Uma regra que entrou em vigor há três anos, numa espécie de “contrarreforma” da Previdência, gerou despesas adicionais de mais de R$ 50 bilhões ao INSS. O gasto extra será bancado pelos contribuintes ao longo das próximas décadas.
Aplicada desde 17 de junho de 2015, a fórmula 85/95 garante aposentadoria integral – equivalente a 100% da média dos salários de contribuição – para mulheres que atinjam ao menos 85 anos na soma de idade e tempo de contribuição e para homens que somem 95 ou mais.
Quem alcança essas pontuações fica livre da incidência do fator previdenciário, mecanismo criado em 1999 para desestimular aposentadorias precoces e que, na prática, reduz o valor do benefício. Sem a aplicação do fator, portanto, a aposentadoria fica mais “gorda”.
Com o fator previdenciário, um homem que se aposentasse hoje com 60 anos de idade e 35 anos de contribuição receberia 83,1% da média de seus salários de contribuição. Mas, pela regra 85/95, o mesmo trabalhador passou a ter direito a 100% da média. No caso de uma mulher com 55 anos de idade e 30 de contribuição, a nova fórmula elevou o valor do benefício de 68,7% para 100% da média salarial.
Um estudo prestes a ser publicado constatou que, no primeiro semestre de 2017, o valor médio das aposentadorias concedidas pela fórmula 85/95 foi 45% maior que o dos benefícios “convencionais”, com incidência do fator – R$ 2.810 contra R$ 1.942, respectivamente, segundo dados coletados pelo pesquisador Rogério Nagamine Costanzi, especialista em políticas públicas e Previdência.
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Costanzi examinou as aposentadorias concedidas nos primeiros 25 meses de vigência da 85/95. Segundo ele, entre junho de 2015 e junho de 2017, 306 mil pessoas se aposentaram com a fórmula, o equivalente a 39% de todas as aposentadorias por tempo de contribuição concedidas no período.
Levando-se em conta a expectativa de vida desses 306 mil aposentados, o INSS vai desembolsar nas próximas décadas cerca de R$ 50,4 bilhões a mais do que gastaria se o fator previdenciário fosse aplicado. A estimativa não inclui o pagamento de pensões após a morte desses beneficiários.
“Quanto mais tempo essa regra estiver valendo, mais a despesa crescerá. O impacto é explosivo”, diz o pesquisador. A reforma da Previdência apresentada pelo governo Temer acabava com a fórmula 85/65, mas não tinha apoio popular nem do Congresso e foi suspensa após a intervenção federal no Rio de Janeiro.
“A aposentadoria deveria ser um mecanismo de substituição de renda para quem perdeu a capacidade laboral. Infelizmente, pelas nossas regras, acaba sendo um mecanismo de complementação de renda de pessoas que, em sua maioria, ainda têm plena capacidade laboral e uma renda de trabalho mais elevada que a média”, aponta Costanzi.
Fórmula amplia fosso entre aposentadorias
Ao engordar o tamanho do benefício, a fórmula que está completando três anos amplia o fosso entre as duas principais modalidades de aposentadoria pelo INSS – por tempo de contribuição, que em geral paga benefícios mais altos; e por idade, que na maioria dos casos equivale a um salário mínimo.
Das 20 milhões de aposentadorias pagas atualmente pelo INSS, 6,1 milhões (31%) são por tempo de contribuição. Como essa modalidade exige pelo menos 30 anos (mulheres) ou 35 anos (homens) de recolhimento ao INSS, acaba beneficiando pessoas de escolaridade e renda acima da média, que passaram a maior parte da vida em empregos formais – e, com isso, conseguiram se aposentar mais jovens. As mulheres que alcançaram esse benefício no ano passado, por exemplo, tinham em média 52,8 anos de idade e os homens, 55,6 anos.
Outros 10,6 milhões de brasileiros – 53% dos aposentados pelo INSS – se aposentaram por idade, a partir dos 60 anos (mulheres) ou 65 anos (homens). Em boa parte dos casos, são pessoas com renda mais baixa e que passaram muito tempo em ocupações informais ou desempregadas, chegando à velhice sem contribuir o mínimo necessário para uma ATC.
Essas diferenças se refletem no tamanho da aposentadoria. Em abril, os aposentados por tempo de contribuição receberam em média R$ 1.985, pouco mais que o dobro do benefício pago a quem se aposentou por idade (R$ 969).
Como funciona o fator previdenciário
Tido como vilão por trabalhadores e aposentados, o fator previdenciário varia conforme a idade, o tempo de contribuição e a expectativa de vida do candidato à aposentadoria. O índice é revisado a cada ano, com a atualização das tábuas de mortalidade, calculadas pelo IBGE.
Segundo o especialista em Previdência Renato Follador, o mecanismo promove a “justiça atuarial”, de forma que o aposentado receba valor equivalente ao que contribuiu ao longo de sua trajetória profissional. Quer dizer, se o indivíduo se aposentou relativamente jovem e tem muitos anos de vida pela frente, o valor da aposentadoria será mais baixo. Em sentido oposto, alguém que se aposente mais tarde e com mais tempo de contribuição terá direito a um benefício maior.
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Pela tabela válida para este ano, por exemplo, um homem que se aposente com 57 anos de idade e 35 de contribuição estará sujeito ao fator 0,74. Assim, a média de seus salários de contribuição será multiplicada por 0,74, o que significa que o valor do benefício será equivalente a 74% da média salarial.
Por outro lado, um homem que se aposente aos 63 anos, com 41 de contribuição, terá a seu favor um fator previdenciário de 1,117 – quer dizer, o valor do benefício será 11,7% maior que a média salarial.
Mais pressão sobre o rombo do INSS
Dentro desse raciocínio de justiça atuarial defendido por Follador, se o fator previdenciário não é aplicado, em grande parte dos casos o pagamento de aposentadorias será maior que a soma das contribuições. O que levaria à conclusão de que o caixa do INSS não seria suficiente para dar conta de todos os pagamentos, tendo, portanto, de recorrer ao Tesouro (isto é, ao dinheiro de todos os contribuintes).
O regime previdenciário brasileiro, no entanto, não funciona na forma de contas individuais – o cálculo do fator se baseia em uma simulação de conta individual. Nosso sistema, na verdade, é de repartição simples, em que o dinheiro dos atuais contribuintes é usado para pagar os benefícios de quem já se aposentou.
Como há muitos anos a arrecadação de contribuições é menor que a despesa com aposentadorias e pensões, o INSS é considerado deficitário. Por isso, precisa de dinheiro do Tesouro para dar conta de todos os pagamentos. E regras que ampliem o valor do benefício sem a devida contrapartida em arrecadação, caso da fórmula 85/95, acabam exigindo o aporte de ainda mais recursos dos contribuintes para fechar as contas da Previdência.
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