A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, nesta quarta-feira (13), que a Polícia Federal (PF) pode celebrar acordos de delação premiada. Em julgamento de ação que questionava o poder da PF de firmar esses acordos, 6 dos 11 ministros do STF se posicionaram favoravelmente à Polícia Federal. A sessão foi interrompida com o placar de 6 contra 1, e o julgamento deve ser retomado na quinta-feira (14). Mas, se nenhum ministro mudar de posição, o resultado já está definido.
Apesar de concordarem que a PF pode celebrar acordos de delação, cada ministro entendeu de forma diferente de que forma se daria essa atuação da PF e quais seriam as limitações impostas à Polícia.
O único voto divergente, até o momento, é o do ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo. Votaram a favor da PF os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli.
Sem poder estabelecer o perdão judicial
A polêmica envolvendo a competência de celebrar delações premiadas foi tema da pauta de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que alega competência exclusiva ao Ministério Público para fazer isso. No Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento, o ponto forte do debate se deu sobre a questão da concessão de benefícios para os delatores caso a Polícia Federal fosse autorizada a celebrar acordos.
Em resumo, surgiram as possibilidades de que, em a PF celebrando delações premiadas, seria excluída a possibilidade de se oferecer perdão judicial ao delator. Seria necessária a validação do Ministério Público e também a proibição em acertar a redução de pena.
Os argumentos da PGR contra a Polícia Federal
O julgamento começou com a manifestação da PGR. Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a competência de fechar delação é exclusiva do Ministério Público (MP).
“Não há dúvida de que esse instrumento é um dos principais responsáveis pelo avanço recentemente obtido no Brasil contra a corrupção, contra a atuação de organização criminosas. O MP estima que esse instrumento da colaboração premiada deve ser mantido e preservado como instrumento valiosíssimo da persecução penal notadamente desse tipo de crimes a que se refere a lei: os crimes de colarinho branco, praticados de forma dissimulada, entre quatro paredes, sob combinação e conluios ilícitos”, disse Dodge.
Ele afrimou que delegados da PF não são parte na relação processual e, portanto, não têm legitimidade recursal para impugnar decisão judicial que negue colaboração homologação, o que inviabiliza a corporação a firmar colaborações premiadas.
O que disseram os ministros do STF
Relator da ação no STF, o ministro Marco Aurélio pontuou que a capacidade de a PF realizar os acordos tem como objetivo o equilíbrio entre os poderes, acrescentando que a concentração de poder é “perniciosa” e “prejudicial ao bom funcionamento do estado democrático de direito”. Marco Aurélio afirmou ainda que a pretensão do Ministério Público é ter o monopólio das delações, o que não seria saudável.
Para o ministro Luis Roberto Barroso, a polícia deve ter atuação ampla na investigação, mas restrita na assinatura do acordo: “O delegado tem poderes limitados. Não pode, por exemplo, assinar acordo que preveja que o MP não irá oferecer a denúncia”. Em resposta, o relator Marco Aurélio pontuou que limitar o poder dos delegados retira o estímulo para os investigados colaborarem com a polícia.
O entendimento do ministro Barroso é que a Polícia Federal possa fechar delações, mas não feche redução de pena. “O que seja de sua competência a polícia pode negociar. Mas considero que redução de pena e definição de regime, por exemplo, não são figuras associadas à investigação”, ponderou o ministro.
“A colaboração premiada é um instituto em construção”, afirmou a ministra Rosa Weber, que entendeu que a polícia pode firmar delação premiada, mas a assinatura de acordo dependeria da anuência do Ministério Público.
O ministro Luiz Fux seguiu essa linha de raciocínio. “Se o MP não estiver de acordo, esta delação não pode ser homologada. É meio de prova e para apurar infração penal”, disse. O ministro ponderou durante o julgamento que não há nenhuma obrigatoriedade de que o acordo de delação seja feito só pelo Ministério Público e acrescentou que a polícia trabalha com delatores. E que, às vezes, sem delatores não é possível chegar a um determinado resultado.
O ministro Dias Toffolli defendeu que a delação é um meio de obtenção de prova e que, diante dessa premissa, a polícia tem autoridade para trabalhar com o instituto. Toffolli traz no voto várias citações ao modelo norte-americano em se celebrar acordos de delação e aponta críticas ao sistema brasileiro, que atua com um “modelo misto”.
“Estamos vivenciando no Brasil uma colaboração premiada tal qual nós vivenciamos ao longo da história o controle de constitucionalidade. Nós começamos por um modelo e depois adicionamos outro”, ponderou Toffolli. À polícia não compete negociar as sanções, mas não é vedado a polícia fechar acordos, entendeu o ministro. E frisou: “O acordo será submetido aos limites do juiz”.
Durante o julgamento, o relator da Lava Jato, Luiz Edson Fachin foi o único a votar contra a PF. Ele afirmou que é função do Estado celebrar acordo de delação premiada e questionou: “A discussão é quem representa o Estado. Qual órgão?”. Para ele, apenas o MP.
Delações fechadas pela PF estão paradas
Na prática, a questão debatida no STF deverá dar desfecho a delações que estão paradas aguardando uma decisão do Supremo.
Nos últimos meses, a Polícia Federal chegou a fechar delação com o publicitário Duda Mendonça e com o operador e condenado no mensalão Marcos Valério. Ambos até tentaram celebrar um eventual acordo com o Ministério Público, mas os procuradores rejeitaram as propostas.
O caso de Duda está parado no gabinete de Fachin, relator da Lava Jato no STF, que preferiu aguardar uma definição do Supremo sobre a competência ou não da polícia em celebrar esse tipo de acordo. Segundo interlocutores, Fachin teve essa postura a fim de não criar uma insegurança jurídica sobre a questão.
Já a proposta de delação de Valério está com a presidente do STF, Carmen Lúcia, e não há indicações se ela dará validade ou não no recesso do tribunal.
A PF já celebrou delação e STJ homologou
Em defesa da competência da PF em celebrar esse tipo de acordo, policiais que atuam em casos de prerrogativa de foro junto a cortes superiores recordam do que aconteceu na Operação Acrônimo, em que o relator no Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi o ministro Herman Benjamin. A Operação Hidra de Lerna, deflagrada outubro de 2016, sob autorização do ministro Benjamin como desdobramento da Operação Acrônimo, marcou uma abordagem própria da Polícia Federal, e que acabou sendo reconhecida pelo STJ, sobre o instituto da delação premiada.
Ante a resistência da PGR em permitir esse tipo de celebração pela PF e a indefinição do cenário, o ministro responsável pelos inquéritos da Acrônimo, Herman Benjamin, decidiu por considerar válidos os acordos feitos pela PF, levando em conta três aspectos: a legalidade, a regularidade e a voluntariedade dos investigados em fazer o acordo. “Um delegado colhe informações e segue para as investigações, e os efeitos da delação só depois que for comprovada sua eficácia”, diz um delegado que atuou nas tratativas do assunto junto ao STF.
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