O governo federal pode ser obrigado a destinar uma fatia fixa de sua arrecadação para um fundo específico, que financiaria ações de segurança pública em estados e municípios. Essa é a ideia de uma proposta de emenda à Constituição que está pronta para ser votada pelo plenário do Senado e recebeu apoio de secretários estaduais de segurança. Seria uma espécie de “SUS da Segurança”.
A PEC 24 cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Segurança Pública (FNDSP). A principal novidade é a determinação de que esses recursos não dependam do Orçamento federal, obrigando a injeção de verbas nesse fundo – assim como já é feito nas áreas da saúde e da educação.
O projeto prevê a destinação de percentuais da arrecadação de tributos do próprio setor de segurança e defesa, como da indústria de armamento e material bélico, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS) – este último pago pelas empresas de segurança privada aos municípios.
Também gerariam receitas para o fundo os leilões judiciais de bens e mercadorias de origem ilícita, oriundas do crime (a PEC define que metade da arrecadação desses leilões deverá ir para o fundo). Os percentuais de cada imposto a serem destinados ao fundo ainda não foram definidos, o que poderia ser feito por lei posteriormente.
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A PEC também propõe unificar as ações na área de segurança, o que hoje é falho ou inexistente no país. Estudo do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, publicado em junho deste ano, aponta que a Constituição não traz claramente as atribuições de cada ente sobre segurança pública.
“Esse vácuo facilita a adoção de agendas próprias, por parte das organizações policiais, nos estados e municípios. Do ponto de vista da integração organizacional, não se pode falar em um ‘sistema’, apesar dos esforços federais para criar um. União, estados e municípios não conversam e não trocam informações entre si, e as políticas são implementadas divorciadas do estoque de conhecimento disponível”, aponta o estudo Desarmamento: o que ele tem a ver com vigilantes, prisões lotadas, tribunais congestionados e pequenos traficantes de drogas?
No passado, outras iniciativas parecidas foram lançadas, com objetivo de unificar as ações da segurança pública, mas não deram certo, como o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado em 2007, e o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), lançado em 2003, que sofreu com falta de verbas. Agora volta à pauta, em um projeto do Senado.
“Os governos sempre foram omissos em relação à segurança do cidadão. Se dizem responsáveis pela proteção da segurança do país, mas dos brasileiros não. Conclusão: não fomos invadidos, mas temos uma guerra interna. No ano passado, a violência bateu recorde. E o governo federal está inerte”, afirma o autor do projeto, o senador João Capiberibe (PSB-AP).
A proposta de emenda não é nova, mas combina com o atual momento do Congresso, que busca projetos de temas próximos aos anseios da população. A PEC foi criada em 2012 e três anos depois foi abarcada pela Agenda Brasil, conjunto de propostas do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que buscava no final daquele ano lançar uma agenda em parceria com o Congresso, de reformas e modernizações de marcos legais.
Carimbar os recursos não aumenta o bolo
Se por um lado a previsão de recursos fixos e intocáveis para a segurança pública pode aumentar as ações de prevenção e combate a crimes que afetam a população, por outro isso vai retirar recursos de outras áreas. A arrecadação federal continuará sendo a mesma, sejam os recursos dos impostos “carimbados” para uso em projetos específicos ou não.
“Vincular receitas nunca é a melhor opção, em termo de orçamento público. Depois você vai ter de estruturar isso e acaba engessando a execução e utilização desse recurso. Além disso, se o orçamento for reduzido, fica difícil de implementar essa medida. Precisaríamos ter planejamento de médio e longo prazo e um fluxo garantido. Não consideramos que a vinculação resolveria o problema de segurança pública no país”, afirma Cassio Thyone Rosa, presidente do Conselho Administrativo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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Para estados e municípios, a ideia pode ser boa, com a certeza de recebimento de recursos na mesma proporção de arrecadação do setor bélico. Com a criação de um fundo constitucional, esses valores não poderiam ser limitados pelo Orçamento, seguindo as obrigações do teto de gastos ou que podem ser contingenciados pelo governo federal.
“O que a PEC busca é responsabilizar o governo federal para que defina uma política nacional de segurança publica, se responsabilize em chamar os estados a definir uma política de segurança pública”, diz o senador autor da proposta.
Fundos existem, mas faltam recursos
Hoje já existe um Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). A diferença é que não tem previsão constitucional e depende de recursos do Orçamento. De acordo com o Ministério da Justiça, o objetivo do FNSP é “apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência, enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do governo federal”, atuando por meio de um Conselho Gestor que apoia projetos na área de segurança pública. Estados e municípios, por meio de suas polícias, submetem projetos ao FNSP, que os aprova e destina os recursos.
Neste ano, o Fundo Nacional de Segurança Pública tem previsão de receber R$ 1 bilhão. Mas desse valor, previsto para 2017, foram pagos apenas R$ 296 milhões até outubro. No ano passado, dos R$ 469 milhões planejados, foram efetivamente desembolsados R$ 324 milhões.
É caro planejar e executar ações de segurança pública. O 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Nacional de Segurança Pública, aponta que o Brasil gastou aproximadamente R$ 76 bilhões com segurança pública em 2015 (policiamento, defesa civil, informação e inteligência, entre outros), o que representa um gasto per capita de cerca de R$ 372.
O senador afirma que atualmente os representantes do governo evitam discutir o assunto, que desde 13 de setembro está na pauta do plenário, mas não é debatida nem votada.
“O governo federal está inerte. A PEC 24 sofre obstrução permanente do governo”, disse Capiberibe. “Nós precisamos de uma decisão do governo. Se ele se opuser, com a maioria que tem, a PEC não passa. O único óbice hoje (à votação) é a oposição intransigente do governo que nem quer discutir. Se há crítica, que se coloque e se substitua esse projeto. O que não se pode é deixar a sociedade brasileira largada, abandonada, sob a tutela dos estados, que cada um faz sua política de segurança pública e enveredaram para formar um exército para combater a violência urbana provocando mais violência, o que não leva a nada”, avalia o senador.