As equipes da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF), que caminharam juntas por mais de dois anos na Lava Jato, parecem não falar mais a mesma língua. Em mais um capítulo do atrito entre as instituições, a delegada da PF, Renata Rodrigues, criticou a forma com que o MPF conduziu a negociação da delação premiada de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht.
Tudo começou com um documento enviado ao juiz Sergio Moro pelo Ministério Público, reclamando que a PF ainda não tinha analisado o notebook de Odebrecht, apreendido na 14ª fase da Lava Jato, em junho de 2015. Em resposta, a delegada disse que interrogou o executivo, mas ele não sabia as senhas de cabeça. “Ouvido, Marcelo noticiou a impossibilidade de prover a senha de acesso, uma vez que esta deve ser gerada por meio de um token, o qual teria sido supostamente entregue a advogados da Odebrecht à época de sua prisão”, escreveu.
O empreiteiro garantiu à PF ter pedido aos advogados, profissionais de TI da Odebrecht e até aos procuradores do MPF que procurassem o token ou recuperassem as senhas, “o que não teria surtido efeito”, segundo a delegada. “Ninguém proveu qualquer solução para a situação”, completou. É aí que surgiram as críticas de Renata Rodrigues ao Ministério Público: ela disse que a PF não recebeu, em nenhum momento, qualquer pedido para disponibilizar o notebook ou outros materiais apreendidos para subsidiar a negociação da colaboração de Odebrecht.
Além disso, Renata colocou em dúvida a efetividade do cumprimento das delações. “Diante das circunstâncias reportadas, especialmente o alegado por Marcelo no sentido de que o bloqueio do laptop e a impossibilidade de desbloqueá-lo foram comunicados ao MPF por diversas vezes na negociação do acordo (...) que, aparentemente, não houve qualquer exigência formal, pela PGR, no sentido de desbloquear o laptop (...) submeto tudo à apreciação do MPF, inclusive para apreciação quanto à efetividade e cumprimento dos acordos celebrados diante dos fatos ora narrados”, disse a delegada.
Renata foi além e levantou a hipótese de que Odebrecht teria demonstrado, no mínimo, “ausência de interesse em agir de forma cooperativa” ao não entregar o token ou, em um tom mais grave, “sugere a atuação de personagens com objetivo de obstruir as investigações”. A delegada também criticou o Ministério Público por não ter exigido o desbloqueio do notebook, uma vez que o próprio Marcelo Odebrecht teria indicado o equipamento como uma “importante fonte de provas”: “Preocupante para as investigações que a obtenção de evidências contidas no laptop (...) não tenha sido exigida como condição sine qua non [indispensável] para qualquer acordo”.
Ela conclui o texto dizendo não ser possível imaginar que pertences de Marcelo Odebrecht (no caso, o token de acesso ao notebook) tenham “simplesmente sumido”. Nem o MPF e nem o juiz Moro se manifestaram sobre o caso.
Notas da defesa
A defesa de Marcelo Odebrecht afirmou, em nota, que o seu cliente está “inteiramente comprometido” com o acordo de delação premiada assinado e que ele está à disposição da Justiça para “confirmar todos os fatos já relatados ao MPF, assim como esclarecer qualquer outro elemento que lhe seja trazido a partir do acesso aos seus equipamentos eletrônicos.”
Já a empreiteira Odebrecht afirmou, também em nota, que colabora com as autoridades no esclarecimentos de “todos os fatos por ela revelados”. A empreiteira reafirmou “o seu compromisso com a verdade, com o combate à corrupção e com uma atuação ética, íntegra e transparente, no Brasil e em todos os países em que atua”.