As semanas de sol e céu azul estão cobrando seu preço na conta de luz. A estiagem reduziu os principais reservatórios aos níveis mais baixos desde a crise hídrica de 2015 e, para poupá-los, o país está recorrendo a usinas termelétricas, que têm custo de operação mais alto. Esse gasto adicional é repassado para o consumidor, que nos últimos anos se acostumou a pagar pelos erros de regulação, planejamento e operação do setor elétrico.
Governo e especialistas da área dizem que não há ameaça à segurança do abastecimento de energia. Mas a situação está longe de ser confortável. Na quarta-feira (20), o Ministério de Minas e Energia autorizou a importação, em caráter “excepcional e temporário”, de energia da Argentina e do Uruguai até o fim de 2018. A avaliação é de que comprar dos vizinhos sairá mais barato do que ligar termelétricas ainda mais onerosas do que as que já estão em operação. Em paralelo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vai propor uma campanha de conscientização da população quanto ao bom uso da eletricidade.
Curitiba e boa parte do Paraná chegaram a ficar mais de um mês sem chuva. Os boletins do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que os lagos das usinas do Rio Iguaçu, que há um ano ocupavam quase 100% da capacidade, não estão nem pela metade. O reservatório da hidrelétrica Governador Bento Munhoz, a principal da Copel, indicava 25% do volume máximo dias atrás.
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O maior problema está no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que concentra 70% da capacidade de armazenamento de água do país e responde por mais da metade de toda a geração de energia. Os reservatórios dessas regiões, que ocupavam 43% da capacidade há um ano, caíram a 28%. Pudera: em alguns pontos de Minas Gerais, um dos estados que mais geram energia, não chove há mais de 100 dias.
Bandeiras
Até certo ponto, a baixa dos reservatórios era esperada. Estamos no chamado “período seco”, que vai de maio a novembro, quando as hidrelétricas usam parte da água poupada no “período úmido”. Mas nos últimos meses choveu ainda menos que o habitual. Vem daí a necessidade de acionar usinas termelétricas que normalmente ficam desligadas – e, quanto mais térmicas funcionando, mais aumenta o custo de produção da energia.
A conta de luz do consumidor comum está mais cara desde julho, por causa da aplicação das chamadas “bandeiras tarifárias”, que buscam desestimular o consumo em momentos mais delicados e variam conforme a gravidade da situação hídrica.
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Neste mês está em vigor a bandeira amarela, que acrescenta R$ 2 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. Mas um diretor da Aneel avisou, na última terça-feira (19), que a taxa extra pode subir para pelo menos R$ 3 por kWh em outubro, com a adoção da bandeira vermelha. Neste ano, apenas janeiro, fevereiro e junho tiveram bandeira verde, sem cobrança de qualquer adicional.
Para indústrias e outros grandes consumidores que contratam energia no chamado mercado livre, em que a negociação é feita diretamente com as empresas geradoras, o efeito da falta de chuva aparece no Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), que serve de referência para os contratos de curto prazo. Uma fábrica que estiver produzindo mais do que o esperado neste mês está pagando R$ 465 por megawatt-hora (MWh) para contratar energia extra, pouco abaixo do limite máximo (R$ 533). Em compensação, quem tem energia sobrando, porque no passado comprou mais que o necessário, pode agora vender o excedente com lucro.
Os valores do PLD para os próximos anos são mais baixos, um pouco pela expectativa de melhora da situação hídrica e muito por que ninguém sabe realmente o que esperar do clima até lá. A energia para entrega em 2018 está saindo por R$ 219 o MWh. Para 2019, o preço é de R$ 173. E, para 2020, de R$ 150, segundo a Comerc, empresa que atua na compra e venda de energia no mercado livre.
Ajuda da recessão
Por enquanto, não há sinais de grande alívio. “Há sempre muita incerteza nas previsões. Mas, a princípio, elas apontam que não teremos um período chuvoso com muita água e grande recuperação dos reservatórios”, diz Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc. “Ainda assim, não há risco de racionamento de energia. Por pior que possa ser o período úmido que vem aí, vai chover.”
O quadro só não é mais grave por causa da recessão, que fez o consumo de energia crescer muito menos que o esperado e criou uma certa folga no balanço de oferta e demanda. Ou seja, os preços podem até estar altos e subirem mais um pouco, mas, se precisar, o país tem como produzir mais eletricidade.
Apesar dos recorrentes atrasos nas obras, o parque gerador brasileiro cresceu nos últimos anos. As usinas eólicas, que há quatro anos não respondiam por nem 1% da produção de energia, hoje garantem de 6% a 7%. Se não fosse por elas, estaríamos dependendo ainda mais das termelétricas. A gigante – e polêmica – usina de Belo Monte, no Pará, só não está produzindo mais porque sua principal linha de transmissão atrasou.
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Em compensação, a demanda que esses e outros empreendimentos deveriam estar suprindo não se concretizou. Há quatro anos, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal federal encarregada do planejamento do setor, projetava que o consumo cresceria a uma média de 4,2% ao ano entre 2013 e 2017. Mas, por causa da crise, ele aumentou apenas 2,4% ao ano.
O descompasso entre oferta e demanda poderia ser ainda maior se não fossem os vários projetos que ficaram no papel, por dificuldade de financiamento ou pela própria frustração da demanda. No mês passado, o governo chegou a fazer um “leilão de descontratação” para que as distribuidoras pudessem cancelar as “encomendas” de energia que fizeram no passado e não serão entregues.
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