O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está mais autorizado a conceder entrevista da cadeia onde cumpre pena, em Curitiba. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, derrubou, na noite desta segunda-feira (1), a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que havia concedido licença ao jornal Folha de S.Paulo para entrevistar o ex-presidente na Polícia Federal.
Na sexta-feira (28), Lewandowski decidiu, de forma monocrática, liberar a realização da entrevista, atendendo recurso do próprio jornal. Horas depois, no mesmo dia, o vice-presidente do Supremo, Luiz Fux, derrubou o aval, gerando um mal estar entre os ministros da Corte.
Nesta segunda à tarde, Lewandowski reiterou sua decisão autorizando a entrevista, desqualificando a argumentação de Fux e taxando-a de censura à imprensa. Mas, à noite, veio a palavra final, de Dias Toffoli, que na condição de presidente do STF é o único ministro autorizado a derrubar decisões de colegas.
NA ÍNTEGRA: Leia a decisão de Dias Toffoli que suspende a autorização de Ricardo Lewandowski
A tensão gerada pelas decisões controversas sobre a entrevista de Lula desencadeou uma crise interna no STF, num momento em que o país vive a eleição mais conturbada desde a redemocratização.
A decisão individual de Fux, que derrubou a de Lewandowski, foi o estopim para uma série de conversas atravessadas, bate-bocas e, por fim, um tom avaliado por outros ministros não envolvidos no caso como "agressivo", muito pouco usual na Corte. E que pode ter sido considerado por Toffoli para ‘dar um fim’ no caso. Pelo menos até o momento.
Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo com a promessa de pacificar o tribunal. Mas nem bem terminou sua segunda semana no comando da Corte e já enfrenta a primeira crise. Na tentativa de desarmar a bomba-relógio que caiu na sua mão, ele armou uma ainda maior.
Os passos da confusão
A decisão monocrática de Lewandowski, aconteceu na sexta-feira - o que é permitido aos ministros do Supremo. Ele havia concedido ao ex-presidente Lula o direito de dar entrevista à jornalista Mônica Bérgamo, do jornal Folha de S.Paulo, e também a outros veículos, o que havia sido barrado pela Vara de Execuções Penais do Paraná. Para o ministro, a proibição representaria censura. Horas depois, o vice do STF, Luiz Fux, derrubou a decisão do colega, acatando um pedido do Partido Novo. Disse que Lula teve a candidatura negada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a entrevista poderia confundir o eleitor.
Um pedido de suspensão de liminar é um tipo de ação que, regimentalmente, é encaminhado à Presidência do Supremo, a não ser que este esteja ausente do país. Toffoli não estava em Brasília na sexta-feira, mas em São Paulo. Fux também não, mas se viu desimpedido para apreciar a reclamação do partido Novo contra a primeira manifestação de Lewandowski.
Um erro, na avaliação de Lewandowski, que no despacho desta segunda afirmou que “jamais houve liminar a ser suspensa”. “Ao contrário do que aponta a decisão do Ministro Luiz Fux, a presente reclamação teve o mérito julgado monocraticamente, não se tratando de deferimento de liminar”.
Até o momento, o STF não explicou porque o vice assumiu a Presidência do Supremo e cassou a decisão do colega, sendo que o presidente não estava em viagem internacional. A movimentação atípica levantou a suspeita, não confirmada, de que Toffoli possa ter feito uma “tabelinha” com Fux, liberando- o a decidir num primeiro momento.
Após um fim de semana com inúmeras conversas nos bastidores, sem que nenhum dos lados poupasse críticas ao outro, esta segunda-feira não foi menos tensa.
Pelos corredores
Lewandowski e Toffoli se encontraram na manhã desta segunda num evento promovido pela Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, em homenagem aos 30 anos da Constituição.
Em uma sala anexa ao auditório, os dois tiveram uma conversa tensa, e chegaram a elevar o tom de voz, segundo relatos de quem estava na porta. Toffoli disse que levaria a questão par o plenário analisar, na quarta-feira (3). Lewandowski não gostou, e afirmou que reafirmaria a autorização para a entrevista de Lula à Folha. E esperava que o presidente derrubasse a decisão de Fux.
Lewandowski saiu minutos depois batendo a porta, com o rosto ainda vermelho, segundo pessoas que estavam no corredor. Redigiu enquanto almoçava o documento que tornou público no meio da tarde.
“Reafirmo a autoridade e vigência da decisão que proferi na presente Reclamação para determinar que seja franqueado, incontinenti, ao reclamante e à respectiva equipe técnica, acompanhada dos equipamentos necessários à captação de áudio, vídeo e fotojornalismo, o acesso ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de que possam entrevistá-lo, caso seja de seu interesse, sob pena de configuração de crime de desobediência, com o imediato acionamento do Ministério Público para as providência cabíveis, servindo a presente decisão como mandado”, escreveu.
Mais do que reafirmar a decisão, fez questão de se dirigir a Toffoli e a Fux: “O presidente do Supremo, assim como o vice, não são órgãos jurisdicionais hierarquicamente superiores a nenhum dos demais ministros desta Corte”.
Expectativa de mais confusão
Quando acontece uma briga interna no Supremo, o que não tem sido tão atípico quanto os mais contidos gostariam, é normal que todos tomem posição internamente. Mas é comum também que, no plenário, a maioria finja que nada aconteceu. Menos os envolvidos. As trocas de farpas, avaliam assessores e ministros, devem ocorrer nas próximas sessões.
A última desavença pública entre ministros havia ocorrido entre Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, também por conta de Lula - daquela vez na sessão do Tribunal Superior Eleitoral que vetou a candidatura do ex-presidente.
PERFIL: Quem é o ministro que comprou briga com colega do STF e liberou entrevista de Lula
Dessa vez, a maior parte dos ministros teceu críticas aos envolvidos. Reservadamente, eles têm afirmado que Lewandowski tratou a lei da liberdade de imprensa de forma abstrata ao decidir sobre a entrevista de Lula e que a questão cabe à Vara de Execuções Penais do Paraná.
Já quanto a Fux, alegam que não caberia a ele decidir sobre a alegação de um partido, já que a contestação, nesse caso, deveria ter partido da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Nos julgamentos no STF, Fux e Lewandowski já não se entendiam mesmo antes dessa briga pública. O primeiro costuma se alinhar ao grupo do Ministério Público e sair em defesa de punições mais duras aos condenados por corrupção e outros crimes do colarinho branco.
Já Lewandowski é do grupo chamado de "garantista", que preza pelas liberdades individuais e aplicação textual da lei, sem flexibilizações. Eles se tratavam cordialmente até então. "Agora não devem trocar uma palavra. A não ser algumas farpas no plenário", disse à Gazeta do Povo um ministro em tom irônico.
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