Atualizada às 16h10.
Foragido há quase um mês, o terrorista Cesare Battisti – condenado na Itália à prisão perpétua por quatro assassinatos cometidos na década de 1970 – foi preso no sábado (12), por volta das 19 horas (horário de Brasília), em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), anunciou no fim da manhã deste domingo que o italiano fará escala no Brasil antes de ser extraditado para a Itália. Um avião da Polícia Federal foi à Bolívia com o objetivo de trazer Battisti de volta para o Brasil. Aqui, segundo o ministro, o terrorista será colocado em outro avião, com autonomia para cruzar o Oceano Atlântico, que o levará à Itália. Nesta manhã, um jornal italiano avisou que um avião daquele país também foi enviado para a Bolívia.
Os jornais italianos dão por certo, porém, que Battisti chegará nesta segunda-feira (14) a Roma, ao Aeroporto de Ciampino, sem passar pelo Brasil. A informação foi anunciada no Twitter, pelo ministro da Justiça italiano Alfonso Bonafede e confirmada no Facebook pelo premiê italiano Giuseppe Conte. Oficialmente, porém, não há nenhuma manifestação do governo da Bolívia, que é quem deve decidir se devolve Battisti ao Brasil, instaura um processo de extradição ou envia o terrorista direto para a Itália.
Heleno deu as declarações após reunião de emergência no Palácio do Alvorada – residência oficial do presidente Jair Bolsonaro – para discutir a prisão. Também participaram do encontro os ministros da Justiça, Sérgio Moro e Relações Exteriores, Ernesto Araújo. “Ele (Bolsonaro) não quer capitalizar nada. Ele quer colocar para fora um bandido”, disse o ministro do GSI.
Essa avaliação de o terrorista italiano vir primeiro para o Brasil é uma posição conjunta nos bastidores, inclusive da Polícia Federal. O governo recebeu informações preliminares de que não haveria acordo de extradição entre Bolívia e Itália, por exemplo. Heleno não soube responder se há acordo entre esses países. Ele também disse não saber se a Bolívia poderia entregar Battisti diretamente para os italianos.
QUEM É CESARE BATTISTI:A Gazeta do Povo foi à Itália conhecer a história do terrorista
Mais cedo, o governo brasileiro avisou estar atuando em cooperação com o governo da Bolívia e da Itália para a extradição. “O ministério da Justiça e Segurança Pública e o ministério das Relações Exteriores estão tomando todas as providências necessárias, em cooperação com o Governo da Bolívia e com o Governo da Itália, para cumprir a extradição de Battisti e entregá-lo às autoridades italianas”, informaram os ministérios brasileiros da Justiça e de Relações Exteriores em nota conjunta na manhã deste domingo (13).
Prisão decretada, extradição e busca
O italiano teve a prisão decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux em 12 de dezembro, e dois dias depois o então presidente Michel Temer assinou sua extradição para a Itália, revertendo decisão tomada pelo então presidente Lula em seu último dia de mandato (31/12/2010). Em 2009, o STF havia decidido pela extradição, mas afirmado que a decisão final caberia ao presidente.
A decisão de Temer autorizava o ministério da Justiça a iniciar o processo de entrega do terrorista às autoridades italianas, o que não se concretizou porque ele estava foragido.
Antes da prisão na Bolívia, a Polícia Federal fez mais de 30 operações de busca por Battisti, sem sucesso. Depois de não encontrar Battisti em seus endereços registrados, a PF no Brasil reiniciou do zero a busca, sem nenhuma pista do paradeiro. Para tentar encontrar o italiano, a polícia chegou até a fazer um quadro com diversas imagens de possíveis disfarces. Uma equipe especial da polícia italiana deslocou-se para a cidade boliviana pouco antes do Natal, após receber dicas de informantes.
Segundo o jornal italiano “Corriere della Sera”, no momento da prisão, Battisti estava de barba, óculos escuros, calças azuis e camiseta preta, e portava documento de identidade com seu nome e data de nascimento. Estava sozinho e foi abordado na rua por agentes bolivianos e da Interpol. Não resistiu e se manteve em silêncio. Na manhã deste domingo, autoridades italianas divulgaram um breve vídeo de Battisti gravado pouco antes de sua prisão.
ð¥ #CesareBattisti ripreso poco prima della cattura
— Polizia di Stato (@poliziadistato) 13 de janeiro de 2019
Team di poliziotti #Criminalpol #Antiterrorismo e #Digos Milano con collaborazione intelligence italiana lo hanno pedinato fino all'arresto da parte dela polizia boliviana @INTERPOL_HQ pic.twitter.com/adBu9iRvX2
Em outubro de 2017, quando ainda estava vivendo em liberdade no Brasil, Battisti foi preso por evasão de divisas em Corumbá (MS) e o caso voltou à tona. Ele foi detido na fronteira com a Bolívia ao transportar cerca de R$ 23 mil não declarados à Receita Federal brasileira.
Possibilidades
Mais cedo, antes das declarações de Augusto Heleno, o procurador Vladimir Aras, ex-secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República, afirmou no Twitter que havia duas possibilidades para o futuro de Battisti.
Como a prisão de Battisti ocorreu na BolÃvia (paÃs para o qual ele já tentara fugir em 2017), há duas soluções para que ele passe à custódia de autoridades italianas: 1) um novo processo de extradição, pedido por Roma a La Paz. Seria o terceiro: França, Brasil, BolÃvia; ou 2) ... https://t.co/ApfKKLHTEq
— Vladimir Aras (@VladimirAras) 13 de janeiro de 2019
A primeira seria um novo processo de extradição, solicitado pela Itália à Bolívia. Anteriormente, os italianos já haviam pedido o mesmo à França e ao Brasil. A segunda, aparentemente mais simples, é uma medida similar à deportação ou expulsão, caso sua entrada e permanência na Bolívia sejam irregulares. Assim, as autoridades bolivianas o entregariam imediatamente ao Brasil, que na sequência o extraditaria à Itália, conforme já decidido pelo então presidente Michel Temer.
Se o caminho fosse o novo pedido de extradição italiano, Battisti poderia ganhar tempo e tentar se manter no país vizinho argumentando que é vítima de perseguição política. O governo Evo Morales, de esquerda, poderia aceitar essa tese e lhe conceder asilo. Mas as declarações do governo brasileiro indicam que essa possibilidade é remota.
Bolsonaro, embaixador italiano e presidente do Parlamento europeu comemoram prisão
A extradição tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro. Em suas redes sociais, ele parabenizou os responsáveis pela captura. “Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram no mundo (PT)”, escreveu.
Parabéns aos responsáveis pela captura do terrorista Cesare Battisti! Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram no mundo (PT).
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) 13 de janeiro de 2019
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, também se manifestou nas redes sociais sobre a prisão. “A Itália só teve ‘anos de chumbo’ porque antes teve anos de terrorismo. Bombas, autoridades sequestradas, assassinatos políticos e etc. Não dá para combater terrorismo como se fosse crime comum”, disse.
O embaixador da Itália escreveu: “Battisti está preso! A democracia é mais forte que o terrorismo!!”
O presidente do Parlamento europeu, que é italiano, disse que Battisti tem de ser conduzido o mais rápido possível para a Itália. Que o terrorista que se divertiu com vítimas, famílias e a Itália tem de estar preso.
O assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, também comentou a prisão em redes sociais: “O terrorista italiano Cesare Battisti foi preso na Bolívia esta noite e em breve será trazido para o Brasil, de onde provavelmente será levado até a Itália para que ele possa cumprir pena perpétua, de acordo com a decisão da Justiça italiana”, disse.
O que diz a defesa de Battisti
A defesa do italiano informou que acompanha o caso e, em nota, afirmou não ter como tomar providências porque ele está na Bolívia. “Como as notícias dão conta de que ele não se encontra no Brasil, seus advogados brasileiros não possuem habilitação legal para atuar em outra jurisdição que não a brasileira”, disse o advogado Igor Tamasauskas. “Esperamos que o caso tenha um desfecho de respeito aos direitos fundamentais de nosso cliente”, concluiu ele.
A defesa argumentou em recursos ao Supremo que o italiano tem um filho brasileiro que depende dele economicamente – o menino tem hoje cinco anos. Justificou ainda que falta um fato novo que sirva de motivo para um novo pedido de extradição ou uma ordem de prisão.
Os advogados afirmaram em dezembro ao STF que, “quase dez anos após a estabilização e pacificação de sua relação jurídica com o país”, Battisti “não deve ser submetido à alteração de sua situação jurídica, sob pena de violar-se a segurança jurídica e a dignidade do ser humano”.
A história de Battisti
Década de 1970 - Envolve-se com grupos de luta armada de extrema esquerda.
Década de 1980 - Foge da Itália e passa a maior parte do tempo no México. É condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana, acusado de quatro homicídios.
Década de 1990 - Exila-se em Paris (França), protegido por legislação do governo Mitterrand.
2004 - Sem Miterrand, França aprova extradição para Itália; foge em direção ao Brasil, onde vive clandestino.
2007 - É preso no Rio.
2009 - Ministério da Justiça dá a ele status de refugiado político. STF aprova extradição, mas condiciona decisão ao presidente da República.
2010 - Lula, então presidente, decide pela permanência de Battisti no Brasil.
2011 - STF valida decisão de Lula, e Battisti é solto. Governo concede visto de permanência a ele.
2017 - Em setembro, defesa entra com habeas corpus preventivo no STF para evitar extradição. Caso fica sob relatoria de Luiz Fux. No começo de outubro é detido em Corumbá (MS) por evasão de divisas e, dias depois, recebe habeas corpus. Temer decide extraditá-lo, mas espera decisão do STF sobre o habeas corpus. Fux concede liminar impedindo a extradição até que a corte decida sobre o habeas corpus. Em dezembro, Battisti se torna réu no caso da evasão de divisas.
2018 - Em novembro, o ministro do STF Luiz Fux conclui análise sobre habeas corpus e pede que caso seja levado ao Plenário. Em 12 de dezembro, porém, decide de forma monocrática pela prisão. Em 14 de dezembro, Michel Temer assina a extradição do italiano.
2019 - Em 12 de janeiro, o terrorista é preso na Bolívia.
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