Em um Brasil de realidade sangrenta, São Paulo parece um oásis de segurança – ao menos no que diz respeito à quantidade de homicídios. Dados preliminares do Datasus, relativos a 2016, apontam que o estado é o único em todo país que possui taxa de assassinatos dentro do nível considerado “aceitável” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O índice paulista, de 9,5 mortes violentas a cada 100 mil habitantes, é 2,7% menor do que o registrado em 2015. Fica, além disso, bem abaixo do valor registrado para o Brasil todo, de 28,1 homicídios por 100 mil habitantes.
O bom resultado acompanha a tendência registrada no estado desde os anos 2000. Entre o início do século e 2016, a queda no número absoluto de homicídios foi de 73%. Os dados preliminares do Datasus apontam para 4.238 mortes violentas no último ano do intervalo – número bem inferior aos 15.641 do início do período.
INFOGRÁFICO: Veja a curva descendente da taxa de homicídios no estado de São Paulo
“É incontestável que os casos de homicídio têm diminuído no estado ao longo dos anos. As duas fontes de dados sobre isso – da segurança pública e da saúde – mostram a mesma curva”, diz André Zanetic, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo).
Os motivos para a redução, entretanto, não são consenso entre os estudiosos do tema. Um ponto sobre o qual os pesquisadores parecem concordar é que a redução não pode ser atribuída a um único fator. De um lado, aparecem iniciativas do poder público que contribuíram para o resultado. “A partir dos anos 2000 houve um aumento no número de casos de assassinato resolvidos pela polícia, ocasionando a prisão dos homicidas”, explica Zanetic.
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Além do fortalecimento do setor de investigação da polícia, a maior apreensão de armas de fogo e o esforço das secretarias municipais em enfrentar o problema – que é, usualmente, da alçada dos governos do estado e federal – também têm relação com a queda na quantidade de assassinatos. Mais um fator importante é de ordem demográfica: a diminuição do número de jovens, que são as principais vítimas dos assassinatos do país.
Outra questão relevante, entretanto, não se relaciona a políticas públicas, mas aos próprios criminosos. Ator determinante nesse cenário é a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), que domina o tráfico de drogas em São Paulo. “Há muitos relatos, que vêm das comunidades e dos próprios policiais, de que essa organização controla ações violentas mais extremas”, afirma o pesquisador.
Apesar do argumento ser refutado oficialmente pelas autoridades, a hipótese ganha força justamente se relacionada à maior eficiência da polícia nas investigações. Com maior risco de prisão, a ordem pode ter sido primar pela cautela em relação a assassinatos. “Não por bondade, mas porque muitos homicídios atrapalham os negócios”, afirma Zanetic.
Passado sangrento
O cenário que se estabeleceu a partir dos anos 2000 contrasta significativamente com o vivido pelos paulistas no final do século passado. Em 1996, um dos bairros de São Paulo, o Jardim Ângela, foi considerado o distrito mais violento do mundo pela ONU (Organização das Nações Unidas). Naquele ano, a média era de 22 homicídios por mês na região, que fica na Zona Sul da capital.
Os bons resultados com relação aos homicídios não significam, no entanto, que a realidade vai bem no que diz respeito à segurança pública. Crimes contra o patrimônio, por exemplo, representam um dos desafios enfrentados pelo estado.
“Nos anos 1990, o problema dos homicídios se agigantou para a população – e também para os governantes, que tinham de lidar politicamente com o alto número de mortes. Com isso, houve um esforço dos governos em enfrentar o tema. Outros tipos de crime, porém, não receberam tanta atenção e vêm crescendo nos últimos anos”, explica o pesquisador da USP.
Em outras regiões do país, por outro lado, os demais crimes se somam, na maior parte dos estados, a um aumento no número de assassinatos. Segundo os dados preliminares do Datasus, quase 58 mil pessoas morreram em todo o Brasil em 2016.