O ex-militante de extrema esquerda Cesare Battisti, 63 anos, foi personagem de um dos episódios mais controversos da política externa do governo Lula (2003-2010). Nesta quinta-feira (13), Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) , determinou sua prisão.
A prisão abre caminho para a extradição do italiano pelo atual presidente da República, Michel Temer (MDB), ou pelo próximo, Jair Bolsonaro (PSL). Battisti foi condenado em seu país e está em liberdade no Brasil desde 2010.
Filho de comunistas, Battisti nasceu em 1954 e cresceu no contexto da Revolução Cubana e da Guerra do Vietnã. Ainda jovem militou no PCI (Partido Comunista Italiano), onde se opôs ao governo em um período conhecido como “anos de chumbo” na Itália (final dos anos 1960 e início dos anos 1980) que, apesar de democrático, foi marcado pela forte repressão do Estado e conflitos entre grupos de esquerda e paramilitares de direita.
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Battisti deixou o PCI em 1971 para aderir ao movimento da extrema esquerda Lotta Continua. Ele foi preso pela primeira vez em 1972 pelo crime de furto e, dois anos depois, por assalto a mão armada. Foi na prisão que o ex-militante conheceu e entrou para o PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), grupo de origem marxista que, posteriormente, o ajudou a entrar na clandestinidade.
Battisti foi condenado por quatro assassinatos ocorridos entre 1977 e 1979 durante ações do PAC: o do agente penitenciário Antonio Santoro, o do joalheiro Pierluigi Torregiani, o do açougueiro Lino Sabadin e o do agente policial Andrea Campagna. Battisti sempre negou os crimes.
As acusações de que Battisti participou dos assassinatos partiram de seu ex-companheiro Pietro Mutti, que estava preso e optou pela delação premiada, conseguindo reduzir a sua pena. Após a delação, Battisti foi julgado à revelia (sem a presença do réu e de testemunhas) na Itália e condenado à prisão perpétua.
Fuga e chegada ao Brasil
Mas o italiano já estava longe. Com a criação da Doutrina Mitterrand, instituída pelo ex-governante da França François Mitterrand (1981-1995), que acolhia ex-militantes que decidissem abandonar a luta armada, Battisti deixou o México e se exilou em território francês, onde já havia vivido durante um ano na clandestinidade.
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Anos mais tarde, Battisti já como escritor de romances policiais, foi surpreendido com a revisão da doutrina feita pelo sucessor de Miterrand, Jacques Chirac. Em meio a protestos de intelectuais e artistas, Battisti foi preso, mas voltou a ganhar liberdade. Quando a ordem para extradição à Itália se tornou definitiva, em 2004, Battisti foge novamente, dessa vez para o Brasil.
Em março de 2007, Battisti foi detido no Rio de Janeiro e ficou preso no complexo penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. Mas, em 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, atendeu um recurso formulado pela defesa de Battisti e concedeu a ele refúgio político.
Battisti alegava que não havia conseguido exercer o direito de defesa e sustentava que as condenações decorriam de perseguição política do Estado Italiano. A decisão do ministro foi defendida pelo ex-presidente Lula, que disse que a ação era “questão de soberania nacional”.
No entanto, em novembro do mesmo ano, o STF decidiu anular o refúgio, ao considerar que os crimes cometidos por Battisti foram comuns e não políticos. Apesar da decisão, a corte determinou que a palavra final caberia a Lula. Na época do julgamento, Battisti chegou a fazer uma greve de fome em protesto ao que chamou de “retaliação do governo italiano”.
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A Itália, por sua vez, criticou duramente o refúgio e não aliviou as pressões. O governo chegou a ameaçar boicotar eventos esportivos no Brasil, como os Jogos Mundiais Militares no Rio, em 2011, e a Copa do Mundo de 2014.
Mesmo assim, em dezembro de 2010, Lula garantiu a permanência de Battisti no Brasil em decisão no último dia do mandato do petista. O STF validou a decisão de Lula no ano seguinte, quando o italiano é colocado em liberdade.
Situação atual
Em outubro do ano passado, quando a situação parecia mais tranquila a Battisti, o italiano foi preso por evasão de divisas em Corumbá (MS) e o caso voltou à tona. Ele foi detido na fronteira com a Bolívia ao transportar cerca de R$ 23 mil não declarados à Receita Federal brasileira.
Battisti diz que não tinha a intenção de fugir, mas sim de comprar materiais de pesca, vinhos e casacos de couro no país vizinho, que seriam mais baratos. Na mesma semana, o desembargador José Marcos Lunardelli, do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), concedeu habeas corpus ao italiano.
Em dezembro, Battisti virou réu pelo crime de evasão de divisas e a Justiça determinou que ele usasse tornozeleira eletrônica. Na Itália, cresceu a pressão pela extradição. Com o fato novo, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que o italiano quebrou a confiança do Brasil.
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Temer, então, decidiu revogar a condição de refugiado do italiano e extraditá-lo, mas optou por esperar que o STF decidisse sobre um habeas corpus preventivo a ele, que havia sido solicitado pela sua defesa em setembro, dias antes de sua prisão em Corumbá.
Ainda em outubro de 2017, Fux, relator do habeas corpus, concedeu liminar impedindo a extradição do italiano. A decisão teria validade até que o pedido de habeas corpus fosse analisado pela Primeira Turma do Supremo.
Somente no mês passado, Fux concluiu seu relatório sobre Battisti e pediu ao presidente do STF, Dias Toffoli, que paute a discussão do caso no plenário da corte – e não na Primeira Turma, como estava previsto.
Dias antes, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, havia pedido urgência no andamento do caso no STF. Presidente eleito, Bolsonaro é a favor da extradição. Embora houvesse a expectativa de que o caso fosse julgado no plenário do STF, Fux decidiu de forma monocrática nesta quinta pela prisão para extradição.
Em entrevista à Folha de S.Paulo em outubro do ano passado, Battisti afirmou que sua arma para se defender era não fugir. Ele vive em Cananeia, no litoral de São Paulo.
Battisti é casado com uma brasileira e tem um filho no país. O casal tem um filho que, segundo a defesa, depende “econômica e afetivamente dele, o que impede a sua expulsão”.