| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A velocidade das ferrovias brasileiras caiu tanto nos últimos anos que hoje um maratonista olímpico conseguiria superar os trens que circulam em vários trechos da malha nacional.

CARREGANDO :)

Em alguns casos, as locomotivas e vagões andam, em média, a menos de dez quilômetros por hora (km/h) - número menor que os indicadores de 2001, quando as estatísticas começaram a ser levantadas. A melhor marca nacional, em torno de 27 km/h, está bem abaixo da registrada nos Estados Unidos, por exemplo, onde os trens circulam a 45 km/h.

Privatizadas há 20 anos e prestes a terem os contratos renovados antecipadamente, essas estradas de ferro enfrentam uma série de gargalos, que atrapalham a produtividade do transporte nacional – hoje altamente dependente das rodovias.

Publicidade

LEIA MAIS: Apagão dos radares: rodovias federais têm fiscalização parcialmente suspensa

A origem do problema tem várias vertentes. Começa com a morosidade e a incapacidade do governo de resolver conflitos de sua competência no setor; passa pela falta de investimentos adequados nas vias; e termina na saturação de alguns trechos, com o aumento de carga movimentada. O resultado se reflete na curva de velocidade. Dados do Anuário Estatístico da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) mostram que de 2001 até 2016, a queda da velocidade dos trens variou de 5% e 76% (ver gráfico). Apenas uma, a MRS, conseguiu melhorar o indicador.

Nesse período de 16 anos, muita coisa aconteceu no setor. Em meados dos anos 2000, depois de investimentos pesados em locomotivas e vagões e algumas melhorias na via, as empresas conseguiram melhorar a velocidade, mas a partir de 2010 os números entraram num movimento de declínio. “De modo geral, não há um fator que explique a queda de todas as ferrovias. Cada uma tem sua especificidade”, explica o presidente da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak.

Ele usa como exemplo o caso da Estrada de Ferro Carajás que passou por uma grande obra de duplicação, o que pode ter influenciado na velocidade. Considerada uma das mais eficientes do país, a ferrovia tinha velocidade média de 24,07 km/h em 2016 ante 33 km/h em 2001.

A Vale, empresa que administra a estrada, afirma que a queda foi decorrente do aumento da produção, que significa maior quantidade de trens ao longo da linha férrea. Frischtak cita também a situação da ALL. A empresa, que detinha a maior malha ferroviária do país, foi comprada em 2012 pelo grupo Cosan e passou a se chamar Rumo.

Publicidade

De lá para cá, a nova proprietária da malha ferroviária conseguiu alguns avanços na velocidade, mas em 2016 voltou a cair. Comparados a 2001, todos os trechos da empresa registraram queda. A Rumo afirma que composições mais compridas e vagões com maior capacidade de carga passaram a ser usados após a compra. Desde então já foram investidos R$ 1,8 bilhão na aquisição de 150 locomotivas e de 2,7 mil vagões.

“Com trens maiores e mais pesados circulando pela malha, a velocidade naturalmente diminuiu”, afirma a empresa, em nota.

Produtividade

As concessionárias não gostam de relacionar velocidade à produtividade, embora especialistas afirmem que esse é um indicador de eficiência. “Temos uma malha centenária com declives e aclives, que limitam a operação; nem com os melhores materiais (trens e vagões) se consegue melhorar a velocidade”, afirma o diretor executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Simões Paes.

Na avaliação dele, uma das principais explicações para a redução da velocidade é o aumento do volume transportado. Ninguém nega que houve melhoras no sistema ferroviário desde a privatização. Um número maior de empresas passou a ser atendido pelos trilhos, que hoje respondem por 25% da matriz de transporte, participação considerada baixa.

Mas especialistas entendem que muita coisa precisa mudar para que as ferrovias ganhem mais participação na matriz nacional. O governo entende que para compreender melhor as causas da queda na velocidade precisa fazer um estudo aprofundado, o que ainda não está nos planos da ANTT, que fiscaliza o setor.

Publicidade

O superintendente do órgão, Alexandre Porto, afirma que a velocidade é resultado de um conjunto de fatores, como a qualidade da via e o aumento do tráfego. Além disso, o crescimento desordenado das grandes cidades espremeu as ferrovias, o que tem impacto na velocidade. “Toda a malha nacional, construída num período de baixa urbanização, tem muitas passagens de nível (para permitir que carros e pessoas atravessem os trilhos)”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende.

Concessão

O superintendente da ANTT afirma que a renovação das concessões de ferrovias deve corrigir algumas falhas dos contratos anteriores. Além de estabelecer níveis de qualidade de serviço, a expectativa é ter multas mais razoáveis, caso o concessionário não cumpra as obrigações. Hoje, dizem especialistas, as multas baixas não estimulam o cumprimento do contrato.

Além disso, os novos contratos devem prever investimentos bilionários exatamente para eliminar esses gargalos. “A solução para o problema da baixa velocidade dos trens são investimentos em contornos ferroviários”, afirma Resende, da Dom Cabral.

Segundo ele, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tentou reduzir o problema incluindo alguns projetos, mas foi pouco diante dos gargalos. Porto cita como exemplo os contornos de Araraquara (SP) e Barra Mansa (RJ) como investimentos feitos para melhorar a operação.

Há ainda, segundo Resende, uma questão técnica, que é o tamanho da bitola (largura entre um trilho e outro) de 1 metro e 1,6 metro. Isso exige locomotivas de tamanhos diferentes. Algumas ferrovias têm um terceiro trilho para resolver o problema. “Mas há situações em que isso não resolve, pois os túneis não foram preparados para isso. Ou seja, não cabe uma locomotiva maior.

Publicidade