Celso de Mello diz que pode deixar STF em 2017.| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O ministro Celso de Mello está começando a sair do Supremo Tribunal Federal (STF), onde é juiz há quase 28 anos. É o mais antigo dos onze ministros — o decano, como se diz. “Pode ser que este seja o meu último ano aqui”, disse ele ao jornal “O Estado de S. Paulo”, na terça-feira passada (25).

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Se for, significa que o presidente Michel Temer, mantido no cargo, poderá indicar seu segundo ministro em 2018. “De todo modo, se não for neste ano, eu certamente não pretendo ficar até os 75”, afirmou o ministro. É a idade limite para o cargo, que, aos 71 anos, só atingirá em 2021.

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“Já vou caminhando para 48 anos de serviço público (os outros 20 foram no Ministério Público de São Paulo) e está na hora de parar um pouco”, complementou, na única mesa vazia de seu amplo gabinete no terceiro andar do anexo 2. As outras duas mesas estavam tomadas por processos em andamento. O acervo do decano registrava, naquela terça-feira, 3.298 processos, quarto lugar no ranking dos onze ministros (o primeiro é Ricardo Lewandowski, com 3.020; o último, para não variar, Marco Aurélio Mello, com 7.639).

Na entrevista, Celso de Mello disse que a eventual investigação do presidente Michel Temer em inquérito da Operação Lava Jato não desrespeita a Constituição. É o contrário do que entende o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que não incluiu Temer da lista de possíveis investigados enviada em março ao Supremo.

Janot explicou ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, que não pediu para Temer ser investigado porque a Constituição dá ao presidente da República imunidade temporária por atos estranhos ao exercício das funções (Artigo 86, parágrafo 4.º) — no caso, as acusações de alguns delatores sobre arrecadação de dinheiro para campanhas do PMDB. Fachin acolheu o argumento sem manifestar-se a respeito. Só o fez na semana passada — mandando ouvir Janot —, depois que o PSOL entrou com um recurso pedindo que Temer seja incluído na investigação. O recurso ainda não tem data para ir a julgamento.

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“O Supremo Tribunal Federal, em dois precedentes, entendeu que a imunidade constitucional dada ao presidente da República, protegendo-o contra a responsabilização em razão de atos estranhos ao exercício do mandato, não há de impedir a instauração de investigação criminal”, disse Celso de Mello. “É preciso fazê-la, porque as provas se dissipam, as testemunhas morrem e os documentos desaparecem”, acrescentou. “Eu sei que essa não é a posição do procurador-geral da República — não obstante o Supremo tenha dois precedentes julgados pelo pleno.”

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Os dois precedentes são de 1992 — ambos envolvendo o então presidente Fernando Collor de Mello por fatos estranhos ao mandato presidencial. “Eu fui relator de um, e o ministro Sepúlveda Pertence de outro”, relembrou o decano. “E o Supremo Tribunal Federal foi muito claro ao reconhecer a legitimidade da investigação policial ou da investigação criminal promovida pelo Ministério Público.”

Entrevista

O decano da Corte recebeu a reportagem no começo da noite da terça em seu gabinete. Em quase três horas de entrevista, falou de Lava Jato e delação premiada, foro privilegiado, processo contra Dilma Rousseff e Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre outros temas.

No próximo maio, se a pauta prevista não mudar, o Supremo vai enfrentar, por proposta do ministro Luís Roberto Barroso, a questão do foro privilegiado. Qual é a sua posição a respeito?

Eu entendo que não deve existir a prerrogativa de foro, para ninguém, porque ela fere gravemente o princípio republicano da igualdade. Ao mantê-la, e além de tudo ampliá-la, a Constituição de 1988, pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamente aristocrática.

O sr. é contra, e ponto final?

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Sim. Sei, entretanto, que essa é uma tese que certamente pode encontrar muitas dificuldades. Então, se ela não prevalecer, eu também preconizo, como solução alternativa, mediante reforma constitucional, que se reconheça a prerrogativa de foro apenas em relação aos chefes dos Três Poderes da República.

O ministro Barroso propõe que o Supremo possa restringir a prerrogativa de foro para casos de crimes praticados no exercício da função. Cabe ao Supremo alterar esse ponto, ou só ao Congresso?

A modificação do texto constitucional depende, em princípio, de um procedimento formal de reforma da própria Constituição, poder que é do Congresso Nacional. Mas o Supremo tem o poder de interpretar a Constituição. Cabe a ele superar determinados dissensos e controvérsias em torno da aplicabilidade do texto constitucional.

Está na hora de o Brasil ter uma nova Constituição — como os juristas José Carlos Dias, Flávio Bierrenbach e Modesto Carvalhosa defenderam em artigo recente no “Estadão”?

Sim, eu li. É uma proposta interessante, que merece reflexão, um amplo debate nacional, para quem sabe viabilizar uma solução que permita ao Brasil superar esse impasse que resulta do caráter extremamente abrangente de nossa Constituição.

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Quem é que mais demora no processamento da Operação Lava Jato — o Ministério Público ou o Supremo Tribunal Federal?

A atuação do Supremo se mantém em dia. São procedimentos investigatórios complexos, que estão na esfera de atuação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Não cabe ao Supremo oferecer denúncia. Essa é uma função privativa do Ministério Público, como órgão da acusação penal.

O sr. não acha que o procurador-geral Rodrigo Janot está inundando o Supremo com tudo que chega lá, aparentemente sem mínima checagem preliminar? Às vezes vêm até questões já prescritas, como nessas últimas delações...

A investigação penal constitui um dever jurídico do Ministério Público e representa uma resposta legítima do Estado à suposta prática de infrações penais. O MP não pode quedar-se inerte. Ele precisa atuar. É o titular exclusivo da ação penal pública.

Como o sr. viu a divulgação das delações da Odebrecht?

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Em primeiro lugar, nós temos no Brasil, hoje, algumas salvaguardas para evitar uma falsa incriminação de alguém por conta de um delator. Em segundo lugar, a delação premiada não é prova. A própria lei define, e o Supremo já o disse, algumas vezes, que a delação é um meio de obtenção de provas.

O sr. sempre ressalta este ponto. Por quê?

Porque a lei brasileira proíbe que o juiz condene alguém quando a única evidência incriminadora resultar de depoimento de um agente colaborador. E não importa que esse depoimento tenha sido prestado por um, dois, quatro ou dez delatores. A presunção constitucional de inocência não deixa de prevalecer pelo só fato de alguém ter sido delatado. É preciso que haja a corroboração por meio de fontes autônomas de prova, para que então o Judiciário possa, se for o caso, proferir um juízo condenatório.

Uma ideia forte da força-tarefa da Lava Jato, começando pelo coordenador Deltan Dallagnol, é de que o princípio da presunção da inocência passe por relativização.

De modo algum. Eu participei no Supremo dos três julgamentos plenários que discutiram o significado e o alcance da presunção constitucional de inocência. Fui vencido. Mas continuo a entender que o trânsito em julgado da condenação penal há de ser real. O Supremo Tribunal Federal, lamentavelmente, restringiu o alcance de um direito fundamental. Eu dissinto respeitosamente dessa nova orientação jurisprudencial, entendo que ela flexibiliza um direito fundamental de modo inaceitável.

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O sr. tem alguma preocupação institucional com a Lava Jato?

A Operação Lava Jato representa um turning point, um ponto decisivo no processo de investigação de práticas delituosas perpetradas à sombra do poder. Ela transmite ao cidadão o sentimento de confiança na prática das instituições republicanas. Se, eventualmente, houver algum excesso ou desvio, aí estão os tribunais, cuja razão de ser reside no controle da legitimidade dos atos estatais, promanem eles do poder Executivo, Legislativo ou Judiciário.