Em uma derrota da Operação Lava Jato, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que a condução coercitiva para interrogatório é inconstitucional e fere o direito do investigado de ficar em silêncio e de não produzir provas contra si mesmo. O procedimento vinha sendo amplamente utilizado pela Polícia Federal até o fim do ano passado, quando o ministro Gilmar Mendes barrou a medida em caráter liminar.
O STF também decidiu não anular interrogatórios que tenham ocorrido mediante condução coercitiva até a data do julgamento concluído nesta quinta-feira (14). Em 2016, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi interrogado dessa maneira em uma sala da PF no Aeroporto de Congonhas.
O plenário analisou o mérito de duas ações que contestavam a prática protocoladas pelo Partido dos Trabalhadores e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O placar final da votação – 6 votos a 5 – evidenciou mais uma vez a divisão interna existente na Corte.
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Votaram contra a legalidade do interrogatório à força os ministros Gilmar Mendes (relator do caso), Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. A favor do procedimento se posicionaram Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e a presidente do STF, Carmen Lúcia.
Gilmar, Toffoli, Lewandowski e Marco Aurélio enfatizaram em seus votos um ponto em comum: que um sistema penal punitivista afeta também pessoas pobres, e não só políticos corruptos. “A legislação não se aplica somente àqueles envolvidos em possível prática de corrupção, não se aplica somente ao crime do colarinho branco. Não são apenas esses que são conduzidos [pela polícia]. São os envolvidos em geral em prática criminosa. Queremos no Brasil dias melhores? Queremos todos nós. Mas não podemos partir para o justiçamento, sob pena de não ter-se mais segurança jurídica, vivendo a sociedade a sobressaltos”, disse Marco Aurélio.
Ao votar, Lewandowski louvou a “jurisprudência garantista” da corte e mencionou decisões recentes nesse sentido, como o habeas corpus que liberou da prisão mulheres grávidas que cometeram crimes de menor potencial ofensivo.
“É chegado o momento em que o Supremo, na tutela da liberdade de locomoção, impeça interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental de ir e vir e contra a garantia do contraditório, da ampla defesa e da não autoincriminação”, afirmou Toffoli.
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Na semana passada, quando o julgamento começou, Gilmar classificou as conduções coercitivas de “novo capítulo da espetacularização da investigação que ganhou força no país”. “Combate à corrupção tem que ser feito nos termos estritos da lei. Quem defende direito alternativo para combate à corrupção já não está no Estado de direito”, sustentou.
Votos vencidos
Moraes, Fachin, Barroso e Fux votaram pela legalidade do instrumento, ressaltando que deve ser garantido ao investigado o direito de ficar em silêncio e de ser assistido por seu advogado.
O voto de Moraes foi mais restritivo. Para ele, a condução coercitiva para interrogatório só é permitida quando o investigado tiver sido intimado previamente e não tiver comparecido.
Já Fachin, Barroso e Fux admitiram essa hipótese e, além dela, que a condução pode ser empregada em substituição às prisões cautelares (temporária ou preventiva) -tipo de uso que foi comum nas operações da Lava Jato sob responsabilidade do juiz Sergio Moro. O argumento dos ministros era que, em benefício do suspeito, o juiz poderia trocar uma medida mais gravosa (prisão) por outra menos gravosa (condução) se entendesse ser suficiente para a investigação.
“Compreendo possível e constitucionalmente adequada a condução coercitiva [...] sempre que for em substituição a uma medida cautelar mais grave, como a prisão temporária ou preventiva, por conveniência da instrução penal”, afirmou Fachin, relator da Lava Jato no STF, legitimando as práticas da operação.
Essa posição, contudo, foi vencida. Fachin e Barroso disseram, ao votar, que há um discurso corrente em prol da manutenção de um sistema penal leniente com crimes de colarinho branco que vem disfarçado de preocupação com os direitos dos mais pobres.
“Entendo ser o sistema criminal no Brasil notadamente injusto e desigual. Há rigor excessivo contra uma parcela desabastada da população e injustificada leniência quando criminosos estão às voltas com práticas de corrupção”, declarou Fachin. O “surto de garantismo”, na verdade, “é um mal revestido de bem”, afirmou Barroso.
Agentes da Lava Jato dizem acreditar que, com o fim desse instrumento, o número de prisões temporárias deve aumentar.
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