Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) admitem a possibilidade de revisar os benefícios concedidos aos empresários do Grupo J&F - holding que inclui a JBS - no acordo de delação premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR). A previsão não é de consenso entre os ministros da Corte, mas tem sido defendida por alguns magistrados e até mesmo pelo relator da Lava Jato, Edson Fachin.
Alvo de grande polêmica, o acordo firmado pelo Ministério Público Federal (MPF) prevê imunidade penal aos irmãos Joesley e Wesley Batista e demais delatores do grupo. Eles foram também autorizados a morar fora do país.
Embora não comente o caso publicamente, ao homologar as delações dos acionistas e executivos do Grupo J&F, Fachin citou expressamente decisão do plenário da Corte segundo a qual a homologação “limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador”.
O relator da Lava Jato grifou, em seu despacho, o trecho sobre a não realização de “juízo de valor” sobre os fatos delatados. Fachin ainda escreveu que “não cabe” ao Judiciário, “neste momento, a emissão de qualquer outro juízo quanto ao conteúdo das cláusulas acordadas”.
As menções são um indicativo claro do próprio relator sobre seu pensamento a respeito de benefícios acordados em delação firmada com o MPF. A Lei 12.850/13, que traz a regulamentação sobre a colaboração premiada, prevê que, na homologação, o juiz vai verificar a legalidade do acordo. Mas a eficácia do que foi delatado deve ser analisada na sentença que resultar de investigação feita com base na delação. Isso significa que é preciso, após as investigações, verificar se os fatos revelados se comprovaram e se o acordo surtiu efeito.
Na noite de terça-feira, dois ministros do STF defenderam publicamente esse entendimento ao participarem de um debate sobre delação premiada em Brasília. O ministro Marco Aurélio Mello afirmou enfaticamente que “quem fixa os benefícios é o Poder Judiciário”.
“O MP não julga. Quem julga é o Estado-juiz e não o Estado-acusador”, disse. Também presente ao evento, o único ministro do STF indicado pelo presidente Michel Temer, Alexandre de Moraes, defendeu que a fixação dos benefícios para os delatores só deve ser feita na fase final do processo, após ficar comprovado que o que foi dito pelos delatores de fato é verdade e foi essencial para desbaratar a organização criminosa.
Segundo ministros ouvidos, isso se aplica a qualquer acordo de delação premiada. Se a investigação não confirmar os fatos revelados em razão de problemas na delação, o delator pode ficar sem os benefícios previstos. O que foi dito e produzido em termos de provas continua sendo aproveitado pelo MPF.
Há consenso entre ministros ouvidos pelo Estado, no entanto, de que uma discussão sobre o tema não seria feita de uma hora para outra, mas sim após as investigações serem realizadas.
Com a imunidade penal, a PGR abre mão de apresentar denúncia contra os delatores. Para ministros, no entanto, isso não significa que eles não serão investigados uma vez que os desdobramentos da delação são objeto de inquéritos.
Nem todos os ministros do STF concordam com a revisão de benefícios. Um magistrado ouvido sob condição de anonimato disse ao Estado não vislumbrar qual instrumento jurídico poderia ser usado para dar início a esse debate na Corte.
Para esse magistrado, é papel do Congresso e não do STF regulamentar de forma mais clara o instrumento da delação premiada.
Nos bastidores, ministros destacam trechos da lei de organizações criminosas que apontam que “a sentença apreciará os termos do acordo e sua eficácia”. No parágrafo seguinte, a norma estabelece que, “ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial”.
Nos acordos firmados até hoje no âmbito da Operação Lava Jato, os procuradores têm negociado diretamente com as defesas de executivos as penas que serão impostas aos delatores. Segundo procuradores, a pena é um “parâmetro” para ser usado na fixação da pena.
Quando vivo, o ministro Teori Zavascki chegou a pedir que PGR fizesse alguns ajustes em determinadas colaborações, mas fez isso antes da homologação, não depois - caso dos acordos do deputado cassado Delcídio Amaral (ex-PT-MS) e do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa.
Mandado de segurança
O ministro Celso de Mello afirmou nesta quinta-feira que vai receber os representantes do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (Ibradd) na próxima semana e somente depois vai analisar o mandado de segurança da entidade que pede a anulação dos termos da delação premiada assinada pelos executivos da JBS. O documento recomendou ao STF que considere o acordo como inconstitucional. O Ibradd criticou “o conteúdo light e excepcionalmente benevolente e generoso do referido acordo de colaboração premiada”.
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