A discussão sobre limitar o foro privilegiado – iniciada em maio deste ano – foi novamente interrompida, desta vez por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Embora o ministro tenha pedido mais tempo para analisar a pauta, o Supremo Tribunal Federal (STF) já formou maioria em julgamento nesta quinta-feira (23) e entendeu que os políticos só terão direito ao foro privilegiado se o crime do qual forem acusados tiver sido cometido no exercício do mandato e for relacionado ao cargo que ocupam.
Os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia (presidente da Corte), Edson Fachin (relator da Lava Jato), Luiz Fux e Celso de Mello acompanharam o voto do relator, o ministro Luis Roberto Barroso, a favor de limitar o alcance do foro privilegiado para autoridades.
O único ministro a ter um voto discordante foi Alexandre de Moraes. Ele divergiu em parte do entendimento do ministro Barroso e defendeu o foro para todos crimes ocorridos durante o mandato. Moraes, que já tinha pedido mais tempo para analisar o assunto no julgamento iniciado em 1º de junho, propôs um meio termo na discussão sobre o foro privilegiado. “Entendo que o foro se aplica a todas infrações penais comuns praticadas por detentores de mandatos eletivos a partir da sua diplomação”. Mas até agora ele foi voto vencido. Como a finalização do julgamento foi adiada para outra data com o pedido de mais tempo de Toffoli, em teses os ministros podem mudar o voto até lá.
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Para Alexandre de Moraes, a Constituição não faz diferenciação para parlamentares como para o presidente da República, que só pode ser processado durante o mandato por crimes relacionados à função. Moraes, dessa forma, propôs a retirada do foro para crimes cometidos antes do mandato, mas que se mantenha para todos os delitos durante o mandato.
Ou seja, o magistrado defendeu a tese de que a Constituição Federal é clara ao dizer que cabe ao STF julgar presidente, vice, membros do Congresso e ministros de Estado. Entretanto, só valeria para os crimes perpetrados do início ao fim do mandato, sendo que os anteriores deveriam ser investigados na 1ª instância.
Usando um termo repetidamente de “elevador processual” – já usada pelo ministro Marco Aurélio em outros momentos –, Moraes também citou os problemas e desafios da Justiça de primeiro grau no Brasil, e chegou a tecer uma série de elogios à celeridade da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato. Mas pontuou que o juiz Sérgio Moro e os procuradores da operação trabalham em situação “especialíssima” se for considerado o volume de casos de combate à corrupção, por exemplo.
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Ainda durante o voto de Moraes, o ministro Gilmar Mendes pediu a palavra para pontuar sobre os problemas da Justiça de primeiro grau. “Temos um quadro extremamente caótico no funcionamento da Justiça criminal”, desabafou. “Fico imaginando determinados políticos sendo julgados por juízes de seus estados. A ministra Eliana Calmon fez denúncia dizendo que ações de improbidade não andavam naquele estado”, afirma Gilmar ao afirmar que o problema não está no foro, mas na ineficiência da Justiça Criminal do país.
Após Moraes, quem se manifestou foi o ministro Edson Fachin. O relator da Lava Jato acompanhou integralmente o relator e afirmou que o foro privilegiado só pode valer para crimes cometidos durante o exercício do mandato e que digam respeito ao exercício da função. Luiz Fux também a mesma linha e acompanhou integralmente a manifestação do relator Barroso.
Pedido de vista
Toffoli disse que o fato do Supremo ter indicado que discutiria o tema do foro privilegiado fez com que o Congresso se movimentasse e deliberasse sobre o assunto, uma vez que há proposta de emenda constitucional que já foi remetida à Câmara e foi enviada para comissão especial.
Antes de dar início ao voto, Toffoli e Gilmar Mendes expuseram sobre abertura de inquéritos e seus desdobramentos, principalmente na Suprema Corte. “A questão das investigações é muito séria. Os inquéritos se eternizam por questão muito singela: muitas vezes abre-se investigação sem lá muito critério. E depois não tem coragem cívica de encerrá-los”, ponderou Gilmar.
Toffoli defendeu a atuação do Supremo após quase 30 minutos para fazer um balanço de resultados do próprio gabinete. “Este tribunal trabalha, este tribunal investiga. Citei os números do meu gabinete, falei sobre isso para rebater a mentira de que há impunidade nesse tribunal”, resumiu.
Indagado por Toffoli sobre o entendimento de aplicação do foro privilegiado, Barroso respondeu: “No caso de parlamentares federais só haverá foro no STF em relação a fatos praticados no cargo e em razão do cargo. Portanto, se não era deputado federal no caso, não cabe o foro”. Toffoli voltou a repetir frase utilizada por Marco Aurélio, de que o uso da prerrogativa de foro não pode virar um “elevador processual” na justiça.
Mesmo com o pedido de mais tempo solicitado por Toffoli, o ministro Celso de Mello resolveu se antecipar e expor o voto sobre a restrição da prerrogativa de foro privilegiado. Para ele, ao pluralizar de modo excessivo as hipóteses de foro, a Constituição incidiu em verdadeiro paradoxo institucional: “A Constituição, pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamento aristocrática”.
De forma crítica, o decano do STF recorda que mais de 800 agentes públicos estão sob a jurisdição do STF atualmente. Para o ministro a tendência mundial é restringir o foro privilegiado, “com exceção da Constituição bolivariana da Venezuela, que, assim como a brasileira, pluralizou de maneira excessivas as hipóteses de foro”. Celso de Mello afirma que não há razão para “temer a primeira instância”:. E refere-se, de certa forma, a Gilmar Mendes: “atuei por 20 anos como membro do MP de primeiro grau. Atuei perante juízes de primeira instancia e posso atestar a seriedade e independência com que esses agentes atuam”.
O ministro Ricardo Lewandowski está de licença médica e, portanto, não participou da sessão.
Enxurrada de ações
A mudança no alcance do foro privilegiado pode levar 90% dos processos penais no Supremo para outras instâncias, inclusive inquéritos da Operação Lava Jato.
Atualmente o Supremo tem 531 inquéritos e ações penais contra autoridades com foro. Mas esse quantitativo não leva em consideração casos sigilosos, uma vez que não são contabilizados pela Corte. Em três anos e meio de Lava Jato, por exemplo, na justiça de primeira instância, já são mais de 120 casos de condenação. Um estudo do Senado Federal aponta que há, no Brasil, aproximadamente 54 mil com prerrogativa de foro, ou seja, praticamente todos com mandato eletivo ou cargo político nos estados e municípios, e também juízes.
O caso concreto que levou o Supremo a pautar o assunto envolve a restrição de foro do atual prefeito de Cabo Frio (RJ), Marcos da Rocha Mendes. Ele chegou a ser empossado como suplente do deputado cassado Eduardo Cunha, mas renunciou ao mandato parlamentar para assumir o cargo no município. O prefeito responde a uma ação penal no STF por suposta compra de votos, mas, em função da posse no Executivo municipal, o processo foi remetido para a Justiça.
Na quarta-feira (22), às vésperas de STF retomar as discussões sobre o assunto, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe o foro aos presidentes da República (e o vice), da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal.
Para os ministros do Supremo, as decisões do tribunal sobre extensão do foro e a PEC que acaba com foro para a maioria dos cargos não são contraditórias. Caso STF e parlamentares decidam de modo diferente sobre o foro privilegiado, vale a mudança determinada pelo Congresso.
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