O governo de Cuba anunciou nesta quarta-feira (14) sua saída do Mais Médicos no Brasil por divergir de declarações e condições impostas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). O rompimento ameaça esvaziar o programa criado em 2013, sob Dilma Rousseff (PT), e que tem metade do total de vagas preenchidas com profissionais do país caribenho. Atualmente, cerca de 1.600 municípios que fazem parte do Mais Médicos só têm cubanos nas vagas do programa. Mas, qual é o impacto da saída dos cubanos do projeto?
Hoje, o programa soma 18.240 vagas, sendo que cerca de 2.000 estão abertas, sem médicos. Do total de vagas preenchidas, 8.332 são ocupadas por médicos cubanos (em 2016, eram 11.400). Além destas, o país tem 4.525 vagas ocupadas por brasileiros formados no Brasil, 2.824 brasileiros formados no exterior e 451 intercambistas (de outras nacionalidades).
Existe, no entanto, uma histórica dificuldade dos governos brasileiros de conseguir médicos interessados em trabalhar em regiões mais distantes do interior do país. O Ministério da Saúde, sob gestão Michel Temer (MDB), disse planejar um edital para repor vagas que devem ser abertas. “Vamos trabalhar para que os brasileiros assumam. Teremos um edital imediatamente”, afirmou à Folha o ministro Gilberto Occhi.
A pasta diz que irá propor à equipe de Bolsonaro a participação de alunos recém-formados que fazem parte do Fies (financiamento estudantil). Com 457 cubanos, o Maranhão é o estado com o pior índice de médicos por mil habitantes: 0,87. A média do país é de 2,18 por mil habitantes.
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Saída até o final do ano
A decisão do governo cubano foi comunicada ao ministério nesta quarta em reunião com representante da Opas no Brasil, Joaquín Molina. Ainda não há informações de como deve ocorrer a saída dos profissionais. A previsão, porém, é que os médicos deixem o país até 31 de dezembro. O contrato do Mais Médicos vale por três anos. Em 2016, no entanto, o governo abriu a possibilidade para renovação dos contratos a cubanos que possuem família no país.
O fim da parceria com Cuba no Mais Médicos gerou reação de entidades médicas e da Frente Nacional dos Prefeitos, que encaminhará ofício à equipe de Bolsonaro em que pede a “revisão do posicionamento do novo governo, que sinalizou mudanças drásticas nas regras do programa”.
Para o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, com a troca de governo, a ruptura com Cuba era esperada, mas não de forma antecipada.
Segundo ele, caso não haja rapidez para reposição, há risco de desassistência especialmente nas regiões Norte e Nordeste. “A ruptura é inevitável, mas precisa ter prazos. Não estamos tratando de mercadoria, estamos tratando de vidas. Cada médico fica em equipe que atende uma média de 3.400 pessoas. Se pegar 8.500 médicos, são 24 milhões de brasileiros. Não dá para retirar de um dia para o outro”, afirma.
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Em setembro, a Folha mostrou que, desde o início do ano, vagas abertas após a saída de médicos ao fim dos contratos não têm sido repostas. “Temos 1.600 vagas do programa abertas há algum tempo, e agora a possibilidade de sair mais 8.000. É possível fazer uma reposição com brasileiros? É. Mas precisa de tempo”, diz Junqueira, que lembra que os últimos três editais abertos no programa tiveram vagas preenchidas apenas com brasileiros. “Vamos ter regiões do Brasil que vão voltar a não ter assistência médica”, afirmou o governador reeleito do Piauí, Wellington Dias (PT).
Já o Conselho Federal de Medicina informou, em nota, que o Brasil “tem médicos em número suficiente para atender a população”. Desde o lançamento do Mais Médicos, a entidade tem se posicionado de forma crítica à dispensa de revalidação do diploma.
Na mesma nota em que anunciou o fim da parceria, o governo cubano afirma que, desde a implantação do programa, 20 mil profissionais atenderam a mais de 113 milhões de brasileiros, em 3.600 municípios.
Cuba também chamou de inaceitáveis as ameaças de alterações no termo de cooperação firmado com a Opas, conforme previa Bolsonaro, e disse que o povo brasileiro saberá a quem responsabilizar pelo fim do convênio.
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Divergências com Bolsonaro motivaram saída de Cuba
O governo de Cuba atribuiu a decisão a questionamentos de Bolsonaro à qualificação dos médicos e ao plano de mudar a parceria, exigindo revalidação de diplomas no Brasil e contratação individual.
“Condicionamos a continuidade do programa Mais Médicos à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou”, disse Bolsonaro, pelo Twitter. “Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos”, acrescentou, mais tarde.
O presidente eleito também chamou as condições atuais do programa de “trabalho escravo”, admitiu a possibilidade de dar asilo político a cubanos, mas contestou a qualidade dos profissionais. “Vocês mesmos [jornalistas]: eu duvido quem queria ser atendido pelos cubanos”, afirmou Bolsonaro. Ele disse que profissionais de outros países podem ser atraídos ao programa e que, a partir de janeiro, pretende “dar uma satisfação a essas populações que serão desassistidas”.
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Diferentemente do que acontece com os médicos brasileiros e de outras nacionalidades, os cubanos do Mais Médicos recebem apenas parte do valor da bolsa paga pelo governo do Brasil. Isso porque, no caso de Cuba, o acordo que permite a vinda dos profissionais é firmado com a Organização Panamericana de Saúde (Opas), e não individualmente com cada médico.
Pelo contrato, o governo brasileiro paga à Opas o valor integral da bolsa (R$ 11.865), que, por sua vez, repassa a quantia ao governo cubano. Havana paga uma parte aos médicos (cerca de um quarto) e retém o restante. Em seu lançamento, o Mais Médicos gerou atrito com entidades médicas devido à dispensa de revalidação de diploma para estrangeiros, contratados como intercambistas. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a ausência de revalidação de diploma era constitucional.
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