Apesar de o dólar ter recuado nesta sexta-feira (8), após o Banco Central anunciar uma nova intervenção no mercado de câmbio, a moeda americana acumula altas históricas desde maio. Na quinta-feira (7), o dólar fechou em R$ 3,925, o maior nível em valores nominais desde 1.º de março de 2016. Ao mesmo tempo, a Bolsa despencou nas últimas semanas, com o Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas, fechando a quinta-feira em 73,8 mil pontos, o menor nível desde 18 de dezembro do ano passado.
A disparada do dólar e a queda da Bolsa aconteceram num ritmo que, de alguma forma, lembra o que ocorreu em 2002, nos meses que antecederam a eleição presidencial. E isso causou pânico ao mercado nesta semana.
O pânico só foi interrompido após o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, anunciar uma nova intervenção no mercado vendendo US$ 20 bilhões até o fim da próxima semana para conter a disparada do dólar. Além disso, o BC abriu esta sexta-feira injetando US$ 3,5 bilhões em swaps cambiais (equivalente à venda de dólares no futuro) para suavizar a volatilidade do câmbio.
Isso fez com que o dólar recuasse para a casa dos R$ 3,70, o que não quer dizer que o derretimento do real frente à moeda americana foi estancado. Somente neste ano, a desvalorização do real acumulada é de aproximadamente 20%. O banco Itaú, por exemplo, mesmo após a intervenção do BC, decidiu rever a sua projeção da taxa de câmbio para o fim deste ano, aumentando de R$ 3,50 para R$ 3,70.
Mas por que o dólar não para de subir e o real não para de derreter? Veja, abaixo, seis motivos que explicam esse fenômeno:
1) Recuperação da economia americana
A economia americana já estava indo bem, o que há muito tempo vinha empurrando para cima a cotação do dólar. A questão é que os dados mais recentes reforçam a impressão de que ela está avançando mais rápido que o chamado “PIB potencial”. A taxa de desemprego nos EUA, por exemplo, caiu para o menor nível nos últimos 17 anos e o PIB cresceu em ritmo anual de 2,3% no primeiro trimestre.
Em outras palavras: o aquecimento da economia dos Estados Unidos chegou ao nível em que começa a provocar inflação acima do desejável. E isso pode levar o Fed, o banco central dos Estados Unidos, a subir os juros ainda mais rápido do que vinha fazendo e sinalizando, em uma tentativa de segurar os preços. Isso funciona como um fator de atração de capital e faz o dólar subir mais rápido.
A taxa de juros dos EUA é baixíssima para os padrões brasileiros: entre 1,5% e 1,75% ao ano. A nossa, chamada de Selic, está em 6,5%, o menor nível da história. Ainda assim, o juro americano é alto o suficiente para atrair investidores que tinham aplicações no Brasil e em outros países emergentes. Com isso, esses investidores estão tirando dinheiro de aplicações no Brasil e comprando títulos do Tesouro americano, que, embora rendam menos, são muito mais seguros. Com os dólares indo embora do Brasil, a moeda americana fica mais escassa e, portanto, mais cara por aqui – o que desvaloriza o real.
2) Guerra comercial: EUA versus China
Desde março, o temor de uma guerra comercial entre EUA e China, as duas maiores economias do mundo, também começou a assombrar os mercados. Na tentativa de reduzir o déficit da balança comercial dos EUA, o presidente Donald Trump anunciou sobretaxas a importados – como aço e alumínio, commodities em que a China é a maior produtora do mundo – e iniciou uma guerra tarifária contra o país asiático. No fim de março, Trump chegou a anunciar que taxaria os produtos chineses em US$ 60 bilhões – e só recuou depois que a China respondeu que também iria sobretaxar produtos americanos.
Os dois países chegaram a fazer algumas rodadas de negociação para evitar uma guerra comercial, mas, como ainda não entraram em um consenso e continuam fazendo ameaças um ao outro publicamente, o clima de tensão entre todos os países que se relacionam com Estados Unidos e China permanece.
Se Trump quer exportar mais e importar menos, teremos mais dólar indo para os Estados Unidos e menos dólar saindo de lá. O que faz o dólar subir. No mais, quando há uma incerteza global sobre a possibilidade de guerra comercial, o dólar tende a subir de qualquer jeito.
3) Crise geopolítica: EUA versus Irã
Além de estar em conflito com a China, o presidente Donald Trump também entrou em rota de colisão com o Irã. Em maio, os Estados Unidos deixaram o acordo nuclear com os iranianos, retomando as sanções contra o país. O que foi péssimo para a oferta de petróleo. Novamente: o clima de tensão voltou a pairar no mercado e os investidores correram atrás de mais dólares, dando mais um impulso à moeda americana.
No início de 2016, quando as sanções foram suspensas, as exportações de petróleo iraniano aumentaram, o que reduziu as cotações do petróleo. A retomada das sanções em maio deste ano teve efeito oposto, mantendo as cotações do petróleo tipo Brent acima de US$ 70 por barril, perto de US$ 80. Com o preço do barril de petróleo em alta, a inflação americana é pressionada, mais um fator que pode contribuir para o Fed aumentar a taxa de juros e atrair ainda mais investidores para os EUA.
4) Risco político
A partir de maio, o cenário interno também começou a pressionar mais a cotação do dólar. No dia 14 de maio, a divulgação de uma pesquisa eleitoral que mostrou à frente os pré-candidatos Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) fez a moeda americana chegar a R$ 3,62 – a maior cotação em dois anos.
Com isso, o mercado se deu conta de que há uma probabilidade cada vez maior de nenhum candidato mais identificado com as reformas estruturais estar no segundo turno das eleições presidenciais. O candidato preferido do mercado é Geraldo Alckmin (PSDB), mas os próprios investidores já reconhecem que as chances de o tucano vencer as eleições diminuem a cada pesquisa.
Enquete da XP Investimentos mostra que o mercado espera uma vitória do Bolsonaro nas eleições. Caso ele realmente vença, 45% enxergam uma depreciação do câmbio (R$ 3,80 para cima) e 77% projetam uma elevação da taxa básica de juros, a Selic, no fim de 2019.
5) Greve dos caminhoneiros
A greve dos caminhoneiros causou prejuízo gigantesco e pôs um obstáculo a mais à recuperação da atividade econômica, que já era fraca. As reivindicações dos caminhoneiros vão custar R$ 13,5 bilhões aos cofres públicos e esse montante será custeado pelo uso de reservas orçamentárias, retirada de benefícios fiscais e corte de despesas. Vários setores já reagiram aos cortes de benefícios, afirmando que a medida compromete investimentos. Os dias de paralisação e as próprias medidas anunciadas pelo governo também devem comprometer o PIB do segundo trimestre.
Mas não só isso. A greve dos caminhoneiros mostrou que o governo Temer é ainda mais frágil do que se imaginava e que, com um pouco de pressão, atende às reivindicações de categorias e setores que conseguem gritar mais alto e parar o país – mesmo que isso signifique um peso a mais para os contribuintes, para as contas da Petrobras e para as finanças públicas.
6) Contas públicas
Com a greve dos caminhoneiros e a percepção de risco político, parece que caiu a ficha do mercado. Os investidores lembraram que o governo não fez reformas essenciais, como a da Previdência, e que sem essa reforma não há como aliviar minimamente a situação das contas públicas.
A situação das contas públicas está cada vez pior. Em abril, as contas públicas do setor público consolidado (governo federal, estados, municípios e estatais) tiveram o pior resultado para o mês em 17 anos. Com isso, o endividamento do país chegou a R$ 5 trilhões em abril, valor que corresponde a 75,9% do PIB.
Sem a percepção de um candidato comprometido em fazer reformas estruturais e com o aumento do endividamento, o risco país pode, enfim, começar a subir – e comprometer também a atração de investimentos para o Brasil.
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