Era novembro e 1989 e faltavam poucos dias para as primeiras eleições diretas para presidente do Brasil desde 1960. No dia 15, mais de 70 milhões de eleitores brasileiros iriam às urnas para escolher um dos 22 candidatos disponíveis. E o favorito para chegar ao segundo turno era o apresentador e empresário Silvio Santos. O dono do SBT entrou na campanha no dia 4, no lugar de outro candidato.
Seu nome havia bagunçado um pleito já marcado pelas oscilações dos principais candidatos. Se sua chapa não tivesse sido impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral no dia 9 de novembro, a apenas seis dias das eleições, é muito provável que ele tivesse tomado o lugar de Fernando Collor como o primeiro presidente eleito diretamente pela população depois de Jânio Quadros. A pergunta é: como isso foi possível? E mais: será que pode acontecer de novo?
Não é muito comum, nas eleições presidenciais brasileiras, nomes de fora do circuito tradicional da política se apresentarem com chances concretas de vitória. “O mais comum é que pessoas sem contato com o ambiente político tradicional busquem vagas no Legislativo. Temos muitos vereadores, deputados e até mesmo senadores que se elegeram sem experiência prévia”, afirma Doacir Quadros, professor de ciência política do grupo Uninter.
São casos conhecidos, que vão e Tiririca a Romário. Já no poder Executivo, ele lembra, são poucos os exemplos. O comunicador Celso Russomanno, por exemplo, já se elegeu deputado federal cinco vezes. Mas tentou ser prefeito de São Paulo, por duas vezes. Parecia um candidato forte, esteve perto do segundo turno em 2012, mas não suportou a campanha pela maior cidade do Brasil.
Candidato outsider com força para levar a presidência, só Silvio Santos em 1989. Depois, nunca mais. Mas agora o apresentador Luciano Huck se apresentou como um nome possível para as eleições presidenciais de 2018. Roberto Justus também, ainda que depois tenha recuado. Silvio Santos reagiu e disse que vai tentar novamente, quase 30 anos depois. Aconteceu nos Estados Unidos, no ano passado, com Donald Trump. Teria acontecido no Brasil de 1989. Poderia acontecer no Brasil de 2018?
Crise das instituições
“Não podemos comparar o cenário americano com o brasileiro porque as regras são diferentes”, responde o cientista político Nuno Coimbra Mesquita, pós-doutorando da Universidade de São Paulo, onde estuda a relação entre mídia, democracia e partidos políticos. “Trump só venceu porque a eleição dos Estados Unidos tem apena dois partidos fortes. Se saísse como candidato independente, não teria chances. No Brasil, é muito difícil vencer um alto cargo do poder executivo sem o dinheiro e o apoio de uma ampla rede partidária”. Nesse sentido, dos novos nomes que surgiram no cenário nacional dos últimos meses, apenas o de João Doria Jr. teria maiores chances, diz ele. “Mas Doria precisaria superar as prévias do PSDB, que vão ser duríssimas”.
A maior novidade, diz o pesquisador, é um nome como o de Luciano Huck, apresentador sem o menor contato com a política partidária, ser levado a sério. “A novidade não é ele se apresentar. É a expectativa da população de que essas figuras possam ser bem sucedidas. Isso acontece porque estamos vivendo uma crise das instituições, no mundo todo”, ele afirma. “Com o agravante, no Brasil, de que as nossas principais lideranças políticas tradicionais estão envolvidas em escândalos de corrupção. Qualquer nome novo, simplesmente por ser novo, não aparece nas listas de propina da Odebrecht”.
Nesse sentido, 2018 não é muito diferente de 1989. Na época, com o início da redemocratização, havia espaço para surgirem novos nomes na política. E isso explica o sucesso não só de Silvio Santos, como do próprio Fernando Collor.
Busca pelo novo
O atual senador por Alagoas, que venceu o pleito de 1989, já declarou em entrevistas que saiu candidato a presidente porque ouviu de Marcos Coimbra, do instituto de pesquisas Vox Populi, que a população, especialmente das classes C, D e E, não recebia bem os nomes mais tradicionais da política. Daí a baixa votação que receberam, na época, figuras de peso como Ulysses Guimarães ou Mario Covas. Daí, também, o experiente Leonel Brizola ter perdido (ainda que por pouco) a vaga no segundo turno para Luiz Inácio Lula da Silva. Desde o começo da campanha, Fernando Collor já despontou como um grande favorito.
Em 6 de novembro, a nove dias das eleições e pouco antes da candidatura de Silvio Santos ser impugnada, Collor tinha 28% das intenções de voto. Brizola, 15%. Lula, 14%. Mario Covas, 8%. Paulo Maluf, 7%. Mas, quando o nome de Silvio era apresentado para os eleitores, o quadro mudava: Collor 23%, Silvio 18%, Brizola 14%, Lula 12%, Covas 7% e Maluf 6%.
Silvio Santos havia entrado para a campanha de uma forma pouco ética: o candidato Armando Corrêa, pastor e membro do Partido Municipalista Brasileiro, havia abandonado a campanha em nome de Silvio. Antes disso, o empresário vinha negociando o mesmo acordo com o PFL, que pretendia (mas não conseguiu) dispensar na última hora seu candidato, o ex-vice-presidente Aureliano Chaves. Também havia proposto assumir a vaga do candidato Guilherme Afif Domingos, que recusou a proposta de abandonar a campanha para ser vice do empresário.
Com a aparição de Silvio, todos os outros candidatos reagiram inconformados com o truque às vésperas da votação – afinal, o empresário não havia participado da campanha, nem dos debates, enquanto os demais tinham se desgastado ao longo de muitos meses de exposição pública intensa.
O dono do SBT gravou todos os seus oito programas eleitorais de uma só vez, ao longo de duas horas, nos estúdios da emissora em São Paulo. Seu jingle dizia: “Agora o povo está contente. Já temos em quem votar. É o 26, é o 26. Com Silvio Santos Chegou a nossa vez. Silvio Santos já chegou, e o Brasil ganhou.” Ao fim de cada programa, ele explicava que o eleitor não iria encontrar seu nome na cédula – ela já estava impressa com o nome de Armando Corrêa – que, aliás, tinha apenas 1% de intenções de voto.
Saúde e habitação
Em seus programas, Silvio chamava o eleitor de “colegas de trabalho”: “Bem, hoje eu vou entrar na sua casa, chamando vocês de minhas colegas e meus colegas de trabalho, porque vocês vão ser minhas colegas e meus colegas de trabalho. Vamos trabalhar juntos para governar esse país.” E prometia: “Eu pretendo imediatamente fazer com que melhore a alimentação do nosso povo, melhorem as condições de saúde do nosso povo, melhorem as condições de habitação do nosso povo, melhorem as condições de educação do nosso povo.” Finalizava garantindo: “Pretendo imediatamente diminuir a inflação e aumentar o salário mínimo”.
O PMDB acabou conseguindo impugnar a candidatura de Silvio porque o PMN havia realizado apenas quatro convenções regionais, quando a lei exigia que fossem nove. Quem descobriu a irregularidade foi Eduardo Cunha, um dos mais importantes apoiadores de Collor.
O apresentador nunca mais havia cogitado ser candidato, até recentemente – ainda que tenham surgidos boatos de que ele disputaria em 2002. Mas, há algumas semanas, depois de uma reunião com o presidente Michel Temer, sua emissora passou a defender a reforma da Previdência.
Além disso, em maio, Silvio declarou, mais ou menos em tom de brincadeira: “Eu não estava mais pensando em política, mas depois que o Luciano Huck se candidatou eu fiquei muito chateado e eu acho que vou me candidatar. Se o povo pode votar em Luciano Huck, poderá votar em mim porque eu sou aquele presidente que vai dizer: ‘Queremos que os ricos sejam menos ricos e os pobres sejam menos pobres’”.
Poucas chances
Mas, no fim das contas, Luciano Huck, Roberto Justus ou Silvio Santos têm chances? Para o professor Doacir Quadros, eles têm em comum o fato de serem comunicadores – ou seja, figuras muito populares, mas sem nenhuma relação com a política tradicional, que está tão desgastada. Era também o caso de João Doria Jr., que apresentou programas de TV por anos.
“Num cenário de fragilidade da confiança nos políticos tradicionais, os comunicadores tendem a se destacar. Mas eles não têm chance, a não ser Doria, que é um aspirante em potencial porque já venceu uma eleição em São Paulo e tem o apoio de parte do PSDB. Os outros são nomes especulativos.”
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