O estrangulamento do movimento sindical após a reforma trabalhista, que acabou com o imposto sindical compulsório, obrigou entidades de trabalhadores e até de empregadores a buscarem alternativas de sobrevivência que vão além do corte de funcionários e venda de imóveis. Uma estratégia que começa a ganhar adeptos, e na visão de analistas tende a se ampliar, é a fusão de entidades.
No Brasil há 16,6 mil sindicatos (11,2 mil de trabalhadores e os demais de empregadores), além de centrais, confederações e federações. Essas entidades ficavam com 90% da arrecadação do imposto sindical, que em 2017 foi de R$ 3,6 bilhões e, no ano passado, 80% menor.
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Entre os sindicatos de trabalhadores, a fusão é uma forma de fortalecer as negociações salariais, que estão mais difíceis diante do fechamento de fábricas - como a da Ford, anunciado na semana passada -, do alto nível de desemprego e de mudanças na Previdência.
Juntar sedes, pessoal, prestação de serviços e colônias de férias foi a alternativa que o Sindicato dos Empregados na Indústria Alimentícia de São Paulo, representante de 30 mil trabalhadores, encontrou para reduzir custos e manter atividades. A entidade vai se unir aos sindicatos de trabalhadores da área de alimentação de Santos e região, de laticínios e de fumo no Estado. Juntos passarão a ter base de quase 50 mil funcionários.
Os trâmites para oficializar a união estão na última fase, que é realizar assembleia com trabalhadores das quatro áreas para dar aval à medida, afirma Carlos Vicente de Oliveira, presidente do Sindicato da Alimentação. Oliveira diz que ainda não há cálculo da economia que será gerada com a união dos quatro sindicatos, “mas será bastante”.
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Do lado empresarial, está em andamento a fusão entre sete sindicatos da indústria gráfica do Rio de Janeiro. Os dois maiores - o do município e o do Estado, representantes de 1,2 mil empresas -, se uniram em dezembro. Agora pretendem agregar as entidades de Petrópolis, Friburgo, Itaperuna, Campos e Sul Fluminense, onde estão outras 200 gráficas. Cerca de 90% são micro ou pequenas, diz Carlos Di Giorgio, presidente do Sindicato das Indústrias Gráficas do Município do Rio de Janeiro.
“Não adianta ter um número grande de sindicatos e não conseguir prestar serviços aos associados”, diz Giorgi. Para ele, no futuro deverá haver apenas uma representação nacional da indústria, ideia também defendida para a representação dos trabalhadores do setor. O Sindicato das Gráficas perdeu 40% de sua receita no ano passado.
A Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas de São Paulo está assessorando a união de sindicatos de pequenas cidades. “Os recursos podem ser maximizados”, diz Sérgio Luiz Leite, presidente da entidade.
União de sindicatos é tendência global
A Força Sindical, que reúne quase 1,3 mil sindicatos representantes de 1,6 milhão de trabalhadores, colocou à venda a sede da entidade, um prédio de 12 andares no bairro da Liberdade, em São Paulo, por R$ 15 milhões. Sem a parte do imposto sindical que recebia - que em 2017 somou R$ 45 milhões -, a central perdeu mais de 80% de sua receita.
O secretário-geral João Carlos Gonçalves, o Juruna, diz que provavelmente a Força vai ocupar algumas salas do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, onde esteve até os anos 90, antes de adquirir sua sede própria.
Segundo Juruna, a Força está orientando os filiados a promoverem fusões entre sindicatos de categorias similares.
“Para o futuro, a discussão será uma união mais ampla, como ocorre em vários países”, informa. Ele cita os casos do UAW, que representa os metalúrgicos dos EUA, e o IgMetal, representante da mesma categoria na Alemanha.
A União Geral dos Trabalhadores (UGT) também mantém conversas com sindicatos da área de farmácias da capital e do interior de São Paulo para um projeto de unificação.
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A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) também estudam medidas que passam pela unificação de entidades para substituir a antiga fonte de receitas, mas não há ainda nenhum caso em andamento.
Do lado empresarial, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) criou uma gerência para assessorar entidades em processos de fusão. Depois da primeira experiência com sindicatos da indústria gráfica, a entidade discute agora com 11 representações das empresas da construção civil no Estado.
Vertical
Para Hélio Zylberstjan, professor da FEA/USP e coordenador do Projeto Salariômetro da Fipe, “o próximo passo depois das fusões será uma verticalização, até o sindicato chegar a ser nacional. É uma questão de sobrevivência”.
A fusão de sindicatos é uma tendência mundial. Na Alemanha, por exemplo, há oito sindicatos nacionais de trabalhadores e, em cada cidade e bairro, há uma seção, lembra Zylberstjan.
Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), diz que o movimento de agregação que já ocorreu na Alemanha está, em parte, associado a uma reorganização do sistema produtivo. “As empresas estão mudando e com a terceirização da produção, especialmente na indústria, foi preciso buscar uma nova forma de organização.”
Global
“Acredito que a tendência de fusão de entidades sindicais, ainda que com o objetivo imediato de sobrevivência financeira, será benéfica principalmente para os trabalhadores que terão uma estrutura mais forte para apoiá-los”, diz Valter Sanches, secretário-geral do IndustriALL.
A entidade com sede em Genebra, na Suíça, tem 608 sindicatos filiados de 140 países, inclusive o Brasil, que representam cerca de 50 milhões de trabalhadores de multinacionais.
O brasileiro Sanches trabalhou na Mercedes-Benz, foi diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e agora vive na Suíça. Segundo ele, o IndustriALL atua com trabalhadores de 14 setores industriais e também é fruto da fusão, em 2012, de três sindicatos globais dos setores têxtil e vestuário, químico, mineração e energia e metalúrgico.
A entidade negocia em nome dos trabalhadores com organizações multilaterais como OMC, OCDE e OIT, com entidades patronais setoriais globais ou nacionais e com multinacionais. “Temos 49 acordos globais com multinacionais”, diz.
Para Sanches, as fusões devem reduzir a atual fragmentação de sindicatos por setores ou ramos. “Também são fundamentais para enfrentar os desafios da digitalização - ou Indústria 4.0 - em que empresas e setores estão mudando e estabelecendo formas de relação de trabalho precárias”. Para ele, “são desafios para os quais a estrutura sindical tradicional não dá conta”.
Entidades têm de se ‘repensar’, avalia Dieese
O diretor do Dieese, Clemente Ganz Lucio, concorda que o fim da contribuição sindical obrigatória vai acelerar o movimento de fusões no Brasil. “O estrangulamento do financiamento sindical que ocorreu com a reforma trabalhista obriga os sindicatos a se repensarem.”
Segundo ele, a nova lei trabalhista reforçou as negociações - que devem prevalecer sobre a legislação -, mas ao mesmo tempo retirou a fonte de financiamento dos sindicatos que conduzem as negociações. “Essa é a contradição.” Com as fusões que começam a ocorrer, ele acredita que os sindicatos ficarão mais fortes e devem voltar a ter protagonismo, especialmente num cenário de precarização das relações de trabalho.
Na legislação anterior, centrais, confederações e federações tinham uma fatia garantida do imposto sindical. Hoje, a receita dos sindicatos vem das mensalidades dos associados e das taxas de negociação e são eles que decidem como os recursos serão distribuídos.
“A base da estrutura sindical vai ficar mais poderosa”, diz Hélio Zylberstjan, da FEA/USP.
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