Sem reforma, não adianta: mais da metade da dívida da Previdência é “impagável”

A dívida com a Previdência no país é astronômica, de R$ 420 bilhões. Desse total, 58%, ou R$ 245 bilhões, é praticamente impagável. Trata-se de valores devidos por empresas inativas ou sem patrimônio.

Por isso, ao contrário do que dizem críticos da reforma da Previdência, simplesmente cobrar a dívida não resolverá os problemas de caixa da Previdência – que, apenas neste ano, deve ter um rombo de quase R$ 200 bilhões.

Para completar esse cenário de calote, os seguidos refinanciamentos de dívidas concedidos pelo governo impossibilitam a recuperação do dinheiro. Foram 17 programas desse tipo desde 2000. Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável pela cobrança desse "papagaio" bilionário, esses Refis são "nefastos" para a recuperação desse dinheiro.

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Esse raio-X foi feito pelo procurador-geral da Dívida Ativa da União da PGFN, Cristiano Lins de Morais, numa apresentação na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, no mês passado. Os dados que ele apresentou impressionam. A Procuradoria, junto com a Receita Federal e outros órgãos, criaram uma metodologia e dão notas aos devedores, considerando o grau de recuperabilidade do que devem. E chegaram à conclusão que apenas 42%, ou R$ 175 bilhões do total, são recuperáveis.

E essa recuperação é lenta, de R$ 4 bilhões por ano. De 2010 a 2016 voltaram para os cofres públicos R$ 22 bilhões. Isso porque os procuradores adotaram mecanismos que entendem agilizar a cobrança: investigam os devedores em várias bases de dados, entraram com protesto extrajudicial, fazem acompanhamento minucioso dos grandes devedores e criaram um grupo especial de combate a fraudes.

“A Procuradoria aprovou esse novo modelo de cobrança que incrementou a recuperação. Um programa de software faz um cruzamento massivo. E tem dado resultado. No primeiro semestre desse ano, se comparado com o mesmo período de 2016, tivemos um aumento de 20%”, disse Cristiano Morais. 

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Grandes devedores. Esses são o problema. Eles concentram boa parte da dívida. E são empresas privadas e algumas nem estão mais em atividade, casos da Varig (R$ 3,7 bi de dívida), Vasp (R$ 1,7 bi) e Transbrasil (R$ 1,2 bi). A segunda maior devedora é o conhecido grupo JBS, devedor da Previdência de quase R$ 2 bi. Enrolada na Lava Jato, foi multada em R$ 10,3 bilhões e, num acordo de leniência, vai pagar esse montante em 25 anos.

"O montante é altamente concentrado com grandes devedores. Para se ter uma ideia, o passivo total da dívida ativa da União é de R$ 1,8 trilhão. E, desse total, R$ 1,3 trilhão está nas mãos de 0,5% do total dos devedores. Ou seja, 70% da dívida ativa são desse pequeno grupo. Por isso precisam de um acompanhamento diferenciado, mais próximo", contou Morais. 

Refinanciamentos são “nefastos”

O procurador diz que os refinanciamentos das dívidas das empresas concedidos pelos governos são "nefastos" para a recuperação do dinheiro. Para ele, o "padrão de desconto" é muito grande: "De 2000 até hoje foram 17 programas de parcelamento e os Refis têm um efeito nefasto na arrecadação da dívida".

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Segundo o procurador, o parcelamento tem sido usado por quem tem capacidade contributiva, que pode pagar as dívidas. “Se vai atrás de quem efetivamente tem patrimônio. E quando chega vem um benefício desses. E prazos longos de 180 meses, 200 meses (para pagar). Fora o desconto grande.” 

A ideia de que esses programas vêm para solucionar o problema é falsa, explica. 

“Muito se diz que o Refis vai ajudar a facilitar a regularização. Mas os Refis vêm para beneficiar uma minoria em detrimento de quem paga seus tributos. Esses programas não têm tido resultados bons de arrecadação. Num primeiro momento é traz um incremento na arrecadação, mas nos anos subsequentes cai substancialmente. O padrão de desconto é muito grande.” 

O procurador falou da “vantagem” de sonegar. E deu um exemplo. 

“Economicamente é vantajoso sonegar. Todo mundo aqui faz Imposto de Renda. Se o contribuinte que deve mil reais inventa uma despesa médica e quita esses mil e até consegue restituição. Se ele optar por aguardar o Refis será mais vantajoso. Ela pega esse dinheiro, aplica numa poupança, que não tem tanto rendimento, sabemos, e mesmo assim vai levar vantagem. Ele vai conseguir a remissão dos juros da dívida e será melhor ficar com o dinheiro do que pagar a dívida, como qualquer cidadão faria”, disse Morais, que completou: “Os escritórios de contabilidade fazem esse planejamento, contando que esses programas (Refis) serão reeditados”. 

Segundo o procurador, os Refis do governo beneficiam justamente os contribuintes que estão na lista dos 42% de dívidas recuperáveis. E não parte dos 58%, que não têm condições de pagar:  “Beneficiam quem deve e que teria condições de pagar”. 

O brasileiro é bom pagador de impostos

Cristiano Marins sustenta que o brasileiro é bom pagador de imposto. Ele afirmou que o Brasil tem 17 milhões de empresas em atividade e que 85% delas não são devedoras. 

“A grande maioria não é devedora. Ao contrário do que se diz, de que todos devem, não é verdade. Tanto as pessoas jurídicas como as físicas, na sua grande maioria, cumprem sim com seu dever. É uma minoria que deve e há uma concentração nessa dívida”, disse o procurador.

Ele reforça seu argumento com o dado que das 29 milhões de pessoas físicas que declararam Imposto de Renda, “pessoas com renda relevante”, como disse, apenas 6% devem alguma coisa. “Ou seja, 94% não são devedoras. É a grande maioria da sociedade, que é cumpridora dos seus deveres fiscais. O brasileiro é pagador de imposto.”