Enquanto espera que a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retome o julgamento do pedido de habeas corpus, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua sendo um hóspede incômodo na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.
O petista está preso em uma cela especial no prédio desde abril, quando começou a cumprir a pena de 12 anos e um mês imposta pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) na Lava Jato.
Desde que Lula foi preso, sua presença na Superintendência é alvo de polêmicas envolvendo a PF, Ministério Público Federal (MPF), os moradores da região e a prefeitura de Curitiba. Pelo menos dois pedidos de transferência foram feitos à juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução penal do ex-presidente, mas eles não foram atendidos.
Por lei, Lula tem o direito de cumprir pena em São Paulo, onde o petista tem família. “Essa é a regra da execução penal, cumprir pena no estado em que os familiares residem”, explica o especialista em direito penal e processual penal João Rafael de Oliveira. Segundo o advogado, Lula só teria direito a uma cela especial enquanto preso preventivo – o que não é o caso do petista.
“Por conta do status que ele ocupou no país de ser o representante maior do Poder Executivo, foi providenciada essa execução da pena em sala especial”, explica Oliveira. “A rigor, no cumprimento de pena as pessoas perdem o direito a cela especial”, completa.
Para o advogado, a cela improvisada para Lula na Superintendência da PF não é o local ideal para o cumprimento da pena do petista. “Definitivamente, a PF não é uma instituição ou espaço físico destinado a prisão para cumprimento de pena, teria que ir para um estabelecimento penal para cumprimento de pena”, opina Oliveira.
Defesa pode tentar prisão domiciliar para o ex-presidente
Para ter direito a passar do atual regime fechado para o semiaberto, Lula teria que cumprir no mínimo um sexto da pena a qual foi condenado. Isso só vai acontecer, no mínimo, em 2020 – se o petista não for condenado em nenhum outro processo até lá. Lula ainda é réu em dois outros processos que estão na reta final, só em Curitiba. Em Brasília, ele responde a outros quatro processos.
O advogado Sepúlveda Pertence, que fez parte da defesa de Lula, entrou em atrito com outros defensores do petista depois que pediu a prisão domiciliar para Lula ao STF. Tanto os advogados que conduzem a defesa na Lava Jato quanto o próprio Lula rechaçam a alternativa, pelo menos por enquanto. Para eles, admitir a prisão domiciliar seria uma espécie de admissão de culpa, que prejudicaria o discurso de que o ex-presidente é vítima de perseguição.
Segundo Oliveira, a prisão domiciliar não é impossível, mas precisa ser bem fundamentada para que o pedido seja atendido pela Justiça. “A prisão domiciliar está vinculada a questões de saúde, a própria idade avançada, mas depende de a defesa fazer o pedido para o juiz da execução para ele avaliar”, explica o advogado.
Permanência de Lula na PF é alvo de polêmicas desde a prisão
O local da prisão foi determinado pelo juiz federal Sergio Moro, que decretou a prisão de Lula. Desde abril, a própria Polícia Federal e até a prefeitura de Curitiba já solicitaram a transferência do petista, alegando que a Superintendência não é uma unidade prisional. Os pedidos, porém, não foram acatados pela juíza Carolina Lebbos, responsável por fiscalizar o cumprimento da pena, e tiveram um parecer contra a remoção do ex-presidente por parte do Ministério Público Federal (MPF).
Ao decretar a prisão, Moro alegou que “em razão da dignidade do cargo ocupado” por Lula, “foi previamente preparada uma sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior, na própria Superintendência da Polícia Federal, para início do cumprimento da pena, e na qual o ex-presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”.
De um lado, a PF alega que manter o ex-presidente Lula na Superintendência custa caro e atrapalha a rotina de trabalho e a prestação de serviços no local. Um ofício encaminhado à Justiça pela corporação logo após a prisão estimava um gasto mensal de R$ 300 mil extras para manter o novo hóspede.
O Sindicato dos Delegados da Polícia Federal do Estado do Paraná (SinDPF/PR) também defendeu a transferência de Lula, alegando que os transtornos causados pela prisão de Lula no local atrapalha a rotina de trabalho. A Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol) também reforçou a necessidade de o ex-presidente ser transferido.
A prefeitura argumentou que a Superintendência não tem alvará para funcionar como unidade prisional e que a prisão de Lula estava causando transtornos para os moradores do bairro Santa Cândida, onde fica a sede da PF em Curitiba.
O diretor do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen) chegou a dizer que estava pronto para receber Lula no Complexo Médico Penal (CMP). O local tem uma ala exclusiva para presos da Lava Jato desde 2015.
Do outro lado, o MPF sustenta que “é difícil afirmar a existência de outro lugar no estado do Paraná que possa garantir o controle das autoridades federais sobre as condições de segurança física e moral” do ex-presidente. Por enquanto, o petista continua no prédio da PF.
Desde a prisão de Lula, um grupo de apoiadores do ex-presidente permanece em um acampamento próximo à Superintendência. A presença dos militantes, que fazem atos a favor de Lula durante o dia, como os tradicionais “bom dia” e “boa noite” ao ex-presidente, causou transtornos aos moradores da região.
Os ânimos na região ficaram tão acirrados que o acampamento chegou a ser alvo de um atentado a tiros ainda em abril. Duas pessoas foram feridas. Mais tarde, ocupantes do acampamento fizeram um protesto e chegaram a fechar ruas no entrono da Superintendência, o que levou a prefeitura a reforçar o pedido para a transferência de Lula.
Em maio, um delegado da PF, morador do bairro, quebrou o equipamento sonoro e discutiu com manifestantes. Dias antes, moradores entraram em confronto verbal e houve empurra-empurra, novamente por causa do som das “saudações a Lula”.