A trapalhada dos delatores da JBS, que se autoincriminaram numa gravação entregue acidentalmente à Procuradoria-Geral da República (PGR), ameaça complicar não só a vida dos executivos da empresa, que podem perder os benefícios da colaboração premiada. Mas também o futuro da Lava Jato em um momento crítico para as investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), que deve começar em alguns meses os julgamentos dos primeiros políticos envolvidos na operação.
No Congresso e no Planalto, não foram poucos os políticos investigados que comemoraram o tropeço do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que apostou todas suas fichas na colaboração premiada da JBS. E As investidas contra a Lava Jato tendem a ganhar força de todos os lados.
A PGR ficou fragilizada após a gravação lançar suspeitas de irregularidades supostamente cometidas pelo ex-procurador Marcelo Miller nas negociações do acordo de delação do donos e executivos da JBS. Miller era braço-direito de Janot e deixou o cargo para virar advogado da empresa.
Passo 1: questionar as delações
O líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), um dos investigados pela Lava Jato, deu o tom: a credibilidade das delações será questionada. Jucá disse na terça-feira (5) que o novo áudio da JBS pode comprometer várias delações, e não apenas as da JBS. O peemedebista mencionou inclusive delações em que ele mesmo é citado.
“Existem agora dúvidas sobre várias delações, não é sobre uma delação só. O senhor [Rodrigo] Janot está falando de um caso. Mas, se a gente pegar o fio da meada, vai ver que o [ex-procurador] Marcelo Miller, ele organizou delação do Sergio Machado, [Nestor] Cerveró, Delcídio [Amaral], do Joesley [Batista]”, disse o senador.
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As delações estão sob fogo cerrado desde o início da Lava Jato. Mas, nos últimos tempos, uma série de fatos as colocaram em xeque. Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) de Brasília pediu o cancelamento dos benefícios concedidos ao ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT) em seu acordo de colaboração. Os procuradores afirmam que a delação de Delcídio está cheia de omissões e até mentiras.
Em Porto Alegre, recentemente o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que revisa as decisões do juiz federal Sergio Moro, absolveu o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto em um dos processos da Lava Jato. Segundo a visão dos desembargadores, havia apenas depoimentos de delatores contra Vaccari, e a palavra isolada de colaboradores não vale como prova.
No Congresso e também no meio judicial já há também pressão para mudar a lei das delações. O movimento tende a ganhar força com a trapalhada da JBS.
O possível apoio do STF
Desta vez, a investida dos políticos contra a Lava Jato poderá ter o apoio de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que cerravam fileira ao lado da operação. Isso porque três ministros da corte – Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes – foram colocados sob suspeita no áudio. A aposta é de que o STF “reaja” à altura para se defender. E o endurecimento na avaliação das delações poderá ser uma consequência disso.
A reação mais enfática do STF veio da presidente da corte, Cármen Lúcia. Ela enviou ofício na terça-feira (5) à PGR e à Polícia Federal (PF) exigindo “a investigação imediata” das suspeitas envolvendo o Supremo, “com definição de datas para início e conclusão dos trabalhos” para que “não fique qualquer sombra de dúvida sobre a dignidade deste Supremo Tribunal Federal”.
O ministro Gilmar Mendes, um crítico da Lava Jato, também se pronunciou: “Se há erro no Supremo, foi não ter colocado limites aos delírios de Janot, apenas isso”. Mendes também acusou Janot de ter “tentado envolver” o STF nas denúncias de corrupção, o que, segundo ele, mostra a “pouca qualidade institucional” do procurador. “A grande confirmação é de que a Procuradoria trabalhou muito mal nesse episódio, de que ela se envolveu, que tinha objetivos, a partir do próprio braço direito do procurador-geral”, afirmou, referindo-se ao ex-procurador Marcelo Miller.
O episódio também tende a validar a posição de Mendes de que é preciso aprovar uma lei de abuso de autoridade para frear esse tipo de situação. A força-tarefa da Lava Jato considera que a aprovação do projeto de abuso de autoridade em tramitação no Congresso tem por objetivo enfraquecer a operação.
Passo 2: investigar os investigadores
O líder do governo no Congresso, Romero Jucá , também defendeu que os parlamentares façam uma investigação própria em relação ao caso. A CPI Mista da JBS, que já estava criada mas ainda não tinha feito nada, começou efetivamente a funcionar na terça-feira (5). O presidente CPI, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), apresentou sete requerimentos para convocar autoridades a prestar esclarecimentos. Dentre eles, estão Rodrigo Janot, Marcelo Miller, e os donos e executivos da JBS Joesley e Wesley Batista e Ricardo Saud.
Desde que foi criada, a CPI, formada por deputado e senadores, era vista como uma arma do governo e de parlamentares investigados contra a PGR. “O Congresso tem que acompanhar essa investigação, talvez até fazer uma investigação própria, independente, exatamente pra ter a verdade. Os fatos são fatos graves, podem ser identificados omissão, crime, muitas coisas. Há muitas coincidências que precisam ser investigadas”, disse Jucá.
Passo 3: enfraquecer as denúncias
A delação da JBS foi homologada às pressas pelo STF e entre as provas entregues pelos delatores estava uma gravação de Joesley Batista com o presidente Michel Temer, que deu origem a uma denúncia apresentada também às pressas por Janot contra Temer por corrupção passiva. Os deputados federais, porém, não deram aval para que o STF processasse o presidente.
Janot deixa o cargo oficialmente no dia 17 de setembro. No dia 18, assume a nova procuradora-geral, indicada por Temer, Raquel Dodge. Antes de passar o bastão, Janot pretendia apresentar uma segunda denúncia contra o presidente, também com base na delação da JBS, por obstrução de Justiça e organização criminosa.
Agora, com a delação da JBS sob suspeita de irregularidades, uma segunda denúncia contra Temer perde força, assim como qualquer denúncia baseada na colaboração. “Não sei qual é a denúncia que o Janot ia apresentar. Se ele tem consciência, se tem responsabilidade e certeza, ele apresenta. Se ele não tem, não espero que seja mais uma posição melancólica e esquecida ou incorreta do Ministério Publico, como foi a primeira denúncia”, disse Jucá.
O próprio Temer se pronunciou sobre o assunto na quarta-feira (6). Segundo o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o presidente afirmou: “Os fatos acabaram mostrando que eu tinha razão”.
O PT também aproveitou para ironizar a denúncia de Janot dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff por formação de quadrilha no esquema da Lava Jato. Em discurso no plenário do Senado realizado na quarta-feira (6), a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, disse que Janot será “ridicularizado” pelas acusações. “Qual é a organização criminosa? Qual é o crime que nós fizemos, doutor Janot? Porque a denúncia que foi apresentada é uma coisa absurda: não tem um fundamento, só tem delação. É justamente quando as delações são questionadas que vossa senhoria apresenta uma denúncia por organização criminosa em cima de delações?”, questionou.
Passo 4: atacar credibilidade do Ministério Público
Líderes partidários se dividem sobre o impacto das revelações feitas por Rodrigo Janot, que fragilizaram a delação dos irmãos Batista, da JBS, no desfecho da Lava Jato. Há quem ache, e não são poucos, que a resposta do Ministério Público terá que ser dura, no mesmo tom com que os procuradores agem com os políticos. Por outro lado, há quem minimize e acredita se tratar de algo isolado e que não contamina a operação.
O líder do Democratas, Efraim Filho (PB), um aliado do presidente Michel Temer, fala que o Ministério Público precisa “resgatar sua credibilidade”. Ele acredita que o episódio comprometeu a atuação da Procuradoria. Efraim disse que de nada vai adiantar se Janot for convencido de que tudo não passou de uma bravata.
“Para resgatar a credibilidade o Ministério Público tem que usar a mesma força que usou contra os agentes políticos. Não pode ter dois pesos e duas medidas. Tem que usar o mesmo critério com integrantes do Ministério Público e da Justiça. Se não, fica comprometido. Fica uma meia verdade”, disse o líder do DEM, que complementou:“Tudo vai depender dos desdobramentos. Se Joesley [Batista, dono da JBS] disser que tudo que está na gravação não passou de uma brava e ficar por isso mesmo, não adianta nada. Tem que ter [o Ministério Público] o mesmo ímpeto [que teve com políticos]”.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) defendeu Janot, mas afirmou que é preciso ser duro com os envolvidos. Ele não acredita que ministros do STF façam parte de algum arranjo. Para Maia, Joesley e Ricardo Saud foram “dois irresponsáveis” ao citar ministro do Supremo. Mas ele espera uma posição “muito dura” de Janot no caso.
“O procurador Rodrigo Janot deu uma primeira resposta rápida, pedindo cinco dias para que se investigue. Ao mesmo tempo que a sociedade apoia a investigação contra o presidente da República também quer ver investigação mais firme contra os donos da JBS. Acho que vai tomar decisões duras sobre essa relação do ex-procurador Marcelo (Miller) com a JBS e escritórios de advocacia. Tem muita nuvem aí”, disse Maia.
O líder do PR na Câmara, José Rocha (BA), minimiza o tamanho da crise. Para ele, a ação da JBS é um caso isolado e não compromete a Lava Jato. “Foi um ato isolado dos irmãos Batista. Não compromete a Lava Jato como um todo. Seria injusto dizer isso. Os resultados estão aí. Agora, que enfraqueceu uma eventual segunda denúncia contra o presidente, isso enfraquece”, disse Rocha, que foi aliado de Dilma Rousseff e também integra a base de Temer.