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 | Ilustração: Osvalter Urbinatti/Gazeta do Povo
| Foto: Ilustração: Osvalter Urbinatti/Gazeta do Povo

A corrupção no Brasil nunca esteve tão escancarada como nesta semana, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) levantou o sigilo das delações dos executivos da Odebrecht. Os depoimentos mostram como a empreiteira e diversos políticos do país se uniram em uma teia de corrupção que não tinha cor partidária e abrangia governos municipais e estaduais, além do governo federal.

Na esfera federal, as delações colocam contra a parede o núcleo duro do governo do presidente Michel Temer (PMDB), com nove ministros sob investigação. Ministros importantes para o presidente, como Eliseu Padilha e Moreira Franco passam a responder inquéritos no STF, assim como o alto escalão do Congresso Nacional, incluindo os presidentes da Câmara Rodrigo Maia (DEM) e do Senado Eunício Oliveira (PMDB), o líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB), entre outros.

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Ex-ministros dos governos Lula e Dilma, assim como os dois ex-presidentes, também são citados nos depoimentos que vieram a público. Marcelo Odebrecht relata, por exemplo, encontros com a ex-presidente Dilma e ministros do alto escalão do governo petista, além de uma série de benefícios em favor do ex-presidente Lula. Benfeitorias no sítio em Atibaia, repasses ao Instituto Lula, pagamento por palestras, mesada para o irmão de Lula e outros “favores” são detalhados pelos executivos da maior empreiteira do país.

A teia de corrupção da Odebrecht mostra que a empreiteira tinha influência em obras públicas federais, estaduais e até municipais, além de leis aprovadas no Congresso Nacional. Uma relação promiscua com políticos de todas as partes do país, independente de cor partidária.

Obras públicas

Até o momento a Lava Jato havia escancarado um grande esquema de corrupção dentro da Petrobras. As investigações da força-tarefa mostraram que as grandes empreiteiras do país se uniram em um cartel para obtenção de obras na estatal e parte do dinheiro ganho através dos contratos era repassado a agentes públicos e ajudava a financiar campanhas políticas.

A partir dos depoimentos que vieram à tona nessa semana, porém, ficou claro que a Petrobras não foi a única atingida pelo escândalo. Através dos depoimentos é possível identificar uma lista de dezenas de obras públicas em pelo menos 16 estados brasileiros em que houve irregularidades, espalhadas de norte a sul do país. [Veja o infográfico ao lado]

O ex-ministro Paulo Bernardo, por exemplo, teria cobrado propina para beneficiar a Odebrecht em uma obra cujo contrato correspondia a R$ 323,9 milhões. A obra em questão é a construção da linha 1 da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb ), na ligação entre Novo Hamburgo e São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. O deputado federal Marco Maia (PT-RS) e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha também teriam cobrado propina pela obra.

Os delatores também detalham como a Odebrecht conseguiu aprovação pela Previ (Fundo de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) da aquisição de participação em uma torre comercial e shopping center no empreendimento “Parque da Cidade”, na capital paulista. Um inquérito aberto pelo ministro Edson Fachin no STF investiga o ex-ministro Guido Mantega, os deputados federais Carlos Zarattini (PT-SP) e João Carlos Bacelar Filho (PTdoB-SP), além do ex-deputado federal Cândido Vaccarezza por terem recebido propina da Odebrecht no caso.

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Atuação legislativa

As obras públicas não eram o único interesse da Odebrecht no relacionamento construído com políticos em Brasília. Políticos de 13 dos 27 partidos que compõe o Congresso Nacional passaram a ser investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) por terem recebido recursos ilegais em campanhas eleitorais.

Parlamentares de três partidos políticos – PSDB, PMDB e DEM – foram citados em inquéritos abertos no STF por terem supostamente sido beneficiados pela empreiteira como contrapartida por atuação para aprovação de medidas provisórias de interesse da Odebrecht no Congresso Nacional.

“Mesmo que o compromisso não tivesse sido acertado explicitamente na hora, é óbvio que se um deputado ou senador atuou em favor de uma medida provisória, mesmo que ele não tenha dito que demandaria um recurso por conta daquela medida, criou uma expectativa. E lá na frente ele ia cobrar”, disse Marcelo Odebrecht em um dos depoimentos. “Mesmo que você não tenha fechado o compromisso na hora, você tem um compromisso moral e o cara criou uma expectativa”, completou.

Mesmo que o compromisso não tivesse sido acertado explicitamente na hora, é óbvio que se um deputado ou senador atuou em favor de uma medida provisória, mesmo que ele não tenha dito que demandaria um recurso por conta daquela medida, criou uma expectativa. E lá na frente ele ia cobrar.

Marcelo Odebrechtdelator.

O patriarca da empresa, Emílio Odebrecht, relata, por exemplo, a pressão que fez para que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) assinasse a MP da Leniência. A proposta mudaria as regras dos acordos de leniência – abriria a possibilidade de celebração de acordos diretamente com a Controladoria-Geral da União, sem obrigatoriedade de participação do Ministério Público.

Atuação nos estados

Rodovias, obras no metrô, construção de usinas, obras de saneamento, estádios, portos e aeroportos estão na grande lista de obras mencionadas pela Odebrecht que geraram algum tipo de contrapartida a políticos.

Em 2012, por exemplo, a Odebrecht doou para a campanha de dois candidatos a Prefeitura de Porto Ferreira, em São Paulo, com o objetivo de conseguir um contrato de concessão de água e esgoto no município. A então candidata Renata Braga (PSDB) teria recebido R$ 100 mil para a campanha e o candidato Saldanha Leivas Cougo (PT), R$ 200 mil. O caso foi remetido à Procuradoria Geral da República em São Paulo para investigação.

“A estratégia era financiar todos os potenciais ganhadores, inclusive na mesma campanha”, observa o cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Fabrício Tomio. “Mostra que é uma estratégia da empresa, não parece que ela tenha sido coagida a fazer isso”, completa.

Corrupção sistêmica

O governo PT não foi o único atingido pelas delações da Odebrecht. Os depoimentos atingiram os cinco ex-presidentes da República vivos: Dilma Rousseff (PT), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Fernando Collor (PTC) e José Sarney (PMDB). A delação também atingiu 12 governadores – entre eles, o do Paraná, Beto Richa (PSDB).

Os executivos também delataram caixa dois para diversas campanhas à Presidência da República, incluindo os candidatos eleitos Lula e Dilma Rousseff, do PT e o tucano Fernando Henrique Cardoso. Aécio Neves, José Serra e candidatos “nanicos” também teriam recebido repasses, segundo os delatores.

“O que nós temos no Brasil não é um negócio de cinco anos, dez anos. Nós estamos falando de 30 anos”, disse Emílio Odebrecht. “Os partidos colocavam seus mandatários com a finalidade de arrecadar recursos para os partidos, para os políticos. E isso é há 30 anos que se faz”, completou o patriarca do grupo.

O que nós temos no Brasil não é um negócio de cinco anos, dez anos. Nós estamos falando de 30 anos.

Emílio Odebrechtdelator.

Agenda no governo

Em um dos depoimentos em que descreve seu relacionamento com o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, Marcelo Odebrecht diz que as demandas da empresa não eram ilícitas, mas admite que só tinha um bom relacionamento com o governo federal por ser “um grande doador”.

“Você cria uma relação que é errada, uma relação que não deveria precisar, porque o empresário está levando coisas, se você pegar minha agenda com o Guido, eu não pedia nada a ele que não fosse correto. O errado está em que eu tinha acesso a ele e tinha a priorização dele baseado em ser um doador. Isso que é a grande ilicitude. A gente acaba racionalizando que como nosso pedido é legítimo, é uma coisa que é legal, a gente acaba racionalizando de uma maneira errada”, disse Marcelo.

Pagamentos

A Odebrecht chegou a criar um setor especializado no pagamento de propina a agentes públicos e políticos. O Setor de Operações Estruturadas foi criado com a finalidade de centralizar os pagamentos no exterior, de forma mais segura.

Segundo o depoimento do executivo Hilberto Silva, “no segundo semestre de 2006, Marcelo Odebrecht, ainda como presidente da Construtora, tinha um plano de crescimento arrojado para a organização com o consequente aumento significativo do volume de propina que a Odebrecht pagava até então”.

Antes de o setor existir, segundo Silva, os pagamentos eram feitos através de doleiros, em um volume de US$ 60 milhões por ano.

As causas do problema...

Vários motivos podem explicar a proporção que a teia de corrupção da Odebrecht tomou no Brasil. Os relatos de corrupção no país estão longe de serem novidade e acompanham a história, desde o período colonial, passando Brasil Império, República Velha, Golpe Militar, Nova República até os dias atuais.

“Eu não creio que seja a cultura que explique isso”, arrisca Tomio. “Porque se a gente reunir todas as informações de corrupção de empresas que se relacionem com o Estado vai ver que tem empresas de outros países que se envolveram nesse tipo de desvio em vários lugares do mundo. Não é algo peculiar do Brasil”, diz.

“Um fator importante é que o nosso sistema eleitoral faz com que os políticos precisem de muito dinheiro para o pleito”, diz o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil Manoel Galdino. “As empresas para doarem precisam de um retorno. O sistema favorece políticos corruptos”, explica.

... e a solução

A solução do problema vai além de uma reforma política. O diretor da ONG Transparência Brasil diz que não adianta esperar uma solução por parte das instituições do país. “Da mesma maneira que descobrimos esquemas de corrupção nos Tribunais de Contas, tem problema de corrupção em todas as instituições. Não dá para esperar só daí a solução”, alerta.

“A população brasileira precisa ter um controle social maior. Precisamos que nossas instituições sejam mais transparentes e mais porosas ao controle da população. Só o controle social pode ajudar a fazer a diferença”, prevê Galdino.

Tomio não é tão otimista em relação a uma solução para o problema da corrupção. “Não creio que isso se resolva, mas é possível mitigar”, diz. “Creio que imaginar uma esfera política eleitoral sem nenhum resquício de financiamento ilícito é muito improvável aqui e na maior parte do mundo”, analisa o cientista político.

“Mas sistemas de campanha que sejam menos onerosas e eventualmente financiadas por recursos públicos que possam ser melhor monitorados e com número menor de candidatos pode mitigar esse problema”, opina Tomio.

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