Em nota divulgada na sexta-feira, seis membros do Conselho Superior do Ministério Público Federal manifestaram “extrema preocupação” com inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal para investigar uma série de ofensas a ministros da corte enviadas em correntes de WhatsApp, além de críticas postadas nas redes sociais por integrantes da Operação Lava Jato. O jornal O Estado de S.Paulo apurou que o inquérito não cita nomes, mas entre os alvos estão os procuradores Deltan Dallagnol e Diogo Castor, além de auditores da Receita Federal. Os conselheiros dizem que a corte não é competente para conduzir investigações, e pedem para que o inquérito seja enviado ao MPF.
O comunicado foi divulgado no mesmo dia em que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, questionou o STF sobre quem são os investigados. Os conselheiros Célia Delgado, Nicolao Dino, Ela Castilho, Luiza Frischeisen, Nivio de Freitas e Hindemburgo Chateaubriand afirmam que “membros do Ministério Público só podem ser investigados, em aspecto criminal, pelo próprio Ministério Público, em face de sua autonomia funcional, como previsto em suas leis orgânicas”. Eles dizem que “manifestações de membros do MP, membros do Congresso Nacional e cidadãos em geral, protegidas pela liberdade de expressão”, não podem ser “investigadas como se constituíssem crime”.
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O pedido do presidente do STF, Dias Toffoli, também foi criticado pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Em nota, a entidade diz que é prerrogativa do MP “o direito fundamental da liberdade de expressão”. “Ninguém deve ser punido por ser duro, ácido ou agudo nas críticas, nem por expressar aquilo que pensa.”
Toffoli
Um dia após anunciar a abertura de inquérito para investigar fake news, ofensas e ameaças dirigidas a integrantes do Supremo Tribunal Federal, o presidente da corte, Dias Toffoli, disse que a tecnologia voltada para destruir a honra será combatida a todo custo. “Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível”, afirmou Toffoli ao jornal O Estado de S. Paulo. “Isso está atingindo todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia.”
O tema também fará parte do cardápio do almoço deste sábado entre os chefes dos três Poderes. A ideia foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que convidou para o encontro o presidente Jair Bolsonaro, Toffoli e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de ministros. O presidente do Supremo pretende reforçar ali sua proposta de um “pacto entre os poderes” para votar reformas consideradas fundamentais, como a da Previdência e a tributária.
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A escalada de agressões enviadas principalmente em correntes de WhatsApp e postagens no Twitter e Facebook preocupa a corte em um momento de crescente tensão política. No Senado, um grupo articula a criação da “CPI da Lava Toga”, a fim de investigar possíveis excessos cometidos por tribunais superiores.
“Os ataques às instituições que vitimizam todos, incluindo a imprensa séria, são verdadeiros atentados ao Estado Democrático de Direito”, insistiu Toffoli. “Judiciário independente e imprensa livre são as bases da democracia. Foi assim que os Estados Unidos foram construídos.” Para o ministro do STF Gilmar Mendes, as “milícias digitais” não são amadoras. “Precisamos melhorar o sistema de defesa a esses ataques industrializados”, comentou ele. Durante a sessão de quinta-feira no STF, no entanto, Mendes também fez ataques agressivos, referindo-se a procuradores da Lava Jato com termos como “gângster”, “gentalha” e “cretinos”.
Uma das suspeitas que devem ser investigadas agora pela corte é a possibilidade de haver um movimento internacional sustentando as agressões nas redes sociais, com o objetivo de desestabilizar o país. “Pode ser, eventualmente, uma hipótese para atender a indústria bélica, que há muitos anos não tem uma grande guerra como cliente”, argumentou Toffoli.
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A ofensiva contra o Supremo recrudesceu às vésperas do julgamento que representou uma derrota para a força-tarefa da Lava Jato. Por seis votos a cinco, a corte decidiu que crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que estejam ligados à prática de caixa 2 devem ser julgados na Justiça Eleitoral. A Procuradoria-Geral da República e os procuradores da Lava Jato queriam que as investigações ficassem a cargo da Justiça Federal.
Em um movimento lançado quase ao mesmo tempo em que aliados de Bolsonaro defendiam nas redes a reforma da Previdência, o STF foi alvo de todo tipo de xingamento. Mensagens pregando intervenção e fechamento da corte, além da hashtag #atogacontraopovo, passaram a ser comuns, principalmente no WhatsApp.
Conduta
Sob sigilo, embora sem a justificativa que embasasse o segredo, o inquérito determinado por Toffoli terá como relator o ministro Alexandre de Moraes e vai investigar até a conduta de procuradores da Lava Jato, como Dallagnol e Castor. Mas a investigação do STF é vista por procuradores como uma forma de intimidar o Ministério Público. Ainda na sexta-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou informações sobre o inquérito a Moraes. Na sua avaliação, o caso tem potencial para comprometer a imparcialidade do Judiciário, já que a função de investigar não faz parte da competência do Supremo. “Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição”, afirmou ela.
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Toffoli rebateu e disse que, além de haver previsão regimental para abertura do inquérito, o Código de Processo Penal estabelece que toda investigação deve ser supervisionada por um juiz. O ministro lembrou, ainda, que na época das eleições a Polícia Federal instaurou procedimento para investigar a disseminação de fake news referentes a candidatos à Presidência. Na ocasião, o pedido para apurar a existência de um esquema empresarial para interferir na disputa foi feito pela própria procuradora-geral. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também chegou a abrir processo sobre o assunto.
“Depois que foi aberto o inquérito, a propagação de notícias fraudulentas cessou. No segundo turno não houve mais nada”, observou Toffoli, para quem a investigação também tem caráter pedagógico. “Não dá para aceitar esse tipo de coisa. Além das instituições e da sociedade como um todo, ao fim e ao cabo é a população pobre que acaba sofrendo mais as consequências.”