Primeiro presidente da história da República alvejado por uma denúncia formal de corrupção, Michel Temer (PMDB) tem outro triste recorde anotado em sua biografia: com apenas 7% de aprovação, segundo o Datafolha, é o mandatário mais impopular desde o colega de partido José Sarney, cujo governo era tido como bom ou ótimo por apenas 5% dos brasileiros, em 1989 – ano em que a inflação acumulou hoje impensáveis 1.764,83%.
Num cenário em que a economia segue encalhada, o desemprego beira os 14% da população econômica ativa e denúncias de corrupção e de tentativas de cerceamento da operação Lava Jato contra o governo crescem diariamente, quem são os brasileiros que consideram Temer o comandante de um governo “bom” ou “ótimo”?
“Não temos estudos a respeito, mas é razoável opinar que quem acha o governo dele bom tem o mesmo perfil de quem achava bom o governo de Dilma Rousseff: os ideologizados, os que estão nos extremos. No caso de Temer, é possível fazer uma hipótese de que sejam as pessoas que estão na extrema direita do espectro político”, afirmou o cientista político Adriano Codato, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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Não só eles. “Há também a turma do pragmatismo, os empresários, que colocam a coisa em termos práticos. Ruim com Temer, pior sem ele. Pois existe, nessa conjuntura, o grande fantasma que é a volta do [ex-presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva]. Assim, é melhor aceitar o jogo corrompido do PMDB em troca das reformas”, disse o professor.
A análise bate com o perfil das pessoas que continuam a apoiar o governo Temer com quem a reportagem conversou. Dois líderes empresariais paranaenses permanecem com o peemedebista por causa da agenda de reformas. E dois ativos defensores do presidente em redes sociais veem nele uma defesa contra uma – mais imaginada que real – guinada do Brasil para o socialismo. Mas também há o ponto fora da curva.
Os radicais e as fake news
“Sou muito fã do trabalho de Temer, acredito na competência dele”, falou a professora aposentada Reni Batista, 53, que vive em São José, região metropolitana de Florianópolis. “Na situação que o país está, após o desgoverno (sic) do PT, da Dilma Rousseff, que mandaram dinheiro para fora, para países comunistas (sic), com a roubalheira nas estatais, assumir nessas condições é muito difícil.”
Reni, uma ex-sindicalista que diz ter votado em “Luladrão” e se arrependido quando diz ter visto “o que ele estava tentando fazer, que era implantar o comunismo no Brasil”, é uma temerista entusiasmada. Administra duas comunidades favoráveis ao peemedebista no Facebook, e ainda participa de outras mais. “Ele faz um ótimo governo. Eu certamente votaria nele.”
Ao menos uma das comunidades administradas por ela, chamada “Grupo de apoio ao nosso Presidente Michel Temer”, é um prato cheio para estudiosos de fake news. Há postagens de sites desconhecidos que garantem que a TV Globo recebeu dinheiro para “defender falcatruas petistas”, que 26 países decretaram as prisões de Lula e Dilma, ou que a filmagem do ex-suplente de deputado Rodrigo da Rocha Loures (PMDB-PR) com uma mala de dinheiro é uma armação “porque ele olha para a câmera”.
Já as denúncias de corrupção Temer, para ela, não passam de uma “armação da PGR (Procuradoria Geral da República)”. “A denúncia é frágil, tem teor mais político que jurídico”, afirmou Reni, meio que ecoando os advogados do presidente. Depois, garantiu: “É uma conspiração entre PGR, [o mega-frigorífico] JBS, o PT e a Globo”.
Após sua entrevista, Reni recomendou que a reportagem ouvisse outro ativo defensor de Temer nas redes sociais, um paulista de Franca que usa um pseudônimo e enverga fotos do comediante Danilo Gentili e do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em seu perfil. Ele recusou o pedido para conversar, pois considerou o repórter – por seu perfil na rede social – um esquerdista. “Como alguém ainda pode apoiar a esquerda depois dos escândalos bilionários do PT e suas linhas auxiliares? Comparado a eles, o Temer não seria um escoteiro na honestidade e um Einstein na condução econômica?”, disse.
Foi a única coisa que a reportagem ouviu do ativista. Mas não a única advertência de que jornalistas são vistos com desconfiança no extremo direito (tal qual como no esquerdo) do espectro político. Reni também considerou “tendencioso” o perfil do repórter no Facebook. “Você deveria entrevistar as pessoas certas para realizar seu trabalho. Caso não, aí tomarei minhas providências”, ela advertiu.
“É preciso tapar o nariz”
Em maio de 2016, o empresário curitibano Edson José Ramon, que comandou a Associação Comercial do Paraná e hoje está à frente de uma organização que batizou de Instituto Democracia e Liberdade (IDL), enviou uma carta ao então ainda vice-presidente Michel Temer. Propunha “princípios e parâmetros para preenchimento de cargos de alto nível no governo que se inicia, com aproveitamento prioritário de pessoas que tenham se alinhado desde o início com a necessidade de mudança”. Exortava, ainda, o peemedebista a cumprir um governo “sem qualquer cessão à popularidade de curto prazo obtida à custa da desorganização das finanças públicas”.
Não se sabe se Temer chegou a ler a missiva – e certamente ele não cumpriu os pedidos de Ramon. Mas o empresário mantém a confiança no peemedebista, por um motivo: as reformas. “Eu estaria dentre os 7% [que aprovam o presidente]. Eu ainda acredito que as reformas tão necessárias para nosso país só sairão se o Temer estiver, com todos os problemas que enfrenta, na condução delas. Não acredito que a saída dele possa, no momento, beneficiar o que nós mais precisamos, que são as reformas”, falou.
As denúncias de corrupção naturalmente incomodam Ramon. Mas não o suficiente para que ele deixe de franquear seu apoio ao presidente. “Para mim, a ética está acima de tudo. Mas, enquanto não houver prova contundente de que ele é culpado, e ele tiver estofo para implementar as reformas, e tiver apoio [para isso] da maioria do Congresso, que permaneça.”
Ele prosseguiu: “É preciso tapar o nariz por enquanto, enquanto não houve prova de culpabilidade [de Temer]. Mas eu diria o seguinte: a possibilidade de ter de aumentar a necessidade de fechar o nariz está na mudança presidencial. Imagine se o PT volta ao poder: as reformas não sairão nunca. Eleições diretas seriam, nesse momento, uma catástrofe para o Brasil”, cravou.
É a economia!
Ao menos num ponto, o empresário e o cientista político concordam: a baixa aprovação a Temer se deve, fundamentalmente, à má situação da economia. “O que pesa não são exatamente as notícias de corrupção. Existe um transbordamento de notícias de corrupção, e as pessoas estão começando a ficar indiferentes. É meio que o estado normal das coisas. Ela vem muito mais da recessão e do desemprego que de qualquer outro fator. As pesquisas de opinião presidenciais têm mostrado, via de regra, desde o governo Sarney, que, se a economia vai bem, o presidente vai bem”, lembrou Codato.
Ramon é, a seu modo, mais direto. “O povo, em seu discernimento que não é grande, não percebeu melhoras. O bolso não sentiu melhoras. E é natural que o governo tenha uma aprovação baixa, pois ainda não implementou as reformas.”
É com os dois olhos na recuperação da economia que o engenheiro civil e economista Euclesio Finatti ainda deposita esperanças em Michel Temer. “Vivemos a pior crise de que temos notícia. Não vamos sair disso com facilidade. O governo Temer introduziu questões importantes para o setor produtivo quando colocou as reformas trabalhista, previdenciária, tributária e política na pauta. Elas são importantes, e precisam ser feitas”, argumentou ele, que é vice-presidente de área técnica do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Paraná (Sinduscon-PR).
“Ao estimular o desenvolvimento do país, Temer é melhor do que o que nós tínhamos. Nesse sentido, é um bom governo. Está fazendo o que não foi feito nos últimos 12 anos”, avaliou Finatti. “As denúncias de corrupção [contra o peemedebista] me parecem graves. Mas temos que separar política da economia. Se politicamente se está provando falcatruas, tem que se tomar providências. Mas também temos 14 milhões de desempregados”, ponderou.
O ponto fora da curva
Entre o radicalismo político e o pragmatismo econômico, sobra espaço para pessoas como o advogado cearenese Raimundo Barreto, 56 anos, que vive em Fortaleza – o ponto fora da curva, nessa história. Um ex-eleitor de Lula, ele avalia bem o desempenho de Temer, até aqui. “É bom, em vista do que recebeu do desgoverno (sic) Dilma. Há controle das contas públicas, inflação em queda”, justificou-se.
Barreto disse ver com estranheza a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, que motivou a denúncia da PGR contra o presidente, mas fez questão de dizer que não se considera um antipetista radical. “Eu tinha até admiração pelo ideal do PT. Mas, nos tempos do governo petista, vimos o recrudescimento da corrupção incentivada e dirigida por seus dirigentes. Não tenho ódio do partido, mas entendo que [os governos Lula e Dilma] foram uma tremenda traição, uma enganação”, falou.
Barreto garantiu que não vota mais no PT ou “nos seus partidos filhotes, como Rede, PSOL ou PCdoB”. Tampouco elegeria Temer, se fosse candidato, ou mostrou empolgação com os nomes que já se colocam – mais de um ano antes das eleições – como potenciais presidenciáveis.
Enquanto isso, e apesar de Reni, Ramon e Finatti, Michel Temer segue a desafiar uma frase dele mesmo, proferida em 2015 em referência à antecessora Dilma Rousseff: “Com 7% de aprovação, fica difícil concluir o mandato”.
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