Os maiores saques feitos em 2016 pelo policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), foram precedidos, geralmente na véspera, de depósito de valores de mesmo patamar. Essa movimentação é característica de uma conta de passagem, na qual o real destinatário do valor creditado não é o seu titular. O uso de dinheiro em espécie nas duas pontas da operação reforça esse indício.
Queiroz foi citado num relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como tendo apresentado uma movimentação financeira atípica de R$ 1,2 milhão em 2016. O alerta se deve tanto ao volume como à forma com que as transações foram feitas. O documento, contudo, não é o suficiente para apontar algum ato ilegal.
ENTENDA: 5 fatos mal explicados sobre movimentação atípica de ex-assessor de Flávio Bolsonaro
O levantamento do Coaf foi produzido a pedido do Ministério Público Federal (MPF) na Operação Furna da Onça, que investigava um esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Flavio Bolsonaro não é investigado na Furna de Onça, mas como o órgão de controle encontrou movimentações atípicas de funcionário do seu gabinete, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) instaurou uma investigação criminal sigilosa para apurar o caso. Ao todo, o MP-RJ está investigando 22 deputados estaduais e seus respectivos funcionários citados no relatório do Coaf – entre eles Flávio Bolsonaro.
Flávio é um dos três filhos políticos do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Queiroz era assessor de Flávio na Alerj e atuava como segurança e motorista. Ele foi exonerado do gabinete em 15 de outubro deste ano.
O histórico de movimentações financeiras de Queiroz
Do total movimentado por Queiroz, R$ 324,8 mil se referem a saques e R$ 216,5 mil a depósitos em espécie – os demais valores são transferências identificadas, entre outras operações. Dos 176 saques realizados pelo policial militar naquele ano, 50 foram de valores acima de R$ 2.000. Apenas um, contudo, superou os R$ 10 mil, no qual a comunicação ao Coaf é automática.
Na maioria desses casos, o saque foi precedido de um depósito em espécie de valor em patamar semelhante. Nenhum, contudo, acima dos R$ 10 mil.
Nos dias 16 e 17 de fevereiro, por exemplo, Queiroz fez três saques de R$ 5.000 cada um, totalizando R$ 15 mil. O movimento foi acompanhado de cinco depósitos em espécie feitos em sua conta entre os dias 15 e 17 de fevereiro, que somam R$ 15,3 mil.
LEIA MAIS: Moro evita desgaste, mas defende investigação de ex-assessor de filho de Bolsonaro
Movimento sincronizado também ocorreu em junho, quando nos dias 14 e 15 ele fez dois saques de R$ 5.000, tendo recebido no mesmo período em depósito de dinheiro vivo R$ 13,2 mil.
A ocorrência desses saques maiores mantém como padrão o fato de ocorrerem poucos dias após depósito em espécie de patamar semelhante. Em 35 dos 50 casos de retiradas acima de R$ 2.000, depósito acima do mesmo valor ocorreu até um dia antes – algumas vezes, no mesmo dia. Ampliando o intervalo entre o depósito e o saque para três dias, a sincronia se repete em 40 dos 50 maiores saques de Queiroz.
A correlação entre depósitos em dinheiro vivo e saque imediato também fica evidenciado em dezembro, quando o total sacado aumenta muito, assim como a entrada de dinheiro vivo. No último mês do ano, por 12 vezes ele fez retiradas de dinheiro vivo acima de R$ 2.000, num total de R$ 58 mil. O volume de entrada também cresce e alcança R$ 41,6 mil distribuído em oito depósitos em espécie.
Conta de passagem
Procuradores, policiais federais e auditores fiscais afirmam que o uso de dinheiro vivo em transações bancárias costuma ter como objetivo ocultar o destinatário ou remetente dos recursos. A prática dificulta a identificação dos responsáveis pelas transações.
Não há até o momento, contudo, qualquer indício sobre o destino do dinheiro sacado por Queiroz.
Outro lado
A defesa de Queiroz não foi localizada para comentar as informações do relatório. Flávio Bolsonaro afirmou que o ex-assessor lhe deu explicações plausíveis que deverão ser dadas ao Ministério Público quando convocado.
Antes, na semana passada, Flávio Bolsonaro defendeu o ex-auxiliar. “Fabricio de Queiroz trabalha há mais de dez anos como segurança e motorista do deputado Flávio Bolsonaro, com quem construiu uma relação de amizade e confiança. O deputado não possui informação de qualquer fato que desabone sua conduta”, disse o deputado, em nota.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, se limitou a dizer que Queiroz precisa explicar as movimentações identificadas pelo Coaf, mas afirmou que os valores são baixos. Ele explicou, ainda, que um cheque depositado por Queiroz na conta de sua mulher, Michelle Bolsonaro, era o pagamento de um empréstimo.
Deixe sua opinião