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| Foto: Dorivan Marinho / SCO/STF

Com o debate sobre o cumprimento de pena logo após a condenação em segunda instância, o que afetou diretamente o ex-presidente Lula e é teoria contestada por seus apoiadores, um grupo de senadores tenta ajudar a pacificar esse entendimento com a aprovação de um projeto de lei. A iniciativa, que serviria para reforçar a jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) não decide novamente sobre o assunto, pode ser inócua. Sem alterar a Constituição, especialistas argumentam que o trabalho do Congresso em tentar legislar sobre o caso será em vão. 

O projeto de lei do Senado que aguarda aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) altera um artigo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) para estabelecer que, para fins de cumprimento de sentença penal condenatória, o chamado “trânsito em julgado” (quando não cabem mais recursos a instâncias superiores) será considerado a partir da condenação em segundo grau, em única instância ou após julgamento de recurso. 

Para o relator do projeto, o objetivo da alteração na lei é reduzir a impunidade e atender ao pedido dos cidadãos. "Esse é um clamor da sociedade para o efetivo combate à impunidade. O Senado estará dando um grande passo em consonância com a luta coletiva contra a corrupção”, avalia o relator do projeto, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

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Sem alterar a Constituição, argumentos contra prisão ainda terão força

O problema é que os defensores da prisão somente após a análise do caso em todas as instâncias – inclusive na mais alta Corte do país, o STF – se apoiam em uma cláusula pétrea da Constituição. Sem a alteração desse artigo da Constituição, dificilmente uma lei específica poderá mudar o entendimento do tema. 

Alterações na Constituição demandam quórum alto na Câmara e no Senado, em mais de uma sessão, algo difícil na atual legislatura, com uma base de apoio ao governo fraca. Além disso, a legislação proíbe que sejam feitas alterações na Constituição durante processos de intervenção federal, como está em curso no estado do Rio de Janeiro. 

O ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) Fábio Medina Osório vê problemas na alteração da lei, que ainda não cumpriria a intenção dos senadores. “Essa alteração legislativa seria perturbadora. Primeiro, ela presume um trânsito em julgado? Não me parece razoável, não adota boa técnica”.

O ex-ministro completa: “Quer presumir um trânsito? Não é disso que trata a jurisprudência do STF. Ele simplesmente relativiza os efeitos da presunção de inocência, que nunca foi um princípio absoluto e nunca protegeu contra todas aparências de culpabilidade”.

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O professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Guilherme Forma Klafke, destaca que o Senado está em seu papel de alterar a legislação, mas que essa alteração legal não coloca um ponto final ao assunto. 

“Se for julgado isso em ações no STF, por exemplo, isso muda de figura. Quando o STF disser que é inconstitucional, o Senado só poderá mudar esse entendimento se mudar a Constituição. O Senado não fica vinculado ao STF. Ele pode fazer uma nova lei, e se a composição do STF for a mesma, a chance dessa lei ser considerada inconstitucional é enorme”, afirmou o professor de Direito Constitucional. 

O julgamento da Vaquejada é um exemplo de impasse entre uma lei que os parlamentares já vieram a aprovar e a visão do STF. Depois de decisão contrária do STF em uma lei estadual que permitia a prática esportiva com animais, o Congresso aprovou Emenda Constitucional permitindo tais esportes com animais, desde que reconhecida a “manifestação cultural” de tal prática. Depois disso, o ministro Marco Aurélio julgou prejudicada uma ação contra esse esporte. 

Ministros do STF podem mudar decisão sobre condenação em 2.ª instância

A possibilidade de iniciar o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância é um tema polêmico e que está no centro das discussões sobre a legalidade da prisão de Lula. Por enquanto, é válida a jurisprudência firmada em 2016 por ministros do STF de que a execução provisória da pena não é inconstitucional, portanto réus condenados em segunda instância já podem começar a cumprir a pena. A análise de mérito da questão, porém, tem sido adiada.

Os próprios ministros da Corte demonstram que podem mudar sua visão sobre o assunto. Eles já julgaram um pedido de habeas corpus da defesa de Lula e o placar foi apertado, ficando em 6 a 5 com vitória da tese de que a prisão pode ocorrer após a condenação em segunda instância. 

Mas essa situação é volátil, já que a ministra Rosa Weber afirmou no julgamento do caso de Lula que mudaria seu voto para não permitir a prisão nesses casos, se o julgamento fosse válido de forma abrangente. Também há brechas na interpretação sobre a obrigatoriedade ou não do cumprimento da pena logo após a condenação, e ainda sobre quando se daria a extinção da possibilidade de apresentar recursos em tribunais não-recursais. 

Segundo o projeto de lei, apresentado pelo senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) em março deste ano, o objetivo de colocar o entendimento de “transito em julgado” na lei seria limitá-lo às cortes ordinárias. “É preciso oferecer respostas que devolvam, pedagogicamente, a dignidade às pessoas, cujos comportamentos são exemplares, notadamente na punição dos que cometem crimes”, afirmou o senador em justificativa do projeto. “O STF tem formado uma maioria muito volátil em torno do tema, permitindo-se, sem ferir o brio da garantia intocável, debater a extensão da coisa julgada”, avalia Cunha Lima. 

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O especialista em Direito Constitucional Guilherme Klafke também argumenta que uma nova lei, como proposta pelos senadores, não mudará automaticamente a visão dos juízes pelo país, o que ainda manteria a possibilidade de descumprimento das prisões após condenação em segunda instância. 

“É um mito achar que a mudança da lei muda a forma de pensar das pessoas. No Brasil, qualquer juiz pode falar que uma norma é inconstitucional e a afastar, não aplicar ao caso. Isso é um pouco o que está acontecendo com a reforma trabalhista. Não é só um parágrafo de mudança na lei que vai mudar a visão dos ministros (do STF). Imagine agora vários juízes no país?”, afirmou Klafke. 

Medina Osório avalia que a jurisprudência do STF sobre o tema é favorável, pois consolida o cumprimento da pena, em sua visão. “Segue tendência mundial e orientações das Organizações Transnacionais que defendem direitos fundamentais e humanos. A presunção de inocência hoje se traduz como um estado jurídico de inocência. Não protege contra todas as aparências de culpabilidade. Decretada uma condenação em segundo grau, a pena deveria ser cumprida, salvo em casos de falta de plausibilidade da pretensão punitiva.”

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