O presidente Michel Temer (PMDB) deu um “drible” na força-tarefa da Lava Jato e no Ministério Público Federal (MPF). Por meio de medida provisória, ele autorizou na quinta-feira (8) que o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fechem acordos de leniência com instituições bancárias. A possibilidade de bancos negociarem colaboração com as autoridades ficou mais concreta diante da iminência de o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o doleiro Lúcio Funaro firmarem acordo de delação com a Lava Jato. Assim como as empreiteiras, empresas do setor financeiro costumam ser grandes financiadores de campanhas e a leniência deles pode revelar novos detalhes sobre possíveis ilegalidades nas eleições.
Ao autorizar o BC a fechar leniência com bancos, Temer pode tirar esse prerrogativa do MPF, uma instituição independente em relação ao Planalto. Além disso, o Ministério Público Federal é comandado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com quem o presidente mantém uma guerra nos bastidores. Já o BC é uma instituição subordinada ao Ministério da Fazenda e, portanto, ao Planalto.
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Restrições
Um acordo de leniência é uma espécie de delação premiada de empresas. A instituição reconhece as irregularidades e crimes que cometeu para sofrer punições menores. Normalmente, esse acerto vem associado aos acordos de delação dos sócios e diretores desses empresas. E hoje quem tem poderes de firmar esse tipo de acordo é o MPF, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Transparência. Na prática, porém, apenas o MPF vem fechando os grandes acordos de leniência. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a JBS recentemente.
O Banco Central já pleiteava o direito de negociar a leniência com empresas do sistema financeiro. Mas o assunto só avançou depois que Palocci e Lúcio Funaro sinalizaram fechar acordos de delação premiada com o MPF. Ambos conhecem os bastidores dos principais negócios envolvendo os grandes bancos do país e isso serviria de moeda de troca para fecharem acordos com o Ministério Público Federal para a redução de penas e descontos de multas.
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Críticas duras
Procuradores ouvidos pela reportagem consideram que, com a medida aprovada por Temer, a leniência de instituições financeiras ficará restrita ao BC e à CVM. Um dos principais nomes da Lava Jato, o procurador Carlos Lima criticou duramente a medida provisória. Lima questionou especialmente o momento de publicação da medida que, em sua avaliação, pode proteger bancos eventualmente acusados na investigação.
Para Lima, o tema deveria ser regido por projeto de lei e não há motivo para a urgência na tramitação – com a publicação da medida provisória, as regras já entram em vigor. Para ele, uma das explicações para o uso de medida pode ser a necessidade de resolver “problema específico”.
Lima criticou a possibilidade de que sejam feitos acordos entre instituições financeiras e o BC com multas com valores “irrisórios” sem que haja efetiva colaboração. Outro item duramente criticado é o que permite sigilo dos acordos. O procurador teme que outros órgãos, como MPF e Polícia Federal, nem sequer sejam informados sobre os acordos – o que impediria eventual investigação criminal. “A medida provisória foi editada em meio aos desdobramentos da Lava Jato que parecem chegar mais perto do mundo econômico.”
Contenção de danos
Embora o governo esteja preocupado com a possível fuga de clientes e saques, caso os maiores bancos sejam envolvidos em delações, não existe um risco sistêmico, segundo as autoridades. Mesmo assim, Temer baixou a medida provisória para tentar conter ao máximo os danos à imagem das instituições que hoje financiam o próprio governo.
Para evitar o vazamento desses acordos por meio do MPF, o governo decidiu dar poderes ao BC e à CVM para que centralizem essas investigações na esfera administrativa e só divulguem o que acharem que não oferece risco ao sistema.
Potencial destrutivo
Na avaliação do governo, Palocci é o quem traz o maior potencial destruidor para o mercado. Sozinho, ele atendeu quatro dos maiores bancos por meio de sua consultoria: Bradesco, Itaú, Santander e BTG Pactual. Ele também conhece os meandros das principais operações controversas envolvendo Caixa, Banco do Brasil e Banco Safra.
Com exceção do Safra, esses bancos formaram consórcio na criação da Sete Brasil, estaleiro que reproduziu os esquemas de propina da Petrobras na produção de sondas do pré-sal e que hoje está praticamente falido.
O lucros dos seis maiores bancos (Banco do Brasil, Itaú, Caixa, Bradesco, Santander, BTG Pactual e Safra) foi de R$ 17 bilhões em 2016. Somente a indenização exigida pelo Ministério Público Federal da JBS nos crimes praticados foi de R$ 10,3 bilhões.
Questionado sobre os riscos das delações ao sistema financeiro, o BC disse que “a MP não foi elaborada e editada em função de eventos desse tipo”. “O seu objetivo é dotar o BC e a CVM de instrumentos de supervisão mais modernos e eficazes.” Informou ainda que a possibilidade de não divulgação do termo de compromisso foi incluída para manter a estabilidade do sistema financeiro.
Desconto na multa
A medida provisória baixada por Temer prevê a redução de até dois terços da multa para quem se candidatar primeiro à leniência. Os demais interessados – e que cometeram o mesmo ilícito – terão direito a um terço de desconto da multa. Embora tenha aumentado o teto da multa para R$ 2 bilhões, isso só valerá para ilícitos cometidos a partir de agora. O limite vigente para as infrações do passado continua sendo de R$ 250 mil.
A medida também permite que instituições com processos investigatórios em andamento possam firmar um termo de compromisso. Por ele, as instituições aceitam pagar multa, mas não confessam os ilícitos. Esses termos ficarão mantidos sob sigilo caso se avalie que sua divulgação ofereça risco ao sistema. Na Comissão de Valores Mobiliários, o procedimento será similar. As multas, no entanto, serão menores.
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