificações por ocuparem cargos e funções de confiança.
O economista da Contas Abertas afirma que os outros poderes – Legislativo e Judiciário – também poderiam dar sua contribuição. “O Congresso custa R$ 28 milhões por dia. Cada deputado [são 513 no total] pode ter até 25 assessores. Tem senador com mais de 80 funcionários em seu gabinete [o Senado tem 81 parlamentares].” O orçamento anual do Legislativo (que inclui, além da Câmara e do Senado, o Tribunal de Contas da União) é de R$ 8,1 bilhões. E 74% é gasto com pessoal.
Já o Judiciário federal consome R$ 34,5 bilhões anuais, dos quais 72,4% com salários e encargos. Gil Castello Branco considera inconcebíveis alguns gastos da Justiça – como o auxílio-moradia mensal de R$ 4,3 mil a que têm direito, segundo uma liminar do STF, todos os juízes do país e também procuradores federais.
Levantamento do blogueiro Lúcio Vaz, da Gazeta do Povo, mostra que o orçamento da União deste ano destina R$ 437 milhões apenas para custear a habitação de magistrados e membros do Ministério Público.
Benefícios
Servidores dos três poderes da União também têm direito a outros benefícios que, na prática, funcionam como um complemento salarial – e que, em alguns casos, faz com que os ganhos do servidor ultrapassem o teto constitucional. O governo gasta R$ 3,8 bilhões anuais com o pagamento de 562 mil auxílios-alimentação, 84 mil auxílios pré-escola e 191 mil auxílios-transporte.
Segundo algumas estimativas, seria possível economizar R$ 1,2 bilhão apenas se o valor do auxílio fosse considerado como “salário” e estivesse sujeito ao teto. Ou seja, se o benefício fosse cortado se os pagamentos somassem mais do que o salário máximo do funcionalismo (hoje, R$ 33,7 mil). O Planalto está avaliando cortar parte desses benefícios.
Custeio e estatais: outros sorvedouros
O custeio da máquina pública também tem gorduras. A Associação Contas Abertas fez um levantamento que mostra como despesas corriqueiras do governo acabaram se tornando mais expressivas do que as atividades-fim do Estado. No ano passado, por exemplo, o governo gastou com a manutenção de carros oficiais R$ 1,6 bilhão – mais do que o orçamento destinado ao meio ambiente, que foi de R$ 446,5 milhões.
Outro sorvedouro de recursos públicos são as estatais federais. São 154 no total, com mais de 500 mil funcionários. E elas não conseguem andar com as próprias pernas, obrigando o governo a fazer aportes generosos. Segundo o Boletim das Empresas Estatais Federais do Ministério do Planejamento, no ano passado foram R$ 6 bilhões. Apenas a Eletrobras recebeu R$ 2,9 bilhões do governo. A Infraero ficou com um repasse de R$ 1,8 bilhão, seguida da Telebrás (R$ 686 milhões).
O buraco é mais embaixo: reformas têm de ser estruturais
Professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), José Matias-Pereira entende que apenas o corte de gastos pontuais é uma medida paliativa que pode evitar o pior no curto prazo, mas que não é suficiente nem no médio prazo.
“O país precisa de reformas profundas”, diz ele. E a da Previdência é a principal. O custo da Previdência pública, que paga aposentadorias e pensões a 980 mil inativos, será de R$ 122 bilhões em 2017. Já o INSS vai gastar R$ 507 bilhões para pagar 30 milhões de aposentados e pensionistas do setor privado. Como a população de inativos cresce mais do que a de jovens trabalhadores, o custo tende a aumentar ainda mais em poucos anos.
Matias-Pereira também defende a realização de uma ampla reforma política. “É preciso reduzir o número de assentos em todos os Legislativos. Pensar em estabelecer que vereadores não recebam salário.”
Ele ainda sugere uma reforma tributária para que a “economia funcione sem as amarras que tem hoje”. Gil Castello Branco afirma que o país também tem de repensar as desonerações de impostos concedidas generosamente para determinadores segmentos do empresariado. Segundo ele, as isenções fiscais custam ao país entre R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões por ano.