Em 2012, quando ainda era vice-presidente da República, Michel Temer lançou o livro Anônima Intimidade, uma coletânea de poemas originalmente rabiscados em guardanapos de papel em voos entre Brasília e São Paulo.
“Cada escrito representava meu interior se exteriorizando”, conta o autor na introdução, para pouco depois avisar: “Esta é obra de ficção. Qualquer semelhança comigo ou com terceiros é mera coincidência”.
Quatro anos depois da publicação, Temer assumiu a presidência beneficiado pelo impeachment da titular, Dilma Rousseff. Flagrado numa conversa pouco republicana com o empresário Joesley Batista, passou os últimos dois meses lutando para se manter no cargo, até agora com sucesso. Mas a cada dia se vê mais ameaçado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o próximo nome da linha sucessória, que oficialmente ainda é seu aliado.
Depois de tudo o que aconteceu desde a publicação de Anônima Intimidade, versos que antes não passavam de escritos confessionais – conforme comentou um crítico à Gazeta do Povo – ganharam ares de premonição.
O poema “Embarque”, que fala de uma nau sem rumo, faz lembrar a naufragada parceria com Dilma Rousseff. Ou então a aventura proporcionada pelo ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), responsável direto pelo impeachment, atualmente preso no Complexo Médico Penal de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba.
EMBARQUE
Embarquei na tua nau
Sem rumo. Eu e tu.
Tu, porque não sabias
Para onde querias ir.
Eu, porque já tomei muitos rumos
Sem chegar a lugar nenhum.
Ao herdar a Presidência, Temer – que nunca foi bom de voto – era desconhecido de boa parte dos brasileiros.
ELES
São muitos.
Milhares.
Caminham pelas ruas.
Não me conhecem.
Não os conheço.
É o pronome coletivo desconhecido.
Temer viveu momentos felizes no principal cargo da República. Dias antes da divulgação da conversa com Joesley Batista, o presidente comemorava a queda da inflação, os números de geração de empregos e outros sinais de recuperação da economia. “Estarei no segundo turno”, teria dito a interlocutores próximos em referência às eleições de 2018. Não parecia haver tragédia à vista.
ASSINTONIA
Falta-me tristeza.
Instrumento mobilizador
Dos meus escritos.
Não há tragédia
À vista.
Nem lembranças
De tragédias passadas.
Nem dores no presente.
Lamentavelmente
Tudo anda bem.
Por isso
Andam mal
Os meus escritos.
Mas eis que veio a público o grampo da JBS. E a mala com R$ 500 mil carregada por Rodrigo Rocha Loures, braço-direito de Temer.
AEROPORTO
Não disseram nada.
Apenas se cruzaram.
Vieram de longe.
Ou dali mesmo.
Mas iam para longe.
Carregando dois fardos.
Sua mala e sua vida.
Na tentativa de explicar o diálogo com Joesley Batista, o presidente classificou o empresário de “bandido notório de maior sucesso na história brasileira”. E disse que só o recebeu tarde da noite no Palácio do Jaburu porque desconhecia seu histórico de crimes. Uma justificativa ensaiada anos antes:
SABER
Eu não sabia.
Eu juro que não sabia!
Ciente ou não do que o sócio da JBS havia aprontado em sua vida pregressa, Temer vem sofrendo as consequências daquele encontro às escuras, sem registro na agenda. Há relatos de que anda abatido.
COMPREENSÃO TARDIA
Se eu soubesse que a vida era assim,
Não teria vindo ao mundo.
Em um de seus pronunciamentos, Temer ironizou os boatos sobre a suposta melancolia. Se está mesmo triste, provavelmente não vai admitir.
CONFISSÃO
Eis-me aqui
Tresloucado pela dor
De não poder revelar
Minha dor para ninguém.
Na última quarta-feira (13), o presidente soltou nota dizendo que Rodrigo Maia – seu eventual sucessor – tem demonstrado “lealdade institucional inatacável” e repudiando “as tentativas intrigantes de se criar uma falsa crise entre os Poderes Executivo e Legislativo”. Mas o fato é que estão ficando menos discretos os movimentos de Maia para ocupar a cadeira da presidência.
PROCURA II
Ando à procura
De mim.
Só encontro outros
Que, em mim,
Ocuparam o meu lugar.
Ainda que as notas oficiais busquem criar uma aparência de normalidade na relação entre Temer e Maia (como, aliás, ocorreu por um tempo na relação entre Dilma e Temer), o próprio presidente já escreveu que as linhas não valem; são uma máscara:
ENTRELINHAS
As linhas não valem.
Valem as entrelinhas.
São as que leio.
Quando escrevem.
Ou quando falam.
Nas linhas, a máscara.
Entre elas, a verdade.
Num momento de tantas dúvidas sobre a fidelidade de Rodrigo Maia, Temer deve estar se perguntando se é melhor estar só ou mal acompanhado.
PENSAMENTO
A solidão é a melhor companhia.
Nesta quinta-feira (12), o presidente conquistou uma vitória importante na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que rejeitou a denúncia de corrupção passiva contra ele. Mas a questão ainda será apreciada pelo Plenário, e há outras denúncias a caminho, conforme já adiantou o procurador-geral da República. Muita gente duvida que Temer consiga terminar o mandato.
TRAJETÓRIA
Se eu pudesse,
Não continuaria.
Se os versos do presidente forem mesmo premonitórios, este poema traça um futuro pouco animador para ele.
EU
Deificado.
Demonizado.
Decuplicado.Desfigurado.
Desencantado.
Desanimado.Desconstruído
Derruído.
Destruído.