O pai dos pobres. O semeador de sonhos. E a chama da esperança nacional. A passagem da caravana de Lula pelo Nordeste vem delineando a imagem de salvador que ele e seus aliados tendem a explorar na campanha presidencial de 2018. E ela vai apelar para o lado emocional – e até religioso – do brasileiro.
Essa ideia, resultado de um plano de marketing pessoal e eleitoral bem construído, aparece em discursos do próprio Lula e de correligionários, no material de divulgação do PT e em depoimentos colhidos de pessoas que comparecem aos encontros com o ex-presidente.
Do ponto de vista da estratégia de comunicação, não há muita novidade. Em 2002, Lula se elegeu presidente pela primeira vez explorando o slogan: “A esperança vai vencer o medo”. O petista também buscou, durante seus dois mandatos, consolidar a imagem emotiva de que ele realizava os sonhos, sobretudo dos pobres, e cuidava dos brasileiros como se fossem seus filhos. Ou seja, de que é um “paizão”.
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Agora, tudo está de volta. Em imagens. E em palavras. A caravana de Lula pelos estados do Nordeste está sendo devidamente filmada e fotografada. Em vários momentos as fotos mostram Lula afagando o rosto de brasileiros, abraçando-os e até mesmo se divertindo com eles. Tudo num clima bem familiar. Algumas imagens remetem também à religiosidade: Lula é tocado pelo povo como se fosse um “santo”.
Veja imagens de Lula na caravana pelo Nordeste feitas pelo fotógrafo do ex-presidente, Ricardo Stuckert:
Os discursos seguem a mesma linha do “paizão”. Em Lagarto (SE), a equipe de comunicação de Lula gravou depoimentos de moradores da cidade. “Lula é o pai do pobre! Lula mora em meu coração!”, diz uma mulher. “Lula, meu pai velho!”, afirma um senhor.
No material de divulgação da viagem disponível no site do PT em que esses depoimentos foram veiculados, o texto de apresentação afirma que “para muitos nordestinos Lula é conhecido como pai”. Já o texto sobre a passagem do ex-presidente pelo acampamento Maria Lindaura, do MST, em Japoatã (SE), chama Lula de “pai da agricultura familiar que semeia a esperança no povo”.
Tudo junto misturado
Outra reportagem produzida pela assessoria do PT, divulgada no site do partido, misturou a ideia da esperança com a dos sonhos. O título já deixa isso claro: “Lula encerra caravana em Sergipe como condutor de sonhos e esperança”.
No texto, há a reprodução de trecho de um discurso de Lula em que ele, além de reforçar os dois conceitos, trata de sua família. “Eu gostaria de ser o portador de sonhos e de esperança. Porque sem esperança a gente não vai a lugar nenhum. A gente tem que levantar todo santo dia tendo esperança que o dia será sempre melhor. E mesmo quando não for melhor, a gente não tem de reclamar. É isso que eu aprendi com minha mãe. Quantas vezes a gente não tinha o que comer, quantas vezes chovia e entrava água em casa? Eu nunca vi a minha mãe reclamar, ela sempre falava amanhã vai melhorar”, disse Lula.
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E os bordões se sucedem no material de divulgação do PT. “Sonhar não tem mais limites para jovens de Itabaiana (BA)”, diz texto sobre os jovens pobres que chegaram à universidade devido a programas sociais do governo Lula. “A maior força que Lula deu às famílias do Brasil foi quando empoderou as mulheres e levou a juventude às universidades. Temos o desafio de continuar sonhando com o país da esperança”, diz o texto.
Ao mesmo tempo em que se apresenta como o depositário dos sonhos do povo, Lula também busca associar seus adversários à destruição da esperança. “Agora colocaram um tal de Temer [na Presidência], e não tem mais esperança de Fies, emprego, ProUni. Porque essa gente não sabe governar, quer vender o Banco do Brasil, a Caixa, a Petrobras, a BR [Distribuidora]”, disse Lula em outro discurso. Com exceção da BR Distribuidora, até agora ninguém no governo anunciou a intenção de privatizar as outras empresas citadas pelo ex-presidente.
Razão não ganha eleição
O cientista político Fernando Azevedo, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), afirma que Lula e o PT vêm adotando, na caravana pelo Nordeste, um discurso de contraposição à crise atual. O ex-presidente, quando deixou o Planalto em 2010, tinha índices de aprovação altíssimos porque o país passava por um bom momento. Segundo o cientista político, a ideia do pai dos pobres que vai resgatar a esperança e realizar os sonhos do brasileiros ressurge nesse contexto.
Pesquisador na área de comunicação política, Azevedo afirma ainda que qualquer campanha eleitoral é essencialmente baseada na emoção. “A atenção do eleitor é capturada muito mais pelo emocional do que pelo racional”, diz ele. Assim, os estrategistas eleitorais buscam criar ideias simples para “embalar” o candidato que possam ser facilmente compreendidas pelo eleitor por meio de elementos emocionais. O discurso racional, segundo ele, costuma ser direcionado para públicos bem específicos.
E os outros candidatos?
Isso significa que o marketing eleitoral de todos os candidatos, e não apenas de Lula, vai apelar para a emoção do eleitor. E isso já vem ocorrendo. O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), por exemplo, vem criando a imagem do “João Trabalhador”: veste-se de gari para limpar ruas.
“O [deputado Jair] Bolsonaro tenta passar a imagem de que ele é quem vai pôr ordem na casa”, diz Azevedo. Ou seja, de que é um “cara durão” – aproveitando o fato de ser um militar que pode “matar” pelo bem do país. Bolsonaro (hoje no PSC, mas que irá mudar para o Patriota, novo nome do PEN) inclusive vem explorando, assim como Lula, uma “imagem família”: o “tiozão conservador”.
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