R$ 381 bilhões. Esse é o tamanho das reservas internacionais brasileiras, administradas pelo Banco Central. Em um cenário de restrição fiscal, tem gente de olho nesse monte de dinheiro, com a ideia de usar para fomentar investimentos ou abater da dívida pública. Mas há muito mais por trás dessa matemática e especialistas argumentam se vale a pena mexer nesse “tesouro” dos brasileiros e quais cuidados precisam ser tomados.
A ideia chegou a ser debatida em reuniões da equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Mas, o economista e futuro ministro da Economia Paulo Guedes disse que parte desses recursos só seria usada em caso de “ataque especulativo” contra o Brasil. Na ocasião, o economista disse que isso seria o caso apenas se o dólar atingisse o patamar de R$ 5.
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A advogada e economista Elena Landau, sócia do escritório Sérgio Bermudes e conselheira do movimento Livres, considera confusa a fala de Guedes, dando sinais controversos sobre o que a equipe econômica do próximo governo pensa.
“Quando você diz que o BC vai ser independente e na mesma entrevista você diz que quando a moeda chegar a R$ 5 você vai intervir, há uma confusão. Tem de ver qual o papel do BC, qual o modelo que se quer. Se a política cambial é decidida pelo ministro da Economia, é confuso falar em autonomia”, disse.
André Perfeito, economista-chefe da Spinelli Corretora, avalia que é possível cogitar a redução das reservas, mas que isso deve ser feito com cautela e com um objetivo claro. “A rigor eu não sou contra, mas tem de ter muito cuidado. É preciso entender qual a vantagem de ter reservas, mesmo que excessivas. As reservas servem como uma linha de defesa gigantesca contra ruídos externos. Não sei se temos de tirar tijolo da parede para consertar o teto”, disse.
Afinal, por que o Brasil compra dólares?
As reservas internacionais têm uma função bem clara: proteger o país de instabilidades na economia no exterior. É com esses valores que o governo pode fazer operações via títulos públicos para conter o preço da moeda internacional ou suprir a economia brasileira de dólares caso as importações, que trazem dólares ao Brasil, se tornem escassas. Reservas internacionais volumosas também têm o papel de dar credibilidade à economia do país perante o mercado internacional.
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No ano que vem, o governo federal já espera um déficit fiscal de R$ 159 bilhões. Ou seja, o país não paga os juros da dívida pública e ainda falta esse montante para cobrir com o gasto de juros dos títulos que estão com investidores do Brasil e do mundo. Nesse cenário, é preciso cortar gastos para reduzir a dívida, e, com isso, reduzir o pagamento de juros. Outra forma seria reduzir a dívida em si, o que também levaria a um menor pagamento de juros. E aqui seria usada uma parte da reserva internacional.
Na campanha eleitoral, alguns candidatos chegaram a debater a possibilidade de usar parte das reservas internacionais para reduzir a dívida pública ou mesmo para outra função, que não a originalmente pensada. O candidato Ciro Gomes (PDT) chegou a sugerir que um terço das reservas fossem injetadas no BNDES, para dar fôlego ao banco público para conceder mais crédito ao setor produtivo.
Instituição do Senado diz que melhor caminho é reduzir gastos públicos
Argumenta-se se vale a pena usar parte das reservas para cortar a dívida pública. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, para se reduzir a dívida pública, o melhor é reduzir os gastos públicos e não cortar as reservas: “Dada a dimensão do desequilíbrio das contas públicas, a venda de parte das reservas é apenas um complemento ao ajuste fiscal, assim como outros possíveis ativos potencialmente alienáveis. Há inclusive quem entenda ser conveniente se desfazer de parte das reservas apenas quando o ajuste fiscal estiver encaminhado”, afirma a entidade, em estudo.
Outra dúvida é o resultado que pode ser alcançado. A IFI calcula que ao se cortar o equivalente a seis meses de importações da dívida pública, se teria 17,7% de corte, no cenário mais favorável. Porém, a própria entidade argumenta que a decisão sobre se desfazer ou não de parte das reservas é maior do que apenas essa métrica.
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André Perfeito explica que é preciso olhar com cautela o reflexo que uma redução da dívida teria na economia, pois funcionaria como uma injeção de reais, o que poderia inclusive levar a uma elevação da inflação e valorização do real perante o dólar. Para evitar isso, o governo teria de tirar dinheiro da economia, emitindo títulos, o que poderia ter resultado oposto ao desejado, de reduzir a dívida pública.
“Faz sentido (reduzir as reservas), mas não é tão simples assim. Qualquer programa que envolva o uso de reservas tem de ser muito bem desenhado e comunicado”, disse Perfeito.
O objetivo da operação teria de ser claro, mas sem a divulgação de dados como uma meta do governo do uso das reservas. O economista citou como “impulsiva” a fala do guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, de vender parte das reservas quando o real chegasse a R$ 5.
“Tem de ficar quieto. O uso tem de ser pensado para equacionar o perfil da dívida pública. Ou se não for o caso, dizer onde vai colocar esse dinheiro e quantos porcento de crescimento do PIB se pretende atingir, para não virar uma panaceia. Porque esse dinheiro que temos é, por falta de palavra melhor, o grande tesouro nosso”, disse.
O Brasil tem muitas reservas?
O papel das reservas não está em questão e a equipe de Bolsonaro entende a importância de se ter esse colchão. Mas há um debate entre especialistas sobre qual é o nível ideal dessa riqueza. Hoje, o Brasil tem quase o equivalente a 20 meses de importações em reservas internacionais. Ou seja, se nem mesmo um prego fosse exportado durante esse período, o BC conseguiria injetar dólares na economia mantendo o balanço de pagamentos (contas do país em relação ao mundo) saudável.
Alguns especialistas avaliam que manter cerca de seis meses de importações em reservas seria suficiente, como defendeu o economista Edmar Bacha em artigo ao jornal “O Globo” em 2016. Como base de comparação, a Argentina, que está em crise externa, tem apenas dois meses equivalentes em importações nas suas reservas.
A Instituição Fiscal Independente do Senado argumenta que seria possível reduzir dos atuais 20 meses para algo em torno de 15 meses de importações. “Atualmente, as reservas equivalem a mais de 20 meses de importações de bens e serviços, o que corresponde a um número elevado de acordo com a métrica ora em análise, mesmo levando-se em conta que a vindoura recuperação da economia deverá elevar as importações e reduzir a relação, talvez para algo mais próximo de 15 meses, patamar em que se encontrava antes da recessão iniciada em 2015”, afirmam.
Manter o nível de reservas tem efeito colateral: custo alto de administração
Se manter um grande nível de reservas internacionais parece uma segurança maior, há também custos altos para administrar tais títulos. O governo deixa de alocar esses recursos para fazer outras coisas, o chamado custo de oportunidade. Ou, precisa pagar juros aos investidores que compram a dívida brasileira e para transformá-los em reservas internacionais, o que também tem um custo.
Essa seria uma das linhas de defesa da redução desse montante. Porém, o IFI admite que a redução da dívida e o real custo de carregamento da dívida são difíceis de calcular. “Viu-se que as incertezas a respeito do nível adequado e do custo de carregamento dificultam a decisão a respeito da venda de parte das reservas para abater a dívida pública”, afirmou a entidade, em estudo de 2017.
Segundo o Banco Central, em relatório sobre as reservas, em 2017, a gestão trouxe resultado positivo de 2,27%.
Em dezembro de 2017, 82,3% das reservas estavam alocadas em dólar norte-americano, 5,0% em euro, 4,5% em dólar canadense, 2,9% em dólar australiano, 2,8% em libra esterlina, 1,8% em iene e 0,8% em ouro, segundo o BC. Com isso, toda dívida externa bruta brasileira está protegida.
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